Ventilação Não Invasiva para Desmame em Pacientes com Insuficiência Respiratória Crônica Hipercápnica
28 de maio de 2024
6 minutos de leitura
O uso de ventilação não invasiva pode ser útil no desmame da ventilação mecânica em pacientes com insuficiência respiratória crônica hipercápnica?
O desmame da ventilação mecânica é um momento desafiador para boa parte dos pacientes críticos, especialmente para os pacientes mais frágeis. Um subgrupo que merece atenção especial é o de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), no qual o desmame difícil pode ocorrer em 40 a 60% dos casos. Nesse cenário, o uso de ventilação não invasiva pode ser uma ferramenta importante para abreviar o tempo de ventilação mecânica, facilitar a transição para o suporte espontâneo e reduzir o risco de reintubação, complicação que é associada a piores desfechos. Contudo, a evidência dando suporte ao papel da VNI no desmame da ventilação ainda é escassa e há grande debate sobre a sua efetividade e sobre o risco de atrasar a reintubação em casos de falha. Diante dessa lacuna foi realizado o estudo VENISE para avaliar o uso da VNI no processo de extubação de pacientes com insuficiência respiratória crônica hipercápnica.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (13 UTIs na França e Tunísia)
Não cego
Foi calculado que 66 pacientes por grupo (total de 208 pacientes) seriam necessários para ter 80% de poder para demonstrar uma diferença absoluta de 10% entre os grupos, considerando uma taxa de drop-out de 5% e um erro alfa de 5%
Pacientes com insuficiência respiratória crônica hipercápnica em desmame de ventilação mecânica incluídos entre 2002 e 2006
Intubação > 48h por insuficiência respiratória
Doenças pulmonares crônicas acompanhadas de hipercapnia
DPOC, asma persistente, bronquiectasias, hipoventilação da obesidade, deformidades de caixa torácica ou sequela de tuberculose
Estabilidade clínica
Definida por PaO2/FiO2 >150 mmHg, PEEP < 5 cmH2O, sem vasopressores, sem sedação e com tosse efetiva
Falha durante teste de respiração espontânea (TRE) com tubo T
Tolerância ao TRE por pelo menos 2 horas, seguida de extubação
Instabilidade clínica
Preditores de via aérea difícil na intubação inicial
Suspeita de disfagia grave
Tosse ineficaz ou quantidade abundante de secreção brônquica
Pacientes não cooperativos
Contraindicações para acoplar a máscara de VNI
Cirurgia gastrointestinal ou infarto do miocárdio recentes
Uso de VNI domiciliar
Traqueostomia
Coma
Recusa em participar ou inclusão em outro estudo
Os pacientes que falharam no TRE foram randomizados para 3 estratégias possíveis (sendo duas estratégias de intervenção e um grupo controle). Foram elas:
Extubação seguida de oxigenoterapia convencional (Grupo O2)
Extubação seguida de aporte com O2 suplementar para SpO2 > 90%
Extubação seguida de VNI (Grupo VNI)
Extubação seguida de VNI através de máscara facial com duração de pelo menos 6 horas por dia, inicialmente ofertada de forma contínua e posteriormente de forma intermitente
O modo preferencial utilizado era o BiPAP, sendo ajustado para manter um volume corrente de no mínimo 7 ml/kg e FR < 30 rpm
Desmame convencional da ventilação
Realização diária de TRE com tubo T ou em PSV, acompanhada de redução gradual da pressão de suporte
Extubação somente após TRE bem-sucedido
Era permitida a realização de VNI de resgate em todos os grupos em caso de insuficiência respiratória após a extubação (definida por critérios objetivos)
A decisão de reintubação era baseada em critérios objetivos. Sendo eles:
Critérios maiores: parada respiratória ou cardíaca, hipoxemia severa persistente (PaO2 / FiO2 > 130 mmHg), instabilidade hemodinâmica grave, arritmias graves.
Critérios menores: ventilação não efetiva devido a agitação/falta de colaboração, sinais clínicos de desconforto respiratório importante, alteração de consciência, dificuldade de mobilizar secreções, desenvolvimento de novas disfunções orgânicas.
Primário: necessidade de reintubação em 7 dias após a extubação
Secundários: insuficiência respiratória aguda pós extubação, morte dentro de 7 dias após a extubação, um composto de reintubação, morte ou insuficiência respiratória dentro de 7 dias da extubação, uso de VNI de resgate, duração do desmame e da ventilação mecânica, tempo na UTI e no hospital e mortalidade
MasculinoFeminino
Controle (N=69) x Grupo O2(N=70) x Grupo VNI (N=69)
Idade: 70 x 72 x 71 anos
Sexo Masculino: 61% x 78% x 75%
SAPS II: 40 x 40 x 46
Doença obstrutiva: 73% x 66% x 69%
Doença restritiva: 10% x 11% x 3%
Causa da intubação:
Exacerbação: 41% x 35% x 51%
Pneumonia: 32% x 32% 18%
Duração da hospitalização: 10 x 10 x 8 dias
Número de TREs prévios: 1 x 1 x 1
PaO2 / FiO2: 195 x 171 x 183
Reintubação dentro de 7 dias ocorreu em 30% do grupo controle, 37% do grupo oxigênio e 32% do grupo VNI (P = 0,65)
O desfecho composto de insuficiência respiratória pós extubação, reintubação ou morte em 7 dias ocorreu em 54% do grupo controle, 71% do grupo oxigênio e 33% do grupo VNI (P < 0,001)
VNI de resgate foi utilizada em 45% do grupo controle e 58% do grupo oxigênio, sendo eficaz em prevenir reintubação ou morte em cerca de metade dos que necessitaram (45% dos que usaram no grupo controle e 58% dos que usaram no grupo O2)
As causas de reintubação e tempo até reintubação foram similares entre os grupos
A incidência de complicações associadas ao suporte ventilatório foi de 51% no grupo controle, 61% no grupo O2 e 52% no grupo VNI (P =0,24).
O tempo de permanência e a sobrevida hospitalar foram similares entre os grupos
O uso de VNI no desmame de pacientes com insuficiência respiratória crônica hipercápnica não reduziu o risco de reintubação em 7 dias. Contudo, o grupo que recebeu VNI teve uma incidência muito menor de insuficiência respiratória pós extubação e os demais grupos utilizaram com frequência VNI de resgate
Estudo randomizado e multicêntrico
Estudo pragmático
A indicação de reintubação era definida por critérios objetivos, sendo similar em ambos os grupos
Houve um crossover considerável entre os grupos, com cerca de metade do grupo controle e O2 usando VNI devido a desconforto respiratório, com uma taxa de sucesso relativamente alta, o que provavelmente reduziu muito o impacto da intervenção no desfecho primário
Estudo não cego, o que pode aumentar o risco de viés (especialmente considerando que as equipes nos centros do estudo tinham experiência e provavelmente acreditavam muito no impacto da VNI)
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/ventilacao-nao-invasiva-para-desmame-em-pacientes-com-insuficiencia-respiratoria-cronica-hipercapnica
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