Racional 

• O diagnóstico de obesidade baseado no IMC pode tanto subestimar quanto superestimar o grau de adiposidade, levando a uma avaliação incorreta de saúde de pacientes a nível individual. Da mesma forma, o conceito de obesidade como uma doença é alvo de controvérsias na medicina moderna, e sua definição tem impactos importantes para as pessoas afetadas por essa condição e para a sociedade como um todo. 

• O objetivo do consenso foi definir critérios clínicos e biológicos objetivos para o diagnóstico de obesidade clínica, a fim de auxiliar na tomada de decisões clínicas e na priorização de intervenções terapêuticas, tanto a nível individual como em saúde pública. 

• Este texto aborda o estigma e o impacto gerado pela obesidade e o planejamento de cuidado do paciente.

• Uma comissão formada por 58 especialistas, em parceria com a revista Lancet e o Instituto de Diabetes, Endocrinologia e Obesidade (Kings Health Partners), representando múltiplas especialidades médicas e países, além de pessoas convivendo com obesidade, discutiu as evidências científicas disponíveis e chegou a um consenso. O método utilizado foi semelhante ao método Delphi, sendo considerado consenso quando mais de 67% dos especialistas concordaram com algum dos enunciados. O grau de concordância foi classificado em quatro níveis: grau U (unânime, 100% de concordância); grau A (90-99% de concordância, quase unânime); grau B (78-89% de concordância, concordância forte com pouca variação); e grau C (67-77% de concordância, com maior divergência de opiniões). 

 Recomendações

Considerações Sobre o Planejamento do Cuidado:

• Garantir o acesso de pessoas com obesidade clínica a tratamento integral e baseado em evidências para melhorar (ou remitir, quando possível) as manifestações clínicas da obesidade e prevenir a progressão para dano orgânico terminal - Grau U (100% de concordância).

• Basear a escolha de intervenção para obesidade clínica (ex. mudanças de estilo de vida, tratamento farmacológico, psicoterapia ou tratamento cirúrgico) na avaliação individual de riscos e benefícios, e em evidências clínicas de que a intervenção tem chances razoáveis de melhorar o quadro clínico e a qualidade de vida, ou reduzir a progressão da doença e mortalidade - Grau U (100% de concordância).

• Garantir o acesso de pessoas com obesidade pré-clínica a aconselhamento de saúde e cuidados, quando necessário, para reduzir o risco individual de desenvolvimento de obesidade clínica ou outras doenças relacionadas à obesidade - Grau U (100% de concordância).

• Basear a escolha de intervenção para obesidade pré-clínica (ex. mudanças de estilo de vida, tratamento farmacológico, psicoterapia ou tratamento cirúrgico) considerando a gravidade do excesso de tecido adiposo e a presença ou ausência de outros fatores de risco e doenças relacionadas à obesidade coexistentes - Grau A (96% de concordância).

• A presença de obesidade (pré-clínica ou clínica) pode contribuir para o desenvolvimento de diabetes tipo 2, afetar negativamente o controle glicêmico e aumentar o risco de progressão da doença. O tratamento de obesidade pré-clínica e clínica deve fazer parte do manejo de pacientes com diabetes tipo 2 -  Grau A (98% de concordância).

• A avaliação clínica da obesidade, bem como as recomendações e intervenções médicas, devem ser realizadas por profissionais de saúde qualificados - Grau U (100% de concordância). 

Estigma Baseado em Peso e Saúde Pública

• Considerar que os vieses relacionados ao peso e o estigma são obstáculos significativos  para a prevenção e o tratamento efetivo da obesidade. Combatê-los não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia fundamental para avançar na prevenção e tratamento da obesidade, além de reduzir doenças associadas e a mortalidade - Grau U (100% de concordância).

• Instituições acadêmicas, organizações profissionais, a média, autoridades de saúde pública, associações de pacientes e governos devem promover a educação sobre os estigmas relacionados ao peso e incentivar uma nova narrativa pública sobre a obesidade, alinhada com o conhecimento científico moderno  - Grau A (98% de concordância).

• Autoridades em saúde e formuladores de políticas devem assegurar que indivíduos com obesidade pré-clínica tenham acesso adequado e equitativo a avaliações diagnósticas para identificação de riscos individuais à saúde, monitoramento do impacto da obesidade ao longo do tempo e cuidados apropriados, quando necessários, para reduzir o risco de obesidade clínica e doenças associadas - Grau U (100% de concordância).

• Estratégias de saúde pública baseadas em evidências científicas devem ser implementadas para reduzir a incidência e a prevalência de obesidade em nível populacional. Essas estratégias devem evitar suposições não comprovadas que culpam exclusivamente a responsabilidade individual pelo desenvolvimento da obesidade - Grau U (100% de concordância).

Declarações de Pessoas Vivendo com Obesidade

• O impacto da obesidade vai além das complicações de saúde, incluindo os efeitos sociais e emocionais, bem como o estigma social associado à obesidade - Grau U (100% de concordância).

• Ao diagnosticar obesidade clínica, é importante reconhecer possíveis traumas passados e/ou estigmas que a pessoa com obesidade possa ter sofrido no sistema de saúde ou na sociedade de maneira geral - Grau U (100% de concordância).

• Estratégias de saúde pública para reduzir a incidência e a prevalência de obesidade em nível populacional devem ser baseadas em evidências científicas atuais, e não em suposições não comprovadas que atribuem exclusivamente a responsabilidade individual pelo desenvolvimento de obesidade. Além disso, devem ser evitadas suposições sobre o caráter ou comportamento das pessoas com obesidade - Grau U (100% de concordância).

• Embora as escolhas de estilo de vida possam contribuir para o desenvolvimento da obesidade ou ajudar na sua redução, o problema central está relacionado a alterações nos mecanismos biológicos que regulam a gordura corporal - Grau A (97% de concordância).