Suplementação de Potássio para Prevenção de Fibrilação Atrial Após Cirurgia Cardíaca
19 de dezembro de 2024
5 minutos de leitura
Uma estratégia de suplementação de potássio visando níveis séricos no limite superior da normalidade reduz o risco de arritmia no pós-operatório de cirurgia cardíaca?
Todos os anos são realizadas cerca de 1,5 milhões de cirurgias cardíacas no mundo, sendo a cirurgia de revascularização do miocárdio o procedimento mais comum. A fibrilação atrial é uma complicação frequente nesse cenário, ocorrendo em até 30% dos pacientes submetidos à revascularização, especialmente nos primeiros 5 dias após o procedimento. A hipocalemia é um distúrbio hidroeletrolítico comum e que é associado a risco aumentado de arritmias. Muitos centros no mundo optam por manter níveis séricos mais elevados de potássio (> 4,5 mEq/L), buscando prevenir a ocorrência de fibrilação atrial, contudo esta prática carece de evidências robustas. Diante desta lacuna na literatura foi realizado este estudo para avaliar o impacto da suplementação de potássio buscando níveis séricos no limite superior da normalidade (acima de 4,5 mEq/L, ou controle estrito) em comparação ao controle mais relaxado (reposição apenas com K < 3,6 mEq/L)
Ensaio clínico randomizado de não inferioridade
Multicêntrico (23 centros especializados em cirurgia cardíaca no Reino Unido e Alemanha)
Estudo não cego
Foi calculado que 1684 pacientes seriam necessários para ter 90% de poder para demonstrar uma margem de não inferioridade de 10% (limite superior do intervalo de confiança não excedendo 10%), com erro alfa unicaudal de 2,5%, considerando uma incidência de 35% na ocorrência de arritmias e uma taxa de 10% de perdas de seguimento.
Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio incluídos entre 2020 e 2023
Idade ≥ 18 anos
Submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio isolada (sem procedimentos outros procedimentos cardíacos ou vasculares na mesma internação)
Estar em ritmo sinusal
História de fibrilação atrial, flutter ou outras arritmias supraventriculares
Bloqueio atrioventricular de 2º grau (Mobitz 2) ou maior
Uso prévio de medicamentos para controle de ritmo cardíaco
Hipercalemia com potássio acima de 5,5 mEq/L
Falência renal com dependência de diálise
Reposição relaxada de potássio (reposição apenas com níveis abaixo de 3,6 mEq/L)
Reposição rígida de potássio (visando níveis de potásio acima de 4,5 mEq/L)
A intervenção era iniciada no pós-operatório imediato e mantida até 120 horas, alta ou ocorrência de fibrilação atrial
A escolha quanto a forma de monitorização e reposição de potássio seguia a prática usual de cada unidade
Visando a detecção de arritmias, os pacientes permaneciam monitorados com cardioscopia nos primeiros 5 dias após a cirurgia com um monitor ambulatorial de arritmia
Os demais cuidados seguiam a rotina de cada unidade
Primário: ocorrência de fibrilação atrial, flutter ou taquiarritmias com duração de pelo menos 30 segundos e detectada clinicamente e por ECG, nos primeiros 5 dias após a cirurgia.
Secundários: ocorrência de taquiarritmias detectadas somente pela monitorização (sem repercussão clínica), ocorrência de outros tipos de arritmia, mortalidade hospitalar, tempo de permanência na UTI e no hospital e o custo associado à reposição de potássio.
Desfechos exploratórios: duração média dos episódios de taquiarritmias (em proporção ao número de horas monitoradas) e número mediano de episódios de arritmia detectados)
MasculinoFeminino
As características dos grupos no momento da randomização são apresentadas abaixo
Reposição relaxada (N=830) x Reposição rígida (N=837)
Idade: 64,6 x 64,7 anos
Sexo masculino: 83% x 86,3%
EuroSCORE II: 1,5 x 1,6
Diabetes: 35,3% x 36,1%
Medicações:
Betabloqueador: 78,5% x 76,5%
IECA ou BRA: 63,4% x 59,9%
Estatinas: 90,5% x 90,6%
Uso de CEC: 86,9% x 84,6%
Nível de potássio: 5,0 x 5,0 mEqL
Ao longo de todo o período do estudo os níveis de potássio foram maiores no grupo controle em relação ao grupo intervenção.
Os pacientes randomizados para a reposição rígida receberam 7 vezes mais reposições de potássio em relação ao outro grupo
Uma reposição mais relaxada do potássio foi boa o suficiente quando comparada a uma reposição mais rígida
A incidência de arritmias foi de 26,2% no grupo reposição rígida de potássio e 27,8% no grupo reposição relaxada (diferença de 1,7%, IC 95% entre -2,6% a 5,9%, P = 0,44). O intervalo de confiança não ultrapassou a margem de 10%, logo a intervenção (reposição relaxada) foi não inferior ao controle (reposição rígida).
A mortalidade foi baixa e similar nos dois grupos
O tempo mediano de internação na UTI foi de 2 dias e de internação no hospital foi de 6 dias em ambos os grupos
O custo com a reposição de potássio foi maior no grupo controle, com uma diferença média de 111 dólares por paciente.
Os demais desfechos secundários e exploratórios foram similares entre os grupos.
A suplementação de potássio apenas com nível sérico abaixo de 3,6 mEq/L foi não inferior à reposição visando manter níveis acima de 4,5 mEq/L em pacientes no pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio.
Estudo pragmático
Estudo randomizado e multicêntrico
Características basais bem balanceadas, o que é importante em um estudo não cego, pois reduz o risco de que os resultados sejam decorrentes viés de performance ( ambos os grupos receberam terapias auxiliares semelhantes)
Monitor ambulatorial de arritmia reduz o risco de viés de observação ( não identificar o desfecho)
Estudo não cego, o que pode ter introduzido viés de performance e observação ( ainda que tenham sido tentadas estratégias para minimizar esses riscos)
Apesar de ter ocorrido separação fisiológica entre os grupos, os níveis de potássio médio de ambos os grupos ficaram acima de 4 mEq/L e a diferença média entre os grupos foi pequena (apesar de estatisticamente significativa).
A aderência ao protocolo não foi de 100%, sendo que houve alguns desvios de protocolo, principalmente no grupo controle (que deixou de receber reposição em diversas ocasiões).
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/suplementacao-de-potassio-para-prevencao-de-fibrilacao-atrial-apos-cirurgia-cardiaca
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