Terapia Anti-Isquêmica em Pacientes com Doença Microvascular Coronária
20 de agosto de 2024
6 minutos de leitura
Uma terapia antianginosa guiada pela medida da reserva de fluxo coronariano é benéfica em pacientes com angina sem obstrução coronária?
A angina sem obstrução coronária é uma condição clínica muito comum e envolve várias entidades fisiopatológicas distintas. Uma delas seria a doença coronária microvascular, definida como a incapacidade de aumento do fluxo coronariano pela vasculatura coronária, em resposta ao aumento da demanda miocárdica de oxigênio, apesar da ausência de doença arterial coronária epicárdica. Tal condição causa prejuízo importante à qualidade de vida e aumenta o risco de eventos cardiovasculares adversos. Em geral, o diagnóstico da doença coronária microvascular é feito por avaliação invasiva, no laboratório de hemodinâmica, através da medida da reserva de fluxo coronariano (razão entre fluxo máximo de sangue alcançado e o fluxo de repouso). Um valor < 2,5 é associado à perfusão coronariana prejudicada durante o exercício e à isquemia miocárdica em avaliações não-invasivas. No entanto, ainda não é conhecido se a terapia guiada pela estratificação da fisiologia coronariana leva a melhora na capacidade de exercício, que é a referência padrão para avaliar a eficácia das terapias anti-isquêmicas. Dessa forma, foi realizado o ensaio clínico CHAMP-CMD, com o objetivo de avaliar se a medida da reserva de fluxo coronariano permite identificar os pacientes com angina sem obstrução coronária, que se beneficiariam de terapia antianginosa para melhora do tempo de exercício.
Ensaio clínico randomizado
Unicêntrico
Unicego (os pesquisadores tinham conhecimento das medicações utilizadas pelos pacientes)
Estudo com desenho de crossover. Pacientes foram randomizados para receber anlodipina ou ranolazina por 4 semanas, seguidos de um período de washout de 1 semana e cruzamento para o outro medicamento por 4 semanas.
87 pacientes foram divididos em dois grupos: 57 pacientes foram alocados no grupo que possuía reserva de fluxo coronário prejudicada, ou seja, que possuía doença coronária microvascular (grupo 1) e 30 pacientes possuíam reserva de fluxo coronariano normal (grupo 2).
Pacientes com angina e sem doença coronária obstrutiva, incluídos entre 2020 e 2023
Pacientes com sintomas anginosos (sensação de aperto no peito por esforço previsível)
Fração de ejeção preservada (> 50%)
Artérias coronárias sem obstrução (reserva de fluxo fracionado – FFR >0,8)
Intolerância à adenosina
Doença renal crônica avançada (taxa de filtração glomerular < 30 ml/min/m²)
Doença valvar cardíaca significativa
História de síndrome coronariana aguda, revascularização miocárdica prévia, cardiomiopatias, dor torácica atípica/não cardíaca, baixa carga de sintomas.
Angina vasoespástica confirmada (necessitando de antagonistas do canal de cálcio)
Incapacidade de exercício por causas não cardíacas
Contraindicações conhecidas à ranolazina ou anlodipina
Pacientes que não possuem capacidade de realizar exercício em esteira ou que pudessem se exercitar por mais de 540 segundos na ausência de qualquer sintoma cardíaco revelado no teste de avaliação inicial.
Anlodipina ou ranolazina, com aumento gradual das doses durante o período de 4 semanas, seguido por cruzamento para o outro medicamento. Grupo 1 de pacientes com doença coronária microvascular e reserva de fluxo coronariano prejudicada. Grupo 2 de pacientes com reserva de fluxo coronariano normal
Os pacientes serviram como seu próprio controle, cruzando entre anlodipina e ranolazina após um período de depuração.
As doses iniciais eram: anlodipina 5mg/dia ou ranolazina 375mg – 2 vezes/dia, com o aumento de anlodipina para 10mg/dia e ranolazina 500mg ou 750mg – 2 vezes/dia após 1 a 2 semanas.
Em cada visita, os participantes também preenchiam o Seattle Angina Questionnaire (SAQ), que é uma ferramenta validada para avaliação de qualidade de vida relacionada à angina. O SAQ leva em consideração 5 componentes: limitação física nomeada, estabilidade da angina, frequência da angina, satisfação com o tratamento e qualidade de vida.
Durante o estudo, os pacientes eram estimulados a manter todas as suas medicações de uso contínuo.
Primário: mudança no tempo de exercício em resposta à terapia anti-isquêmica
Secundários: mudança no escore SAQ em resposta à terapia anti-isquêmica
MasculinoFeminino
Grupo 1 (N=57) x Grupo 2 (N=30):
Idade (anos): 62± 8 x 60± 7
IMC: 28 (25-32) x 31 (26- 34)
Hipertensão: 58% x 30%
Diabetes: 26% x 10%
Tabagismo: 16% x 23%
Angina CCS II: 37% x 43%
Angina CCS III: 49% x 43%
Uso de agentes antiplaquetários: 58% x 47%
Uso de estatinas: 79% x 70%
Uso de betabloqueadores: 23% x 23%
Uso de nitratos: 18% x 20%
Lesão coronária < 30%: 81% x 87%
FFR: 0,92±0,04 x 0,91±0,04
Pacientes do grupo 1 (possuíam doença coronária microvascular) apresentaram maior incremento no tempo de exercício quando comparado ao grupo referência com a anlodipina (diferença média in delta, 82s [95% IC, 37 – 126s], p < 0,001) e com ranolazina (diferença média in delta, 68s [95% IC, 21- 115s], p= 0,005].
Em pacientes com reserva de fluxo coronariano normal, não houve mudança no tempo de exercício (comparado com a avaliação inicial) em resposta a nenhum agente anti-isquêmico: anlodipina (diferença média 9s [95% IC -20 a 38s], p =0,526) e ranolazina (diferença média 11s [95% IC – 20 a 42s], p =0,469)
O ganho no tempo de exercício observado no grupo 1 foi perdido após a interrupção de cada medicação anti-isquêmica. No grupo 2 (que não possuía doença microvascular), o tempo de exercício permaneceu inalterado após a interrupção das medicações.
O grau de mudança no escore de qualidade de vida em resposta à anlodipina foi similar em ambos os grupos (diferença média in delta 2 pontos [95% IC – 5 a 8]; p=0,549). Mas houve um maior incremento no escore com ranolazina no grupo 1, quando comparado ao grupo 2 (diferença média in delta 7 pontos [95% IC, 0 – 15]; p=0,048).
Pacientes alocados na sequência ranolazina-anlodipina (40) tiveram uma mudança similar no tempo de exercício quando comparados àqueles alocados na sequência anlodipina-ranolazina (47), em resposta à anlodipina (diferença média in delta 29s [95% IC – 19 a 76s], p =0,232) e ranolazina (diferença média in delta 4 s [95% IC, - 44 a 51s], p = 0,877).
Entre pacientes fenotipicamente semelhantes com angina e artérias coronárias não obstrutivas, apenas aqueles com reserva de fluxo coronariano diminuída se beneficiaram da terapia anti-isquêmica.
Avaliou uma população pouco estudada e que representa um desafio diagnóstico na prática clínica: pacientes com angina e coronárias normais.
Utilizou uma ferramenta objetiva – a reserva de fluxo coronariano – para avaliar a presença de doença microvascular, evitando embasamento exclusivo nas queixas dos pacientes e, assim, minimizando o viés de seleção.
Empregou duas drogas antianginosas validadas e seguras para o tratamento de pacientes com doença coronariana, garantindo a eficácia e segurança do tratamento.
Houve orientação para a manutenção das medicações de uso contínuo dos pacientes, e a terapia para outras comorbidades, como hipertensão e diabetes, foi mantida, evitando, dessa forma, viés de tratamento.
Baixo número amostral
Unicêntrico
Foram estudados apenas dois antianginosos (ranolazina e anlodipina). Não podemos aplicar seus resultados a outras medicações antianginosas.
Não foram avaliados pacientes com angina sem obstrução coronária e baixa carga de sintomas. Dessa forma, os achados também não podem ser aplicados para este perfil de pacientes.
Havia proporção maior de pacientes hipertensos e diabéticos no grupo 1 (que apresentava doença microvascular). Esse desequilíbrio na proporção de comorbidades entre os grupos pode ter superestimado os achados.
Autor do conteúdo
Carolina Ferrari
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/terapia-anti-isquemica-em-pacientes-com-doenca-microvascular-coronaria
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