Risankizumabe vs Ustekinumabe para Doença de Crohn Moderada a Grave
01 de outubro de 2024
9 minutos de leitura
Qual a eficácia do Risankizumabe em comparação com o Ustekinumabe em relação à remissão clínica e endoscópica em pacientes com Doença de Crohn moderada a grave?
A doença de Crohn (DC) é uma condição caracterizada por inflamação intestinal transmural que pode acometer qualquer porção do trato gastrointestinal. A primeira linha de tratamento avançado em pacientes com DC moderada a grave corresponde aos inibidores do fator de necrose tumoral (anti-TNF). Quando estas medicações falham ou apresentam efeitos adversos inaceitáveis, uma troca para medicações com outros mecanismos de ação se faz necessária. Pela falta de estudos “head to head”, a escolha do próximo tratamento é baseada em estudos observacionais e dados indiretos. Um estudo recente (SEAVUE trial), comparou a eficácia do Adalimumabe (anti-TNF) com a do Ustekinumabe (UTK), um anticorpo monoclonal humanizado contra a subunidade p40 presente nas interleucinas 23 (IL-23) e 12 (IL-12). Este ensaio clínico não mostrou diferenças entre o Adalimumabe e o UTK nos desfechos primários estudados em pacientes com DC moderada a grave. O Risankizumabe (RSK) é um anticorpo monoclonal humanizado contra a subunidade p19 da IL-23. Estudos em Psoríase têm mostrado superioridade do RSK em relação ao UTK. Nesse sentido, o presente estudo comparou a eficácia e segurança do RSK versus UTK na DC, avaliando parâmetros clínicos e endoscópicos.
Multicêntrico (187 sites em 28 países)
Aberto, com avaliadores das endoscopias cegados para os grupos de estudo
Um desmame total obrigatório de glicocorticoides foi iniciado na semana 2 de acordo a um protocolo pré-especificado
A randomização foi estratificada de acordo ao número de Anti-TNF prévios com falha (1 ou >1), e ao uso de glicocorticoides de base (sim ou não)
Assumindo uma taxa de remissão de 45% segundo o CDAI para o grupo RSK e de 29% para o grupo UTK na semana 24, um tamanho de amostra de 129 pacientes por grupo, proporcionaria um 95% de poder para determinar não-inferioridade baseado numa margem de 10%, com significância bicaudal de 0,05. Assumindo uma taxa de remissão endoscópica de 27% no grupo RSZ e de 11% no grupo UTK na semana 48, um tamanho de amostra de 254 pacientes por braço atingiria um poder de 95% para detectar uma diferença de pelo menos 16% entre RSK e UTK, com uma significância bicaudal de 0,05
Pacientes com diagnóstico de doença de Crohn moderada a grave com falha prévia a pelo menos um anti-TNF recrutados entre 2020 e 2023
Diagnóstico com biópsia pelo menos 3 meses antes do recrutamento.
Critério laboratorial:
ALT e AST ≤2x LSN
TFG >30 mL/min/1,73m2 (pelo MDRD)
Bilirrubina total <2 mg/dL
Plaquetas > 100.000/μL; Hemoglobina ≥8 g/dL
Leucócitos 3 x 109/L
Falha (ineficácia ou intolerância) com pelo menos um anti-TNF.
Doença moderada a grave, preenchendo os seguintes critérios:
Escore CDAI* basal de 220-450
Evidência endoscópica de inflamação mucosa pelo SES-CD* (≥6 ileocólica ou colônica ou ≥4 para doença ileal isolada)
Média de 4 ou mais evacuações diárias muito amolecidas/líquidas ou dor abdominal diária com média de pontuação de 2 (escala 0-3) no baseline
*CDAI: Índice de Atividade da Doença de Crohn. Escala que consiste em 8 fatores, com uma pontuação que vai de 0 a 600 pontos, com maiores pontuações indicando maior atividade da doença.
*SES-CD: Escore Endoscópico Simples para Doença de Crohn. Escala endoscópica que vai de 0 a 56 pontos, com maiores pontuações indicando doença mais grave. Esta escala avalia 5 segmentos intestinais analisando 4 variáveis endoscópicas (presença de úlcera, extensão da superfície ulcerada, extensão da superfície afetada e estenose) com notas de 0-3 para cada uma.
As seguintes medicações deviam ser descontinuadas:
Antimicrobianos endovenosos, orais ou intramusculares, nutrição enteral ou parenteral exclusiva, ciclosporina, tacrolimus, micofenolato mofetil, transplante microbiano fecal, cannabis.
As doses das seguintes medicações deviam ficar estáveis:
Antibióticos utilizados para DC, aminossalicilatos orais,
Imunomoduladores como azatioprina, 6-mercaptopurina, metotrexato iniciados ≥42 dias do início do estudo, ficando estáveis por ≥35 dias.
● Exposição prévia a outro biológico ou pequena molécula que não anti-TNF
Diagnóstico de colite ulcerativa ou colite indeterminada
Complicações atuais da DC como: abscesso, estenose sintomática, ausência de >2 segmentos intestinais, colite fulminante, megacólon tóxico, necessidade de cirurgia, ostomia ou bolsa ileal, síndrome de intestino curto
Ressecção intestinal nos últimos 3 meses antes do recrutamento
Doença renal, hepática, hematológica ou endócrina grave, progressiva ou descontrolada, ou outras condições clínicas a critério do investigador
Lesões displásicas do trato gastrointestinal, história de malignidade incluindo doença linfoproliferativa (exceto câncer de pele não melanoma ou carcinoma in situ de útero)
Uso de infliximabe, certolizumabe pegol e/ou adalimumabe, incluindo biossimilares dentro de 8 semanas da inscrição. Uso anterior de RSK ou UTK
Uso de corticoides em doses de prednisona > 20 mg/dia, budesonida >9 mg/dia, beclometasona >5 mg/dia.
Transplantados
Infecção ativa, crônica ou recorrente, infecção por Clostridium difficile ou outro patógeno intestinal no screening, hepatite B ou C aguda, HIV positivo, tuberculose ativa, infecção ativa por SARS-CoV-2.
História de abuso de álcool ou drogas nos últimos 6 meses
Alergia às medicações estudadas
Gravidez, aleitamento materno
Vacinas de agentes vivos ou atenuados dentro de 4 semanas da primeira dose da droga do estudo.
Risankizumabe
Indução com 600 mg por via endovenosa na semana 0, 4 e 8, seguido de manutenção com 360 mg por via subcutânea a cada 8 semanas, iniciando na semana 12 até a semana 48
Ustekinumabe
Indução na semana 0 com dose única de acordo ao peso (≤55 kg 260 mg, >55 a 85 kg 390 mg, >85 kg 520 mg), seguido de manutenção com 90 mg por via subcutânea a cada 8 semanas, iniciando na semana 8 até a semana 48
Primários: dois desfechos primários avaliados sequencialmente: não inferioridade do RSK ao UTK em relação a remissão clínica na semana 24; E superioridade em relação a remissão endoscópica na semana 48
Remissão clínica definida como uma pontuação <150 no CDAI.
Remissão endoscópica definida como uma pontuação ≤4, com diminuição ≥2 pontos do basal e sem pontuação >1 nas variáveis individuais SESCD.
Secundários: os desfechos secundários foram avaliados hierarquicamente para superioridade do RSK ao UTK em todos os pacientes; remissão clínica na semana 48, resposta endoscópica na semana 48, resposta endoscópica na semana 24, remissão endoscópica livre de glicocorticoides na semana 48 e remissão clínica livre de corticoides na semana 48.
A segurança foi avaliada em todos os pacientes randomizados e que receberam pelo menos uma dose de RSK ou UTK.
MasculinoFeminino
7 pacientes excluídos do grupo RSK por dose incorreta
RSK (N=255) x UTK (N=265)
Idade média (anos) 38 (±13,1) x 38,3 (±13,8)
Raça
Branca 195 (76,5%) x 188 (70,9%)
Asiática 47 (18,4%) x 58 (21,9%)
Negra ou Afro-americana 7 (2,7%) x 10 (3,8%)
Índice de massa corpórea (IMC): 23,8±5,5 x 24,8±6
Localização da doença:
Ileal isolada: 42 (16,5%) x 45 (17%)
Colônica isolada: 102 (40%) x 106 (40%)
Ileocólica: 111 (43,5%) x 114 (43%)
Mediana de CDAI: 306 (265,9-344,8) x 307,8 (260,8-347,9)
Mediana de duração da doença (anos): 7,3 (0,3-40,6) x 7,3 (0,3-51,9)
Mediana de pontuação de dor abdominal: 2 (1,7-2,1) x 2 (1,6-2,3)
Mediana de frequência de evacuações: 5 (4-7,1) x 5,4 (4,1-6,9)
Mediana de SES-CD: 12 (8-18) x 12 (8-19)
Mediana de Proteína C Reativa em mg/L: 8,2 (0,2-287,1) x 9,4 (0,2-196,6)
Mediana de calprotectina fecal em μg/g: 1030 (30-26.823) x 1515 (30-26.361)
Uso de glicocorticoides: 58 (22,7%) x 71 (26,8%)
Uso de imunomoduladores: 34 (13,3%) x 47 (17,7%)
Número de Anti-TNF com falha prévia:
1: 196 (76,9%) x 204 (77%)
>1: 59 (23,1%) x 61 (23%)
Ambos os desfechos primários pré especificados foram atingidos
O RSK foi não inferior ao UTK com respeito a remissão clínica na semana 24 (58,6% [75 de 128 pacientes] vs 39,5% [54 de 137 pacientes; diferença ajustada de 18,4% [IC 95% 6,6 a 30,3])
O RSK foi superior ao UTK com respeito a remissão endoscópica na semana 48 (31,8% [81 de 255 pacientes] vs 16,2% [43 de 265 pacientes]; diferença ajustada de 15,6% [IC 95% 8,4 a 22,9] P<0,001).
Análises de sensibilidade e de subgrupos demonstraram concordância em relação aos desfechos primários.
RSK foi superior ao UTK em todos os desfechos secundários, incluindo remissão clínica na semana 48, resposta endoscópica na semana 24 e 48, remissão endoscópica livre de corticoides e remissão clínica livre de corticoides na semana 48 (P<0,001 para todos os desfechos).
O RSK também foi superior ao UTK em outros desfechos exploratórios, não ajustados para múltiplas análises como resposta clínica pelo CDAI, remissão clínica avaliada segundo dor abdominal e evacuações, remissão biológica, cicatrização da mucosa, remissão profunda, melhora de qualidade de vida relacionada à saúde, hospitalização associada à DC e hospitalização por qualquer causa.
Uma maior porcentagem no grupo RSK completou o estudo quando comparado com UTK (90,2% [230 de 255} vs. 72,8% [193 de 265]). A principal causa de descontinuação no grupo RSK foram efeitos adversos (3,1% [8 de 255]), e no grupo UTK foi a falta de eficácia (13,2% [35 de 265 pacientes]).
A porcentagem de pacientes que apresentou qualquer efeito adverso, ou efeito adverso relacionado a descontinuação da medicação foi similar nos dois grupos.
A porcentagem de pacientes com efeitos adversos graves foi inferior no grupo RSK em relação ao grupo UTK (10,3% vs 17,4%).
A porcentagem de pacientes com infecções sérias foi similar nos dois grupos, assim como a frequência de alterações hepáticas.
Um caso de carcinoma de células escamosas foi reportado no grupo RSK e um caso de carcinoma de células escamosas do canal anal no grupo UTK.
Nenhum episódio de reação anafilática, hipersensibilidade grave, tuberculose ativa ou morte foi reportado no estudo.
Em pacientes com Doença de Crohn moderada a grave que apresentaram resposta inadequada ou efeitos adversos intoleráveis aos Anti-TNF, Risankizumabe foi não inferior ao Ustekimumabe em relação a remissão clínica na semana 24 e foi superior em relação a remissão endoscópica na semana 48.
Randomizado, o que equilibra as características entre os grupos comparados.
Endoscopistas foram cegados para o grupo de estudo, o que aumenta confiabilidade na avaliação deste desfecho objetivo.
Multicêntrico, o que aumenta a generalizabilidade dos resultados.
Desmame total de corticoides, o que elimina a possibilidade do desfecho de não inferior ser influenciado por este fator.
Autor do conteúdo
CARLOS ECHAURI
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/risankizumabe-vs-ustekinumabe-para-doenca-de-crohn-moderada-a-grave
Compartilhe
Copyright © 2024 Portal de Conteúdos MEDCode. Todos os direitos reservados.