Tireoidectomia Sem Radioiodoterapia em Pacientes com Câncer de Tireoide de Baixo Risco
29 de outubro de 2024
6 minutos de leitura
A ausência de administração pós-operatória de radioiodo em pacientes com câncer de tireoide de baixo risco é não inferior ao uso de radioiodoterapia em termos de recorrência após 3 anos?
Durante muitos anos, a radioiodoterapia (RIT) com Iodo-131 foi utilizada após a tireoidectomia em todos os pacientes com câncer de tireoide de baixo risco de recorrência, para ablação de tecido tireoidiano remanescente e tratamento de doença persistente. No entanto, estudos randomizados anteriores demonstraram que, em pacientes de baixo risco, a administração de baixas doses de radioiodo foi não inferior à administração de altas doses no que diz respeito à taxa de recorrência em 5 anos. Além disso, estudos retrospectivos em pacientes de baixo risco também não demonstraram benefícios claros. No entanto, a ausência de estudos prospectivos limitava a qualidade da evidência e sustentava a recomendação de radioiodo para todos os pacientes. Portanto, o estudo ESTIMABL2 buscou avaliar a não inferioridade da estratégia de seguimento em comparação com a administração de radioiodo em pacientes com câncer de tireoide de baixo risco.
Ensaio clínico randomizado de não-inferioridade
Multicêntrico com 35 centros na França
Aberto e sem uso de placebo
Randomização 1:1 com estratificação de acordo com o centro do estudo e o estágio linfonodal (N0 ou Nx)
Cálculo de 750 participantes para um poder amostral de 90% para demonstrar a não inferioridade do grupo que não recebeu RIT, com uma diferença entre os grupos de < 5% após 3 anos
Pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide de baixo risco, incluídos entre 2013 e 2017
Idade ≥ 18 anos
Carcinoma diferenciado de tireoide (papilífero, folicular ou oncocítico)
Tratamento cirúrgico com tireoidectomia total (com ou sem ressecção linfonodal cervical) realizado de 2 a 4 meses antes da inclusão do estudo
Tumor com estadiamento pT1a multifocal (diâmetro de cada lesão ≤ 1 cm e soma dos maiores diâmetros ≤ 2cm) ou pT1b (tumor > 1 cm e ≤ 2 cm)
Sem evidência de envolvimento linfonodal (N0 ou Nx)
Ausência de extensão extratireoidiana
Ultrassonografia cervical pós-operatória (2 a 4 meses), sem anormalidades suspeitas
Subtipos histológicos agressivos: células altas, células claras, colunar, variante esclerosante difusa e carcinoma pouco diferenciado
Tumor com estadiamento pT1a unifocal (para o qual já há consenso de que a ablação não é necessária)
Administração de radioiodoterapia na dose de 30 mCi, após a administração de Thyrogen (TSH recombinante) na dose de 0,9 mg via intramuscular por 2 dias
Seguimento pós-operatório sem ablação com radioiodo
Os pacientes foram seguidos com dosagem de tireoglobulina (Tg) e anticorpos anti-tireoglobulina (anti-Tg) no mês 10 e anualmente a seguir, além de ultrassonografia cervical no mês 10 e 3 anos após a randomização
Realização de SPECT cervical 2 a 5 dias após administração do radioiodo
Primário: percentual de pacientes com eventos de recorrência funcionais, estruturais ou biológicos 3 anos após a randomização
Eventos funcionais: presença de captação em leito tireoidiano em exames de imagem no grupo submetido à RIT, com necessidade de tratamento adicional (como radioiodo ou cirurgia)
Eventos estruturais: anormalidades na ultrassonografia cervical, como linfonodos suspeitos, massas tireoidianas com alterações citológicas ou elevação de Tg no lavado
Eventos biológicos: elevação de Tg (Tg basal > 1 ng/mL se RIT prévio ou > 2 ng/mL no grupo que não fez RIT; ou Tg estimulada > 5 ng/mL), anti-Tg acima do limite da normalidade ou aumento > 50% entre duas medidas
Secundários: qualidade de vida, ansiedade, medo de recorrência e disfunção de glândulas lacrimais e salivares (avaliados por meio de questionários)
MasculinoFeminino
Radioiodo (N = 389) x Sem Radioiodo (N = 387)
Idade média (anos): 52,2 ± 13,4 x 52,6 ± 13,5
Sexo feminino: 82% x 83,5%
Intervalo entre tireoidectomia e randomização (dias): 92,1 x 91,2%
Histologia Papilífero: 95,6% x 96,1%
Maior diâmetro do tumor (mm): 13,4 ± 3,6 x 13,7 ± 3,9
Multifocalidade: 45,8% x 40,3%
Ressecção de linfonodos cervicais: 44% x 44,2%
94,2% dos participantes concluíram o estudo
Após 3 anos, 95,9% dos pacientes no grupo com radioiodoterapia (RIT) e 95,6% no grupo sem RIT não apresentaram recorrência funcional, estrutural ou biológica, demonstrando resultados semelhantes entre os grupos e cumprindo o critério de não inferioridade, com uma diferença de apenas 0,3 pontos percentuais.
Os eventos do desfecho primário ocorreram em 16 pacientes (4,4%) do grupo sem RIT e em 15 pacientes (4,1%) do grupo com RIT. Dentre eles, 8 pacientes apresentaram eventos funcionais ou estruturais, enquanto 23 pacientes apresentaram eventos biológicos (elevação de Tg ou anti-Tg)
Os pacientes de ambos os grupos apresentaram taxas semelhantes de resposta excelente, conforme a definição da ATA (86,8% e 73% no grupo submetido à RIT e 86,3% e 74,1% no grupo sem RIT após 10 meses e 3 anos, respectivamente)
Os pacientes apresentaram resultados semelhantes nos escores de qualidade de vida, ansiedade e receio de recorrência
Os pacientes submetidos à RIT relataram maior desconforto lacrimal no 2º mês após a randomização (18,3% comparado a 12,8%); a frequência de disfunção salivar e lacrimal nos demais tempos foi semelhante entre os grupos
A ausência de administração pós-operatória de radioiodo em pacientes com câncer de tireoide de baixo risco mostrou-se não inferior ao uso de radioiodoterapia em termos de recorrência funcional, estrutural ou biológica após 3 anos.
Estudo multicêntrico com um número adequado de participantes, embora inclua pacientes de apenas um país e não tenha relatado a etnicidade dos participantes, o que pode limitar a validade externa do estudo
Avaliação de múltiplos desfechos clinicamente relevantes, como eventos relacionados à recorrência da doença, escores de qualidade de vida e possíveis efeitos colaterais, oferecendo uma visão abrangente sobre o efeito do tratamento
O estudo apresentou uma alta taxa de conclusão, com 94,2% dos pacientes completando o acompanhamento
Baixa representatividade de pacientes com carcinoma folicular e oncocítico, limitando a generalização dos resultados para esses tipos de tumor
O seguimento foi realizado por 3 anos, um período relativamente curto considerando que a maior parte das recidivas ocorre nos primeiros 5 anos de acompanhamento
Disfunção das glândulas salivares e lacrimais foram auto-relatadas, faltando uma avaliação objetiva, o que poderia fornecer dados mais precisos
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/tireoidectomia-sem-radioiodoterapia-em-pacientes-com-cancer-de-tireoide-de-baixo-risco
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