Trombectomia em Acidente Vascular Cerebral Isquêmico no Sistema Público de Saúde do Brasil
03 de dezembro de 2024
6 minutos de leitura
O tratamento com trombectomia mecânica é superior ao tratamento clínico no desfecho funcional em pacientes com AVCi por oclusão de grandes vasos?
Muitos ensaios clínicos randomizados já demonstraram o benefício da trombectomia mecânica em pacientes com AVCi secundário a obstrução de grandes vasos. Entretanto esses estudos foram realizados em países com disponibilidade de recursos tecnológicos avançados no sistema de saúde. O sistema público de saúde brasileiro tem recursos limitados, e a sua aplicabilidade, eficácia e relação custo-benefício não foram comprovados dentro desse sistema. Neste contexto, o estudo RESILIENT buscou avaliar a eficácia e segurança da trombectomia mecânica no SUS.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico, envolvendo 12 centros certificados para tratamento de AVC no Sistema Único de Saúde (SUS), todos com capacidade para realização de procedimentos neuro angiográficos.
Aberto, com análise de desfechos cegado
Randomizado na proporção de 1:1
Considerando uma taxa bom desfecho funcional (mRS ≤2) em 90 dias no grupo trombectomia de 35% e uma taxa de bom desfecho em 90 dias de 25% no grupo controle, foi calculada uma amostra de 690 pacientes para um poder estatístico de 90% e um nível de significância unilateral de 0,025 com o OR esperado de 1,615.
Pacientes com AVCi de grandes vasos incluídos entre 2017 e 2019
Idade ≥ 18 anos
AVCi com oclusão de grandes vasos
Porção intracraniana de A. carótida interna, Segmento MI da A. cerebral média ou ambos
Possibilidade de tratamento em até 8h do início dos sintomas
Ausência de disfunção prévia significativa definido pelo Rankin score modificado (mRS) pré AVC de 0 ou 1)
NIHSS ≥ 8
AVCi inelegíveis ou com contraindicação ao tratamento trombolítico
Pacientes que receberam trombolíticos e não tiveram melhora
Possibilidade de realização de tratamento em até 8h do início dos sintomas
Se fosse realizado TC ou RNM de perfusão, os pacientes devem ter um núcleo isquêmico < 70 ml com uma taxa de desproporção de perfusão ≥ 1,8 e volume de desproporção ≥ 15 ml para serem incluídos no estudo.
Evidência de sangramento intracraniano recente
Área de infarto cerebral grande, definido como ASPECTS < 6 em TC de crânio ou < 5 em imagem de difusão em ressonância nuclear magnética (RNM)
Coagulopatia ou terapia de anticoagulação VO com INR > 3,0
Plaquetopenia < 30 mil/mm3.
Glicemia > 400 mg/dL
Hipertensão grave sustentada: PAS >185 mmHg ou PAD > 110 mmHg
Doença grave, avançada ou terminal, com expectativa de vida < 1 ano
Gestantes
Pacientes que receberam alteplase após 4,5 horas do início dos sintomas.
Vasculite cerebral.
Doença neurológica ou psiquiátrica pré-existente que possa confundir as avaliações neurológicas ou funcionais
Neuroimagem com evidência de efeito de massa com desvio de linha média
Oclusão carotídea ipsilateral, estenose grave ou dissecção arterial no segmento extracraniano ou petroso da artéria carótida interna que não pode ser tratada ou que impeça o acesso ao coágulo intracraniano ou tortuosidade excessiva dos vasos cervicais, dificultando a entrega/implantação do dispositivo.
Trombectomia mecânica com stent retriever ou sistema de aspiração, com ou sem colocação de stent.
Tratamento convencional, baseado em guideline, incluindo trombólise com alteplase se indicado
O tratamento clínico dos pacientes foi realizado de acordo com guidelines da Sociedade Brasileira e AVC e da American Heart Association
Primário: desfecho neurológico funcional em 90 dias avaliado pelo mRS
Secundários: independência funcional em 90 dias (mRS ≤ 2); Melhora clínica significativa precoce, definida por NIHSS 0-2 ou melhora do NIHSS em 8 ou mais pontos em 24h; análise de custo-efetividade; qualidade de vida pelo EQ-5D em 90 dias; taxa de recanalização arterial por angiografia, TC ou RNM em 24h, distribuição dos níveis de mRS em 90 dias; mortalidade em 90 dias; complicações relacionadas ao procedimento, hemorragia intracraniana em 24h
MasculinoFeminino
Trombectomia (N = 111) x Controle (N = 110)
Mediana de idade: 65 (54-77) x 67 (53-73)
Sexo feminino: 45,9% x 48,2%
Mediada no NIHSS: 18 (14-21) x 18 (14-21)
Antecedentes
História de AVC ou AIT: 12,6% x 10,0%
Fibrilação Atrial: 13,5% x 10,9%
DM: 20,7% x 33,6%
HAS: 63,1% x 68,2%
Tabagismo atual ou prévio: 15,3% x 20,0%
IC: 19,8% x 19,1%
mRS pré AVC igual a 0: 82,0% x 89,1%
Mediana de PAS – mmHg: 144 (130-162) x 140 (127-160)
Tratamento com alteplase EV: 68,5% x 71,8%
Oclusão de vaso intracraniano
Artéria Carótida Interna: 20,7% x 17,3%
ACM M1: 79,3% x 90,9%
ACM M2: 0 x 3,6%
Oclusão de Artéria Carótida Interna – ramo extracraniano: 8,1% x 3,6%
Mediana de tempo do início de sintomas até randomização - min: 237 (175-295) x 237 (164-295)
Mediana de tempo do início dos sintomas até o início da administração de alteplase: 170 (132-213) x 161 (115-219)
O estudo foi interrompido precocemente após a primeira análise interina devido a superioridade do grupo trombectomia.
Houve um melhor desfecho neurológico funcional em 90 dias no grupo trombectomia em comparação ao grupo controle: OR 2,28 (IC 95% 1,41 a 3,69)
Houve maior incidência de mRS score de 0 a 2 em 90 dias no grupo trombectomia: 35,1% x 20,0% (OR 2,25; IC 95% 1,34 a 4,48)
Não houve diferença na melhora clínica significativa precoce entre os grupos: 31,4% x 24,1% (OR 1,45 (IC 5% 0,79 a 2,67)
Houve maior frequência de recanalização vascular em 24h no grupo trombectomia: 80,2% x 46,3%; (OR 5,23; IC 95% 2,53 a 10,82)
Não houve diferença na incidência de hemorragia intracraniana sintomática entre os grupos: 4,5% x 4,5%
Houve maior incidência de hemorragia intracraniana assintomática no grupo trombectomia: 51,4% x 24,5% (OR 3,24; IC 95% 1,77 a 6,01)
Houve melhor da qualidade de vida pelo EQ-5D em 90 dias no grupo trombectomia
Não houve diferença na mortalidade geral em 90 dias entre os grupos: 24,3% x 30,0% (OR 0,73; IC 95% 0,45 a 1,19)
O tratamento endovascular realizado em até 8h do início dos sintomas em pacientes com AVCi com oclusão de grandes vasos, tem melhores desfechos neurológicos funcional em 90 dias em comparação ao tratamento padrão
Ensaio clínico randomizado multicêntrico, o que aumenta a validade externa do estudo
Protocolo bem elaborado para responder à pergunta do estudo.
O estudo avaliou o desfecho neurológico funcional como desfecho primário, o que tem mais impacto no caso de pacientes neurocríticos em comparação ao desfecho mortalidade.
Interessante o estudo da estratégia em um contexto aplicável ao Brasil / SUS
O estudo foi interrompido precocemente, o que reduz o seu poder estatístico
O equipamento utilizado no grupo trombectomia, foi doado pela indústria, o que pode introduzir viés e conflito de interesse.
Nem todos os pacientes foram submetidos a estudo de imagem para avaliar a proporção de área de perfusão e isquemia. Pode ter havido inclusão de pacientes com uma desproporção entre perfusão e isquemia que não teriam sido incluídos no estudo caso tivessem sido submetidos a esses exames de imagem, o que pode incluir viés de seleção no estudo.
Estudo aberto, com maior risco de viés de performance e observação
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/trombectomia-em-acidente-vascular-cerebral-isquemico-no-sistema-publico-de-saude-do-brasil
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