Solução Cristaloide Balanceada vs Salina em Transplante renal de Doador Falecido
13 de junho de 2024
8 minutos de leitura
O uso de solução cristaloide balanceada em pacientes submetidos a transplante renal de doador falecido reduz a incidência de funcionamento tardio do enxerto?
Pacientes submetidos a transplante renal de doador falecido tem um risco maior elevado de desenvolver funcionamento tardio do enxerto. Essa complicação é definida como necessidade de tratamento dialítico dentro da primeira semana após o transplante renal devido a mal funcionamento do enxerto. A disfunção do enxerto é consequência de lesão de isquemia-reperfusão do rim transplantado, e sua incidência pode chegar atingir 50% ou mais dos receptores. Estudos observacionais têm sugerido que soluções balanceadas estão associadas a um menor risco de disfunção tardia do enxerto e ensaios clínicos randomizados existentes são escassos, pequenos e unicêntricos. A solução salina fisiológica é o cristaloide mais utilizado, entretanto ela contem uma quantidade supra fisiológica de cloro, podendo levar a acidose hiperclorêmica. A hipercloremia, por sua vez, pode levar a redução da perfusão renal e, consequentemente, lesão renal aguda. Já as soluções balanceadas tem concentrações de cloro mais próximas às concentrações fisiológicas, entretanto contém potássio, o que poderia exacerbar hipercalemia, contribuindo para arritmias cardíacas e necessidade de terapia renal substitutiva. Neste cenário, o estudo BEST-Fluid foi realizado com o intuito de avaliar a incidência de funcionamento tardio do enxerto em pacientes transplantados renais de doador falecido com o uso de solução cristaloide balanceada e solução fisiológica
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico, envolvendo 16 hospitais na Australia e Nova Zelandia
Duplo cego
Foi estimado uma amostra de 722 pacientes para um poder estatístico de 80% e um alfa de 0,05 para detectar uma diferença absoluta de 10% na incidência do desfecho primário, considerando uma incidência no grupo controle de 41%. A amostra foi aumentada para 800 participantes considerando uma taxa de atrito de 5%
Adultos e crianças com disfunção renal admitidos no hospital para transplante renal de doador falecido entre 2018 e 2020
Adultos ou crianças de qualquer idade com disfunção renal por qualquer causa
Diálise OU
Doença renal crônica com taxa de filtração glomerular estimada < 15 mL/min/1,73m² (conforme CKD-EPI para adultos ou equação de Schwartz para crianças)
Internação para transplante de rim de doador falecido previsto para ocorrer nas próximas 24 horas
Transplante de rim planejado de doador vivo
Transplante de múltiplos órgãos
Crianças com menos de 20 Kg ou consideradas pelo médico como muito pequenos para estudo cego de fluidos
Hipersensibilidade conhecida às preparações de fluidos do estudo ou à embalagem
Solução balanceada (Plasma-Lyte 148)
Solução salina (Cloreto de sódio 0,9%)
O volume e a taxa de administração dos fluidos, bem como as decisões para cessar a administração, foram determinados pelos médicos responsáveis pelo tratamento
Os pacientes, após a randomização, receberam o fluido designado do estudo tanto para expansão volêmica, manutenção e reposição durante a cirurgia até 48h após o transplante ou até a cessação dos fluidos intravenosos, o que ocorresse primeiro
Primário: incidência de funcionamento tardio do enxerto
Definida como a necessidade de qualquer tratamento dialítico de qualquer forma ocorrido nos primeiros 7 dias após o transplante. Pacientes que faleceram nos primeiros 7 dias foram considerados como tendo funcionamento tardio do enxerto.
O desfecho primário original foi trocado durante o andamento do estudo
Secundários: número de diálises necessárias em 28 dias, duração de diálise em 12 semanas, desfecho composto por duração da função atrasada do enxerto e redução de creatinina sérica no segundo dia, redução da creatinina no segundo dia, hipercalemia pós transplante e pico de potássio sérico, sobrecarga volêmica, débito urinário no segundo dia, uso de vasopressores e inotrópicos durante e após cirurgia, mortalidade, função do enxerto estimada pela taxa de filtração glomerular e duração da hospitalização
MasculinoFeminino
Solução balanceada (N=404) x Salina fisiológica (N=404)
Idade em anos: 55 (45-62) x 54 (43-63)
Idade < 16 anos: 1% x 1%
Causa da doença renal
Nefropatia diabética: 20% x 23%
Nefropatia hipertensiva: 9% x 9%
Glomerulonefrites: 38% x 41%
Doença renal policística: 14% x 13%
Nefropatia por refluxo: 6% x 5%
Outras causas: 13% x 9%
Modalidade de diálise antes do transplante
Hemodiálise: 66% x 71%
Peritoneal: 32% x 28%
Sem diálise: 2% x 2%
Tempo de duração de diálise antes do transplante – meses: 30 (16-52) x 31 (17-55)
Tempo de isquemia total – h: 10 (7-13) x 10 (7-14)
Doador previamente hipertenso: 22% x 21%
Creatinina sérica do doador – μmol/L 68 (54-91) x 69,5 (57-89,5)
KDRI score: 1,26 (0,99 – 1,61) x 1,23 (1,0 – 1,6)
Primeiro tercil: 34% x 35%
Segundo tercil: 36% x 36%
Terceiro tercil: 30% x 29%
Houve uma menor incidência de funcionamento tardio do enxerto no grupo Solução balanceada em comparação ao grupo salina, ocorrendo 30% vs. 40%, respectivamente (RR 0,74; IC95% 0,66 a 0,94)
Não houve diferença no número de sessões de diálise em até 28 dias entre os grupos, sendo de 3,4 vs. 3,2 (RR 0,95; IC95% 0,64 a 1,43)
Não houve diferença na duração de tratamento dialítico em 12 semanas entre os grupos: 6 x 7 dias (HR 0,95; IC95% 0,72 a 1,26)
Não houve diferença na razão de redução da creatinina em 48h entre os grupos: 24% x 27% (MD -1,8; IC 95% -6,8 a 3,2)
Não houve diferença na incidência de hipercalemia (definida por qualquer potássio ≥ 5,5 mmol/L) em 48h entre os grupos: 56% x 57% (RR 1,0; IC95% 0,9 a 1,11
Não houve diferença na concentração pico de potássio entre os grupos: 5,7 x 5,6; MD 0,02; IC95% -0,89 a 1,03)
Não houve diferença na incidência de sobrecarga volêmica em 48h entre os grupos: 41% x 42% (RR 0,96; IC95% 0,83 a 1,11)
Houve maior débito urinário em 48h no grupo solução balanceada em comparação ao grupo salina fisiológica, sendo de 6011 vs 4948ml, respectivamente; (MD 1022; IC 95% 459 a 6324)
Não houve diferença na mortalidade em 52 semanas, sendo de 2% em ambos os grupos (HR 1,06; IC95% 0,39 a 2,85)
Não houve diferença na incidência de falha de enxerto em 52 semanas: 4% x 5% (HR 0,91; IC 95% 0,55 a 1,49)
Pacientes do grupo solução balanceada tiveram um valor médio de cloro e sódio menor do que o grupo salina fisiológica
Pacientes do grupo solução balanceada tiveram um valor médio de bicarbonato sérico maior em comparação ao grupo salina fisiológica
Não houve diferença na incidência de eventos adversos graves entre os grupos
Não houve diferença na incidência de arritmias, isquemia cardíaca e outros eventos cardiovasculares entre os grupos
Houve menos admissões em UTI com necessidade de ventilação mecânica no grupo solução balanceada em comparação ao grupo salina fisiológica. <1% x 3% (DR -2,7%; IC95% -4,4 a -1,0)
O uso de soluções balanceadas em pacientes com transplante renal de doador falecido reduz a incidência de funcionamento atrasado do enxerto em comparação ao uso de salina fisiológica
Estudo clínico multicêntrico e pragmático, aumentando a validade externa dos dados
Desfecho primário clinicamente relevante
Protocolo bem delimitado e de fácil execução
O desfecho primário do estudo foi alterado após o início de recrutamento por ser considerado um desfecho de difícil interpretação e aplicabilidade clínica. Isso pode significar um mal planejamento do estudo, e a alteração do desfecho primário após o início do estudo pode aumentar a chance de viés de desfecho
O estudo não coletou dados de variáveis hemodinâmicas, débito urinário, doses de drogas no intraoperatório ou tempo de anastomose
Não há dados relativo ao motivo de internação em UTI, o que não permite estabelecer se a diferença foi devido a sobrecarga de fluidos ou outros motivos
O estudo incluiu tanto pacientes adultos como pediátricos. É possível que haja diferenças fisiológicas entre pacientes pediátricos e idosos com capacidade de interferir no resultado do estudo e ser um fator confundidor
A proporção de pacientes pediátricos no estudo (< 16 anos) é muito pequena, não sendo muito representativa como um todo. Assim é possível que os resultados desse estudo não sejam aplicáveis à população pediátrica
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/solucao-cristaloide-balanceada-vs-salina-em-transplante-renal-de-doador-falecido
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