Ventilação Mecânica Protetora em Pacientes com Lesão Cerebral Aguda Grave: Ensaio Clínico Randomizado, Multicêntrico
21 de novembro de 2024
7 minutos de leitura
A ventilação mecânica protetora melhora o desfecho clínico em pacientes com lesão cerebral aguda grave?
A ventilação mecânica, por si só, pode induzir lesão pulmonar. Estudos robustos demonstraram que a ventilação mecânica protetora, caracterizada por volumes correntes baixos, com 6 mL/Kg de peso predito de volume corrente, e uma pressão de platô menor ou igual a 30 cmH2O reduz significativamente a mortalidade em pacientes com ARDS em comparação à ventilação mecânica convencional. Pacientes com lesão neurológica aguda, teriam mais propensão a desenvolver lesão pulmonar associada à ventilação mecânica devido a resposta neuro-inflamatória e cascata adrenérgica. Assim, é possível que a ventilação mecânica protetora seja benéfica nessa população. Em contrapartida, o volume corrente mais baixo da ventilação protetora pode aumentar a PaCO2. A hipercapnia e o uso de PEEP mais elevados podem ser deletérios por predisporem a aumento de pressão intracraniana. Neste contexto, o estudo PROLABI foi realizado para testar a hipótese de que a ventilação mecânica com baixos volumes correntes e PEEP alto poderia melhorar o desfecho clínico de pacientes com lesão cerebral aguda grave
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (8 centros na Itália)
Randomização eletrônica na proporção de 1:1 em blocos de 6 e estratificado por centro e por diagnóstico
Foi calculada uma amostra de 524 pacientes necessário para um poder estatístico de 80% para detectar um aumento relativo na incidência do desfecho primário em 40% (de 19% a 30%) com um alfa de 0,05
Pacientes com lesão neurológica aguda grave e em ventilação mecânica incluídos entre 2014 e 2018
Ventilação mecânica invasiva
Lesão cerebral aguda grave secundário a
Traumatismo craniano, HSA, hemorragia intraparenquimatosa ou AVCi
Pacientes que não apresentem abertura ocular e que não obedecem a comandos na avaliação da escala de coma de Glasgow (ECG)
Idade < 18 anos
Encefalopatia anóxica
Coma de etiologia tóxico-metabólico
Diagnóstico de ARDS no momento do screening
Ventilação mecânica há mais de 24h da admissão na UTI
Ventilação mecânica com perspectiva de duração menor que 72h
Expectativa de não sobreviver por mais de 24h
Gestantes
Ventilação mecânica protetora
Volume corrente de 6 mL/Kg de peso predito e PEEP de 8 cmH2O
Ventilação mecânica convencional
Limite inferior de volume corrente de 8 mL/Kg de peso predito com PEEP de 4 cmH2O
Em ambos os grupos os pacientes foram ventilados em volume controlado (VCV), com frequência respiratória ajustada para manter PaCO2 entre 35 e 38 mmHg
FR máxima permitida era 35 irpm
No grupo ventilação protetora, se PaCO2 fosse maior que 38 mmHg com FR de 35 irpm, o volume corrente era aumentado para 7 mL/Kg de peso predito
Hiperventilação (PaCO2 < 35 mmHg) para controle de hipertensão intracraniana poderia ser iniciada a critério do intensivista, de acordo com guidelines
O alvo de PaO2 em ambos os grupos era 88 a 100 mmHg
Dados da mecânica pulmonar eram calculados e registrados
O tratamento dos pacientes era realizado de acordo com guidelines internacionais
A monitorização de pressão intracraniana (PIC) era realizada de acordo com julgamento clínico
Primário: desfecho composto por mortalidade geral, dependência de ventilação mecânica (definida por pacientes conectado a qualquer tipo de ventilação mecânica invasiva) e ARDS (de acordo com critérios de Berlin) em 28 dias
Secundários: grau de funcionalidade e limitações na alta da UTI pela escala Modified Oxford Handicap Scale (MHOS), Desfecho neurológico funcional em 6 meses pela E-GOS, tempo de permanência em UTI, dias livres de ventilação mecânica, incidência de PAV, tempo de internação hospitalar e eventos adversos.
MasculinoFeminino
Ventilação protetora (N= 104) x Ventilação convencional (N= 86)
Média de idade em anos: 54 x 52
Sexo feminino: 37% x 40%
Diagnóstico primário
TCE: 54% x 56%
HSA: 26% x 27%
AVCh: 15% x 15%
AVCi: 5% x 2%
Mediana da ECG
Total: 5 (3-7) x 5 (3-7)
Resposta ocular: 1 (1-1) x 1 (1-1)
Resposta Verbal: 1 (1-1) x 1 (1-1)
Resposta motora: 3 (1-4) x 3 (1-4)
Mediana da escala de Fisher (HSA): 4 (3-4) x 4 (4-4)
AVCh com hemoventrículo: 69% x 77%
NIHSS mediana: 5 (4-5) x 21 (0-42)
Variáveis hemodinâmicas
PAM mmHg: 86 ± 14 x 85 ± 13
PIC média: 11,6 ± 7,3 x 13,7 ± 6,0
PPC média: 70 ± 11,4 x 69,2 ± 11,8
Necessidade de drogas vasoativas: 59% x 49%
SOFA: 7 (6-8) x 7 (6-8)
Devido a interrupção no financiamento, o estudo foi interrompido precocemente, antes mesmo da primeira análise interina, com 190 pacientes randomizados.
Houve maior incidência do desfecho primário (composto por mortalidade, dependência de ventilação mecânica e incidência de ARDS em 28 dias) no grupo ventilação protetora em comparação ao grupo ventilação convencional: 64% x 45,7% (RR 1,35; IC95% 1,03 a 1,79)
Houve maior mortalidade em 28 dias no grupo ventilação protetora: 28,9% x 15,1% (RR 1,91; IC95% 1,06 a 3,42)
Houve maior incidência de dependência de ventilação mecânica em 28 dias no grupo ventilação protetora: 42,3% x 27,9% (RR 1,52; IC95% 1,01 a 2,28)
Não houve diferença na incidência de ARDS em 28 dias entre os grupos: 30,8% x 22,1% (RR 1,39; IC 95% 0,85 a 2,27)
A mortalidade na UTI no grupo ventilação protetora foi maior em comparação ao grupo convencional: 29,4% x 15,1% (RR 2,02; IC95% 1,16 a 3,53)
Não houve diferença no grau de funcionalidade e limitação pela MHOS na alta da UTI entre os grupos
Não houve diferença na incidência de óbito/estado vegetativo em 6 meses avaliado pela E-GOS entre os grupos: 45% x 29% (RR 1,55; IC 95% 1,00 a 2,42)
Não houve diferença no tempo de internação em UTI e no tempo de internação hospitalar entre os grupos
Não houve diferença na incidência de PAV em 28 dias entre os grupos
Houve menos dias livres de ventilação mecânica em 28 dias no grupo ventilação protetora 3,5 x 8 (RR 0,17; IC 95% 0,01 a 0,32)
Em pacientes com lesão cerebral aguda sem ARDS, a ventilação mecânica protetora não reduz a mortalidade, dependência de ventilação mecânica e ocorrência de ARDS em comparação à estratégia de ventilação mecânica convencional
Ensaio clínico, multicêntrico, o que aumentaria a validade externa dos dados.
Randomização adequada com maior garantia de sigilo de alocação
Protocolo adequado para responder à pergunta do estudo e de fácil execução
Estudo interrompido precocemente, o que diminui o poder estatístico do estudo.
O estudo incluiu pacientes com diferentes tipos de lesão cerebral aguda o que não permite identificar o impacto da ventilação protetora em cada tipo de lesão cerebral.
O estudo utilizou como desfecho primário, um desfecho composto por mortalidade geral, dependência de ventilação mecânica e ARDS em 28 dias. Esses desfechos em 28 dias não parecem ter a mesma gravidade e relevância clínica, o que pode comprometer a interpretação do real impacto da intervenção para o paciente.
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/ventilacao-mecanica-protetora-em-pacientes-com-lesao-cerebral-aguda-grave-ensaio-clinico-randomizado-multicentrico
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