Tratamento da Falência Circulatória Aguda Baseado em Índices Derivados do O2 e CO2
06 de março de 2025
6 minutos de leitura
O uso de índices como saturação venosa central de oxigênio (SvO₂) e diferença venosa central e arterial de CO₂ (GapCO₂) para guiar a ressuscitação hemodinâmica de pacientes com choque resulta em melhora da hipoperfusão tecidual?
O choque é uma causa comum de admissão em UTI, sendo seu tratamento frequentemente baseado em sinais clínicos (tempo de enchimento capilar, mottling, sinais vitais, diurese) e laboratoriais (lactato, SvO₂). Índices derivados do metabolismo do oxigênio e do gás carbônico como, por exemplo, o gap de CO₂ (diferença entre a pCO₂ venosa central e a arterial) e a razão Gap de CO₂/ diferença arteriovenosa de conteúdo de O2 (Gap de CO₂ dividido pela diferença entre o conteúdo arterial de O₂ e o conteúdo venoso de O₂) podem ser utilizados como marcadores de perfusão tecidual inadequada, sendo alvos potenciais para guiar a ressuscitação hemodinâmica. Apesar de um racional fisiológico robusto, poucos estudos randomizados avaliaram o uso dessas ferramentas integradas a protocolos de manejo hemodinâmico em pacientes com choque, motivo pelo qual foi realizado o estudo LACTEL.
Ensaio clínico randomizado.
Multicêntrico (3 UTIs na França).
Estudo não cego.
Randomização em proporção 1:1 estratificado pelo centro e pelo tipo do choque.
Foi calculado que 180 pacientes seriam necessários para fornecer 80% de poder para demonstrar uma diferença absoluta de 20% entre os grupos, com erro alfa 5% e considerando 10% de perdas de seguimento ou dados incompletos.
Pacientes com choque circulatório e hiperlactatemia incluídos entre 2021 e 2023.
Adultos (> 18 anos).
Falência circulatória aguda.
PAS < 90 mmHg ou PAM < 65 mmHg
Necessidade de vasopressores
Mottling
Diurese abaixo de 0,5 ml/kg/h
Lactato acima de 3 mmol/L.
Pacientes sem seguro de saúde.
Pacientes privados de liberdade.
Gestantes.
Suporte mecânico cardiovascular.
Algoritmo de tratamento com índices derivados do O₂ e CO₂.
Primeiro passo: determinava-se a relação Gap de CO₂/Diferença arteriovenosa do conteúdo de oxigênio. Se >1,7 era interpretado como um desequilíbrio entre a produção de CO₂ e o consumo de oxigênio;
Segundo passo: avaliava-se a SvO₂ e o Gap de CO₂:
Se SvO₂ > 70% e Gap de CO₂ < 6 mmHg: hiperlactatemia atribuída a fatores não relacionados à oferta de oxigênio.
Se SvO₂ < 70 % e o Gap de CO₂ > 6 mmHg: hipoperfusão atribuída a débito cardíaco inadequado. Nestes casos a pré-carga foi avaliada com elevação passiva das pernas e/ou teste de desafio hídrico. Para pacientes não dependentes de pré-carga, inotrópicos foram introduzidos.
Se SvO₂ < 70% e o Gap de CO₂ < 6 mmHg, a hipoperfusão foi atribuída à baixa oferta de oxigênio, apesar do débito cardíaco adequado. Hipoxemia e/ou anemia foram corrigidas.
Cuidado usual.
A pré-carga foi avaliada com elevação passiva das pernas ou desafio volêmico e tratada com bolus de Ringer Lactato se necessário. Após otimização da pré-carga, caso necessário, iniciava-se dobutamina para atingir índice cardíaco > 2,5 l/min/m².
A avaliação hemodinâmica era repetida de forma seriada até a normalização do lactato. Os médicos responsáveis pelo cuidado direto poderiam interromper o protocolo em caso de deterioração hemodinâmica progressiva.
Primário: percentual de pacientes com queda de lactato superior a 10% em 2 horas após o início do protocolo.
Secundários: níveis de lactato em 0h, 2h, 12h, 24h e 48h, variação na escala SOFA, tempo de UTI e de hospitalização, mortalidade em 28 dias.
Características dos pacientes:
MasculinoFeminino
179 Participantes | Masculino = 66% e Feminino = 44
Intervenção (N = 89) x Controle (N = 90)
Idade média: 66,7 x 65,8 anos
Sexo masculino: 68,5% x 65,8%
SAPS II médio: 57,4 x 57,8
Etiologia do choque:
Sepse: 44,9% x 43,3%
Cardiogênico: 18% x 22,2%
Hemorrágico: 8,9% x 8,8%
Pós cirúrgico: 28,1% x 25,6%
Lactato arterial, mediana: 4,5 x 4,35 mmol/L
Drogas vasoativas
Noradrenalina: 91% x 91,1%
Adrenalina: 4,4% x 3,3%
Vasopressina: 7,8% x 6,6%
Dobutamina 11,2% x 18,9%
No grupo intervenção 10% dos pacientes tiveram violação de protocolo devido a piora hemodinâmica.
Não houve diferença na redução do lactato em duas horas entre os grupos.
Gráfico
O percentual de pacientes com redução de 10% do lactato em 2 horas foi de 43,8% no grupo intervenção e 50% no grupo controle (P = 0,49).
A variação mediana nos níveis de lactato em 2h foi de -2,7% no grupo intervenção e -10,5% no grupo controle (P = 0,09).
A evolução da escala SOFA foi similar entre os grupos. O tempo de internação no hospital e na UTI não foi diferente entre os grupos (5,0 x 4,5 dias; 10,0 x 11,0 dias, respectivamente).
A mortalidade em 28 dias foi de 44,9% no grupo intervenção e 33,3% no grupo controle (P = 0,15).
O grupo intervenção recebeu mais inotrópicos que o grupo controle (30,1% x 15,1%). A quantidade de fluidos administradas foi similar entre os grupos (43 ml/kg em ambos os grupos).
Em pacientes com choque, o uso de um algoritmo de ressuscitação baseado em índices derivados do O₂ e CO₂ não resultou em redução mais rápida do lactato.
Estudo randomizado e multicêntrico.
Estudo pragmático.
Cálculo amostral bastante otimista, o que provavelmente resultou em uma amostra pequena e pouco poder estatístico para demonstrar diferenças menores entre os desfechos.
O desfecho primário escolhido (redução do lactato, um desfecho substituto) é questionável, uma vez que diversos estudos multicêntricos falharam em demonstrar melhores desfechos com pacotes de cuidados direcionados a reduzir o lactato.
Houve 10% de violações de protocolo, reduzindo a separação fisiológica entre os grupos.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/tratamento-da-falencia-circulatoria-aguda-baseado-em-indices-derivados-do-o2-e-co2
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