Uso Combinado de Levotiroxina e Liotironina em Pacientes Submetidos à Tireoidectomia Total
22 de outubro de 2024
6 minutos de leitura
A combinação de levotiroxina (LT4) e liotironina (LT3) é mais eficaz do que a levotiroxina isolada em modificar marcadores de efeito tecidual periférico após tireoidectomia total?
O tratamento padrão-ouro para o hipotireoidismo é a reposição de LT4, pois a produção de T3 (a forma biologicamente ativa) ocorre predominantemente pela conversão de LT4 por meio da ação das deiodinases nos tecidos periféricos. No entanto, alguns pacientes continuam a apresentar sintomas atribuídos ao hipotireoidismo, como disfunção cognitiva e fadiga, mesmo com a reposição adequada. Pacientes submetidos à tireoidectomia e em tratamento com T4L apresentam níveis mais baixos de T3L em comparação com o período pré-operatório, mesmo com níveis normais de TSH, sugerindo um nível insuficiente de hormônio tireoidiano na periferia. As evidências sobre a eficácia da reposição combinada de LT4 e LT3 são conflitantes. Portanto, o estudo LEVOLIO teve como objetivo avaliar o efeito da terapia combinada com LT4 e LT3 em pacientes submetidos à tireoidectomia total.
Ensaio clínico randomizado
Centro único na Itália
Duplo-cego
Controlado por placebo
Randomização permutada em bloco na proporção 1:1; estratificação por genótipo para variantes nos genes DIO2 e MCT10 (relacionados à ação das deiodinases e ao transporte dos hormônios tireoidianos, respectivamente)
Cálculo de uma amostra de 113 participantes em cada grupo para alcançar um poder de 90% na detecção de uma diferença de pelo menos 8,14 nmol/L de SHBG entre os grupos (usada como indicador de efeito tecidual do hormônio tireoidiano)
Pacientes submetidos à tireoidectomia total, incluídos entre 2017 e 2020
Idade ≥ 18 anos
Tireoidectomia total prévia por doença benigna ou maligna
Tireoglobulina (Tg) sérica < 0,2 ng/mL (indicando ausência de tecido tireoidiano residual) e anti-Tg negativo
Hipotireoidismo bem compensado, com uso de LT4 em doses estáveis por pelo menos 3 meses
Gestação
Histórico de arritmia cardíaca
Doença hepática ou renal severa
Distúrbios do metabolismo ósseo
Uso de LT4 em doses para supressão do TSH
Uso de certas medicações, como corticosteroides, terapia anti-reabsortiva para osteoporose, amiodarona, colestiramina ou suplementação de ferro
Combinação de LT4 + LT3, via oral, duas vezes ao dia durante 6 meses
Formulação: gotas (contendo LT3) e comprimidos (contendo LT4) pela manhã, e gotas (contendo LT3) à noite
Ajuste de dose de acordo com o TSH nas semanas 6, 12 e 24, respeitando a proporção de T4/T3 entre 13:1 e 20:1.
LT4 + placebo, via oral, 2x ao dia por 6 meses
Formulação: gotas (contendo LT4) e comprimidos (contendo LT4) pela manhã, e gotas (contendo placebo) à noite
Primário: variação de SHBG após 6 meses
Secundários: IMC, alteração nos escores de qualidade de vida (questionários ThyPRO), TSH, T3L, T4L, perfil lipídico e marcadores de remodelamento ósseo (CTX, osteocalcina e fosfatase alcalina óssea)
Exploratórios: relação T3L/T4L, frequência cardíaca e pressão arterial
MasculinoFeminino
Grupo LT4+LT3 (N = 71) x Grupo LT4+Placebo (N = 70)
Idade média (anos): 55,5 (± 10,8) x 56,4 (± 13,0)
Sexo feminino: 74,6% x 67,1%
IMC (kg/m2): 28,5 (± 5,5) x 28,7 (± 5,8)
Pressão arterial (mmHg): 128,4/78,2 x 128,7/77,6
Tempo após tireoidectomia total (meses): 113,5 x 107,1
Carcinoma papilífero ou folicular de tireoide: 97,1% x 91,1%
Carcinoma medular de tireoide: 1,4% x 4,5%
Bócio nodular benigno: 1,4% x 4,5%
Tratamento com radioiodo: 73% x 60%
Dose total diária de LT4 (μg/dia): 112,1 (± 28,7) x 114,9 (± 34,6)
Hipertensão arterial: 36,6% x 41,4%
Diabetes mellitus: 4,2% x 7,1%
Dislipidemia: 12,7% x 14,3%
Hipoparatireoidismo: 12,7% x 12,9%
Sintomas de hipotireoidismo:
Fraqueza: 50,7% x 51,4%
Ganho de peso: 47,9% x 41,4%
Redução de memória: 36,6% x 32,9%
Taxa de descontinuação do tratamento ou perda de seguimento de 14,1% (influenciada também pela pandemia de COVID-19)
Após 6 meses de tratamento, não houve diferença significativa nos marcadores teciduais de função tireoidiana, com SHBG discretamente maior no grupo LT4+LT3 (52,9 ± 25,8 nmol/L) em comparação ao grupo LT4 isolado (48,9 ± 33,1 nmol/L), mas sem diferença estatística (p = 0,47).
Pacientes tratados com LT4+LT3 apresentaram uma redução de TSH em todas as visitas, com 33,3% dos pacientes com TSH abaixo do valor de referência após 6 meses, comparado a 19% no grupo placebo (p = 0,06). Apenas um paciente do grupo controle apresentou tireotoxicose iatrogênica.
A incidência de TSH elevado foi maior no grupo controle (15,5%) do que no grupo LT4+LT3 (1,6%) ao final do estudo (p < 0,05), sem casos de hipotireoidismo evidente.
O grupo LT4+LT3 apresentou níveis significativamente menores de LT4 (-0,9, IC 95% -1,7 a -0,2, p = 0,02) e maiores de LT3 (+0,3, IC 95% 0,1 a 0,5, p = 0,002) em comparação ao grupo controle.
Não houve diferenças entre os grupos quanto aos escores de qualidade de vida, IMC, frequência cardíaca ou pressão arterial.
Não houve diferença nos efeitos colaterais entre os grupos. Apenas um evento adverso grave foi registrado: um caso de hepatite aguda secundária à colelitíase no grupo LT4+LT3, considerado não relacionado ao tratamento.
Não foram observadas diferenças entre os grupos em relação aos genótipos DIO2 e MCT10.
A combinação de levotiroxina (LT4) e liotironina (LT3) não foi mais eficaz do que a levotiroxina isolada em modificar marcadores teciduais de efeito periférico em pacientes com tireoidectomia total após 6 meses de tratamento.
Realização da análise por intenção de tratar, que inclui todos os participantes que receberam pelo menos uma dose do tratamento, resultando em uma abordagem mais prática, realista e compatível com a vida real
Administração de LT3 com ajuste de dose, mantendo a proporção adequada de T4L/T3L
Inclusão de casos de hipotireoidismo em pacientes submetidos à tireoidectomia total, garantindo ausência de função tireoidiana residual
A estratificação por variantes genéticas (DIO2 e MCT10) permitiu controlar possíveis influências genéticas nos resultados
Estudo realizado em um único centro e sem descrição da etnicidade dos participantes, o que limita a possibilidade de generalização e a validade externa
O desfecho primário foi a diferença de SHBG, usada como indicador de efeito tecidual do hormônio tireoidiano (indireto). No entanto, esse marcador não é específico e pode ser influenciado por outros fatores
Número relativamente pequeno de participantes, não alcançando a quantidade estimada pelo cálculo amostral
A pandemia de COVID-19 pode ter afetado o seguimento e a adesão dos pacientes ao estudo, interferindo potencialmente nos resultados
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/uso-combinado-de-levotiroxina-e-liotironina-em-pacientes-submetidos-a-tireoidectomia-total
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