Prevenção de Febre em Pacientes com Acidente Vascular Cerebral Agudo.
18 de fevereiro de 2025
7 minutos de leitura
O uso de dispositivo automatizado de controle de temperatura superficial reduz a carga diária de febre em pacientes com AVC agudo?
Pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) frequentemente apresentam febre, condição essa associada a lesão cerebral e pior prognóstico. A febre causa aumento de neurotransmissores excitatórios e de radicais livres de oxigênio que podem causar lesões cerebrais secundárias, com impacto negativo na morbimortalidade dos pacientes. Estima-se que cada 1°C de aumento de temperatura pode piorar o desfecho em cerca de 2,2 vezes. Estudos prévios que avaliaram o tratamento da febre não demonstraram benefícios com essa prática, mas muitos estudos focaram na indução de hipotermia ao invés de medidas para prevenir a febre. As principais diretrizes sobre AVC recomendam a prevenção e tratamento da febre. No entanto, não se sabe se essa medida pode realmente melhorar os desfechos clínicos dos pacientes. Assim, o estudo INTREPID foi realizado com o intuito de avaliar a estratégia de prevenção de febre em pacientes com AVC agudo internados em UTI.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico, internacional, envolvendo 43 centros nos Estados Unidos, Suíça, Reino Unido, Países Baixos, Alemanha, Áustria e Coreia do sul
Randomização na proporção de 1:1 e estratificado de acordo com subtipo de AVC, centro, idade e gravidade do AVC
A amostra foi calculada com base na incidência de incapacidade (mRS 0 a 3) em 90 dias assumindo uma taxa de bons resultados com prevenção de febre de 50% no gruo intervenção e 40% no grupo padrão.Foi estimada uma amostra de 500 pacientes em cada grupo para um poder estatístico de 88% e um alfa de 0,05. Levando em consideração uma taxa de atrito de 15%, a amostra foi aumentada para 588 pacientes em cada grupo.
Pacientes com AVC internados em UTI entre 2017 e 2021
Idade ≥ 21 anos e ≤ 80 anos
Pacientes com diagnóstico primário de AVCi, AVCh ou HSA
Independência funcional prévia (mRS 0 ou 1)
Para pacientes com AVCi
Confirmação com exame de imagem
NIHSS 6 a 25
Pacientes que receberam alteplase ou tratamento endovascular de acordo com guidelines internacionais
Para pacientes com AVCh
Diagnóstico confirmado por tomografia
NIHSS na admissão > 6
ECG na admissão >5
Sangramento supratentorial
Volume do hematoma ≤ 60 cm3
Para pacientes com HSA
HSA aneurismática confirmada em até 24h do início dos sintomas
TC de admissão evidenciando HSA Fisher 2 ou 3
Pacientes submetidos a embolização do aneurisma e com estabilização neurológica entre 24 a 48h após a embolização.
Febre antes da inclusão no estudo
Condição neurológica, psiquiátrica ou outra condição que possa ser um confundidor na avaliação do status funcional
Comorbidade grave, com baixa sobrevida em 6 meses
Diagnóstico de morte encefálica
Indicação de hipotermia terapêutica
Presença de condições de pele que contraindica a utilização de placas do dispositivo ArticGel
Prevenção de febre
Alvo de temperatura corporal máxima de 37,0 °C
Os pacientes eram monitorizados com termômetro central (vesical ou esofágico)
Realização do controle de temperatura com o dispositivo de regulação térmica composto por placas de gel com sistema de água circulante, que permite a troca de calor entre o paciente e a água circulante
Monitorização da temperatura e tratamento da febre
Se detectado febre (T > 38 °C), a febre era tratada de em etapas, havendo escalonamento para medidas da etapa seguinte caso não houvesse controle da temperatura, com intervalo mínimo de 1h entre as etapas.
Etapa 1: administração de 650 mg a 1g de paracetamol
Etapa 2: iniciado controle externo de temperatura, com pacotes de gelo em região do pescoço, axilas e região inguinal
Etapa 3: utilização de manta de resfriamento setada a 5 °C
Etapa 4: descontinuação da manta térmica e iniciado o uso de dispositivo de controle de temperatura avançado
Febre era definida como temperatura corporal central ≥ 38,0 °C por mais de 1h
Os demais cuidados com o paciente eram realizados de acordo com práticas locais, sendo recomendado o seguimento de acordo com guidelines atuais.
Primário: carga média diária de febre durante 14 dias ou até a alta da UTI
Definida pelo cálculo da área sob a curva de temperatura ≥ 38 °C dividida pelo número total de horas na fase aguda, multiplicado por 24h (carga total de febre/[total de horas] x 24h)
Secundários: incapacidade global em 90 dias pelo mRS, tanto dicotômico quanto deslizante, sendo considerado bom desfecho neurológico um mRS de 0 a 3, óbito, pneumonia, sepse, edema cerebral, shivering (tremores).
MasculinoFeminino
677 pacientes 49% masculino e 51% feminino
Prevenção de Febre (N=339) x Controle (N=338)
Média de Idade: 61 x 60,4 anos
Sexo Feminino: 52,2% x 49,7%
IMC médio: 28,5% x 28,6%
Diagnóstico
AVCh: 37,8% x 37,3%
AVCi: 32,7% x 33,1%
HSA: 29,5% x 29,6%
NIHSS médio: 17,7 x 17,0
ICH score
0: 9% x 14,3%
I: 20,7% x 21,4%
II: 44,1% x 33,9%
III: 18,0% x 26,8%
IV: 8,1% x 2,7%
V: 0% x 0,9%
Escala WFNS para HSA
≥4: 60% x 60%
≤3: 40% x 40%
O estudo foi interrompido precocemente por futilidade
Houve menor carga média diária de febre (°C-h) no grupo prevenção de febre em comparação ao grupo controle: 0,37 x 0,73 (DA -0,35; IC 95% -0,51 a -0,2)
Não houve diferença na incapacidade global em 90 dias pelo mRS, tanto dicotômico quanto deslizante, entre os grupos: 4 x 4 (OR 1,09; IC 95% 0,81 a 1,46)
Não houve diferença na incidência de desfecho neurológico favorável (mRS 0 a 3) entre os grupos: 39,2% x 42,8% (RR 0,92; IC 95% 0,76 a 1,12)
Grafico
Desfecho neurológico favorável
RR 0,92; IC 95% 0,76 a 1,12
Prevenção de febre = 39,2% e Controle=42,8%
Não houve diferença na incidência de eventos adversos, óbito, pneumonia, sepse ou edema cerebral entre os grupos
Houve maior incidência de shivering (tremores) no grupo prevenção de febre em comparação ao grupo controle: 85,5% x 24,3% (DA 61,2; IC 95% 55,2 a 67,1)
Em 7,7% no grupo prevenção de febre, houve descontinuação do tratamento por intolerância ao shivering
Foi utilizado aquecimento compensatório em 93,7% dos pacientes no grupo prevenção de febre para prevenir ou tratar shivering)
Conclusões:
Em pacientes com AVC agudo, a prevenção de febre com dispositivo automatizado de controle de temperatura superficial reduziu a carga de febre, mas não melhorou o desfecho neurológico funcional em 90 dias.
Ponto a ponto:
Pontos fortes
Ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aumentando validade externa dos resultados
Protocolo bem elaborado para responder à pergunta do estudo
Pontos Fracos
Estudo interrompido precocemente por futilidade, o que reduz o poder estatístico do estudo
Pacientes tiveram o controle de febre suspenso por shivering, o que reduz ainda mais a capacidade de entender o real papel do controle da temperatura ( principalmente se se somado à parada precoce por futilidade)
O estudo incluiu diferentes tipos de lesão cerebral, e cada tipo de lesão cerebral pode se comportar de maneira diferente em relação a febre e controle de temperatura, o que não permite avaliar o impacto das intervenções em cada tipo de lesão cerebral.
Estudo não cegado devido a natureza das intervenções, o que pode introduzir viés de performance e observação
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/prevencao-de-febre-em-pacientes-com-acidente-vascular-cerebral-agudo
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