Ticagrelor Pré-hospitalar em Infarto Agudo do Miocárdio com Elevação do Segmento ST
02 de maio de 2024
7 minutos de leitura
A administração precoce, pré-hospitalar do ticagrelor pode melhorar a reperfusão coronária em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST?
Uma terapia antiplaquetária efetiva, combinando a inibição da agregação plaquetária dependente do tromboxano A2 e dos receptores P2Y12 é necessária em pacientes submetidos à intervenção coronariana percutânea, particularmente aqueles com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). O benefício foi obtido com a administração intra-hospitalar dessas medicações e não é conhecido se administrações mais precoces seriam tão seguras e possivelmente mais efetivas. Vários estudos e metanálises sugeriram que o pré-tratamento com clopidogrel em pacientes com IAMCSST poderia reduzir a taxa de eventos isquêmicos, sem aumentar sangramentos, mas a eficácia da medicação pode ser limitada pelo seu lento início de ação e por sua resposta variável. Em contraste, os novos antagonistas do receptor P2Y12 inibem a função plaquetária em menos de 1 hora, o que é compatível com o tempo de transferência para angioplastia primária. O ticagrelor é um inibidor novo de ação direta do receptor plaquetário P2Y12, com um rápido efeito antiplaquetário. Ele mostrou reduzir as taxas de eventos cardiovasculares maiores entre pacientes com síndromes coronarianas agudas, quando comparado ao clopidogrel e possui o potencial de melhorar a reperfusão coronariana e o prognóstico para pacientes com IAMCSST tratados com angioplastia primária. Dessa maneira, foi realizado o estudo ATLANTIC com o objetivo de avaliar se uma administração precoce e pré-hospitalar de ticagrelor poderia melhorar com segurança a reperfusão coronária em pacientes com IAMCSST transferidos para angioplastia primária
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (112 centros em 13 países)
Duplo cego
Foi calculado que o estudo teria um poder de 80% de detectar uma diferença de 6 pontos percentuais (40% de diferença relativa) entre os dois grupos, na completa resolução do supradesnivelamento do segmento ST, assumindo uma taxa de 15% de resolução completa no grupo controle.
Pacientes com infarto agudo do miocárdio com supra de ST selecionados entre 2011 e 2013
Idade ≥ 18 anos
Sintomas de infarto agudo do miocárdio durando tempo > 30 min, mas < 6 horas
Nova elevação persistente de segmento ST ≥ 1mm em duas ou mais derivações contíguas no ECG
Tempo esperado da angioplastia primária no hospital desde a realização do ECG maior que 120 min
Recusa do paciente
Terapia concomitante oral ou intravenosa com inibidores potentes do citocromo P450 3A que não pudessem ser interrompidos durante o estudo
Contraindicação ao uso do ticagrelor
Pacientes que tenham recebido dose de ataque ou que estivessem em uso crônico de clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor
Uso concomitante de medicações que podem aumentar o risco de sangramento
Cirurgia planejada durante o período do estudo
Qualquer uma das seguintes condições, na ausência de um marcapasso implantado funcionante: doença do nó sinusal, bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º grau, síncope documentada com suspeita de ter sido secundária à bradicardia.
Pacientes dialíticos
Trombocitopenia conhecida e clinicamente importante
Anemia conhecida e clinicamente importante
Gestação conhecida ou lactação
Ticagrelor pré-hospitalar (administrado dentro da ambulância)
Ticagrelor intra-hospitalar (administrado dentro do setor de hemodinâmica)
Os pacientes de ambos os braços do estudo recebiam, além do ticagrelor, aspirina e o tratamento padrão para IAMCSST
Todos os pacientes, subsequentemente, recebiam ticagrelor na dose de 90 mg – duas vezes ao dia por 30 dias, com a recomendação de que o tratamento fosse continuado por um total de 12 meses
O uso, dentro da ambulância, de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa era desencorajado, mas a escolha do uso era deixada a critério do médico que assistia o paciente
O uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, dentro do setor de hemodinâmica e após a angiografia, por sua vez, deveria ser identificado como uma estratégia de escolha ou terapia de resgate durante a angioplastia
O tempo médio desde o surgimento dos sintomas até o diagnóstico de IAMCSST, desde a randomização até a angiografia e entre os grupos de estudo foi de 73, 48 e 31 minutos, respectivamente
Primário: proporção de pacientes que não tiveram resolução ≥ 70% do supradesnivelamento do segmento ST antes da angioplastia
Coprimário: proporção de pacientes que não preencheram critérios para um fluxo TIMI-3, durante a angiografia, na artéria relacionada ao infarto, antes da angioplastia
Secundários: desfecho composto de morte, IAM, trombose de stent, AVC, revascularização urgente em 30 dias, trombose de stent definitiva em 30 dias, terapia de resgate trombótica com inibidor da glicoproteína IIb/IIIa, fluxo TIMI-3 no final do procedimento e completa (≥70%) resolução do supradesnivelamento do segmento ST em 60 minutos após angioplastia.
Desfechos de segurança: sangramento maior, sangramento ameaçador à vida e sangramento menor (exceto sangramento relacionado à cirurgia de revascularização do miocárdio) dentro das primeiras 48h e além de 30 dias do período de tratamento
MasculinoFeminino
Grupo Pré-hospitalar (N=909) x Grupo Intra-hospitalar (N=953):
Idade (anos): 60,6± 12,4 x 61± 12,5
Peso corporal (kg): 80,4±15,9 x 79,7±15,6
IMC≥ 30: 19,5% x 18,7%
Diabetes mellitus: 12,7% x 14,5%
Escore TIMI Risk:
0 -2: 60,7% x 60,1%
3 – 6: 37,1% x 38,3%
Maior que 6: 2,2% x 1,6%
Killip I: 90,1% x 90,5%
Primeiro contato médico:
Na ambulância: 75,8% x 75,9%
No departamento de emergência: 24,2% x 24%
Angiografia coronária: 97,9% x 98,3%
Acesso femoral: 31,5% x 33%
Acesso radial: 67,9% x 66,7%
Tromboaspiração: 51,8% x 49,3%
Angioplastia: 88% x 87,1%
Com stent: 83,6% x 81,4%
Stent farmacológico: 51,4% x 50,3%
Stent não-farmacológico: 33,6% x 32,7%
Sem stent: 4,4% x 5,7%
Cirurgia de revascularização miocárdica: 1,1% x 1,6%
Uso de aspirina:
Nenhum uso: 98,8% x 98,4%
Doses de manutenção: 92,7% x 92,3%
Uso de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa antes da angioplastia: 30,1% x 27,2%
Não houve diferença significativa entre os grupos em termos de proporção de pacientes que não tiveram resolução ≥ 70% do supradesnivelamento do segmento ST antes da angioplastia (OR 0,93; IC95% 0,69 – 1,25; p=0,63)
Não houve diferença significativa em termos de proporção de pacientes que não preencheram critérios para um fluxo TIMI-3 na angiografia inicial (OR 0,97; IC95%, 0,75 – 1,25; p=0,82)
O desfecho primário de resolução do supradesnivelamento do segmento ST foi melhor dentro do grupo intervenção, em pacientes que não receberam morfina (p=0,005 para interação)
A ausência de resolução ≥ 70% do supradesnivelamento do segmento ST em 1 hora após a angioplastia foi reportada em 42,5% dos pacientes no grupo intervenção e em 47,5% dos pacientes no grupo controle (p=0,055)
A ausência de um fluxo TIMI-3 na artéria culpada foi reportada em 17,8% e 19,6% dos pacientes, respectivamente
Não houve diferenças significativas entre os 2 grupos para o desfecho composto de morte, IAM, AVC, revascularização coronária urgente ou trombose de stent.
No entanto, trombose definitiva de stent foi reduzida no grupo intervenção tanto em 24 horas (0 de 906 pacientes [0%] no grupo intervenção versus 8 de 952 pacientes [0,8%] no grupo controle ( P=0,008) quanto em 30 dias (2 de 906 pacientes [0.2%] versus 11 de 952 pacientes [1,2%], p=0,02)
Um total de 30 pacientes (3,3%) no grupo intervenção e 19 pacientes (2%) no grupo controle morreram (p=0,08). As causas mais comuns de óbito foram choque cardiogênico, parada cardíaca, complicações mecânicas pós-infarto e insuficiência cardíaca.
Taxas de sangramento que não foram relacionadas à cirurgia de revascularização do miocárdio foram baixas durante as primeiras 48h após a dose inicial e após as primeiras 48h até 30 dias após procedimento. Tais taxas não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
A administração precoce e pré-hospitalar de ticagrelor em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supra de ST é segura, mas não melhorou reperfusão coronária pré-angioplastia
Estudo multicêntrico, com maior validade externa
Avaliou pacientes em cenário de gravidade elevada (infarto agudo do miocárdio com supra de ST). Dessa forma, seus resultados podem ser aplicados para esse perfil de pacientes
Pacientes estudados também recebiam AAS e terapia padrão para doença isquêmica aguda. Assim, há um menor risco de viés de tratamento
Características eram balanceadas entre os grupos de estudo.
Baixa proporção de pacientes do sexo feminino
O uso da glicoproteína IIb/IIIa dentro da ambulância era desencorajado, mas deixado à critério do médico assistente. Tal escolha entre usar ou não a droga pode ter impactado os resultados do estudo (viés de performance)
O tempo até a angiografia no estudo foi bastante curto (48 minutos), indicando excelente prática médica, mas isso pode ter mascarado o efeito pré-angioplastia do ticagrelor
Autor do conteúdo
Carolina Ferrari
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/ticagrelor-pre-hospitalar-em-infarto-agudo-do-miocardio-com-elevacao-do-segmento-st
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