Nutrição Enteral versus Parenteral Precoce em Pacientes Ventilados e com Choque
02 de maio de 2024
5 minutos de leitura
O uso de nutrição parenteral precoce em pacientes críticos resulta em melhores desfechos em comparação à nutrição enteral?
Pacientes críticos em ventilação mecânica e em choque estão sob elevado risco de desnutrição, a qual pode impactar negativamente os desfechos clínicos. As diretrizes de nutrição em geral sugerem que seja iniciada dieta enteral precoce em pacientes críticos, contudo o início precoce do suporte nutricional por via enteral frequentemente resulta em intolerância gastrointestinal. Além disso, em pacientes com choque circulatório há o risco de isquemia mesentérica e faltam estudos comprovando a segurança em oferecer nutrição enteral para pacientes em uso de vasopressores. Diante dessas lacunas foi realizado o estudo NUTRIREA-2, visando comparar o efeito da nutrição enteral precoce versus nutrição parenteral em pacientes com choque e em uso de ventilação mecânica
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (44 centros na França)
Não cego
Randomização eletrônica na proporção de 1:1 em blocos de tamanhos variados e estratificado por centro
Foi calculado que 2854 pacientes seriam necessários para demonstrar uma redução absoluta de 5% no desfecho primário, com poder de 80% e um erro alfa de 4,9%
Pacientes com críticos em ventilação mecânica e com uso de vasopressores incluídos entre 2013 e 2015
Idade ≥ 18 anos
Admissão em uma das UTIs do estudo
Previsão de uso de ventilação mecânica por pelo menos 48h
Uso de vasopressores (noradrenalina, adrenalina ou dobutamina.
Previsão de início do suporte nutricional dentro de 24h.
Ventilação mecânica por mais de 24h antes da randomização
Gastrostomia ou jejunostomia
Cirurgia envolvendo o trato digestivo
Sangramento digestivo
Pacientes com limitação de suporte
Pacientes com necessidades nutricionais específicas (ex.: uso de nutrição parenteral domiciliar)
Gestação e lactação
Contraindicações ao suporte parenteral
Pacientes privados de liberdade
Nutrição enteral precoce
Nutrição parenteral precoce
A nutrição parenteral era mantida por pelo menos 72h no grupo controle. Posteriormente, se houvesse melhora hemodinâmica a mesma era trocada por nutrição enteral. Caso contrário, o suporte parenteral era mantido por até 7 dias
O grupo nutrição enteral só poderia receber nutrição parenteral de forma complementar do oitavo dia da randomização em diante
Em ambos os grupos o suporte inicial era iniciado dentro de 24h após a intubação, com fluxo inicial lento, sendo aumentado gradativamente até atingir a meta de 20-25 kcal/kg/dia até o sétimo dia e a partir daí 25-30 kcal/kg/dia
Primário: mortalidade em 28 dias
Secundários: variação no escore SOFA, quantidade de calorias e proteínas ofertadas, intolerância gastrointestinal, glicemia e necessidade de insulina, necessidade de antimicrobianos, necessidade de diálise, tempo na UTI e no hospital, dias livre de suporte orgânico, mortalidade na UTI e no hospital, mortalidade em 90 dias, complicações infecciosas e não infecciosas
MasculinoFeminino
O estudo foi interrompido após a segunda análise interina devido a futilidade.
As características dos grupos foram similares no momento da randomização
Nutrição Enteral (N=1202) x Nutrição Parenteral (N=1208)
Idade: 66 x 66 anos
Doenças pré-existentes: 72% x 73%
SAPS II: 59 x 61
SOFA: 11 x 11
Pacientes clínicos: 92% x 93%
Choque séptico: 61% x 64%
Dose de noradrenalina: 0,56 x 0,50 mcg/kg/min
Lactato: 3,8 x 3,9 mmol/L
No grupo nutrição parenteral, apenas 4% dos pacientes receberam dieta enteral durante as primeiras 72h, enquanto 6% do grupo nutrição enteral recebeu suporte parenteral nos primeiros 7 dias.
Não houve diferença significativa na mortalidade entre os grupos
A mortalidade em 28 dias foi de 37% no grupo nutrição enteral e 35% no grupo nutrição parenteral (diferença absoluta de 2,0%, IC 95% -1,9 a 5,8; P = 0,33)
O grupo nutrição enteral teve mais intolerância gastrointestinal nos primeiros 7 dias, em especial vômitos (34% x 24%) e diarreia (36% x 33%)
Houve um aumento pequeno, porém estatisticamente significativo na incidência de isquemia mesentérica no grupo nutrição enteral (2% x <1%, P = 0,007)
O grupo nutrição parenteral apresentou menor incidência de hipoglicemia, teve mais frequentemente normalização do lactato e recebeu mais calorias e mais proteínas
A mortalidade em outros pontos do tempo, o tempo no hospital e UTI e o tempo livre de suporte orgânico foram similares entre os grupos
Infecção adquirida na UTI ocorreu em 14% do grupo intervenção e 16% do grupo controle (P = 0,25)
O uso de nutrição enteral em pacientes em ventilação mecânica com choque não foi superior à nutrição parenteral e resultou em maior número de eventos adversos gastrointestinais
Estudo randomizado e multicêntrico
Amostra elevada com alto poder estatístico
Estudo pragmático
Estudo não cego, o que pode introduzir viés na documentação de alguns eventos adversos
Assim como o CALORIES , trata-se de um estudo realizado em UTIs com alta densidade de enfermeiros (relação enfermeiro paciente de 1:1 ou 1:2) e com protocolos bem definidos para cuidados com a nutrição parenteral e CVC, limitando a extrapolação para centros com menos enfermeiros e maior incidência de infecção de corrente sanguínea associada a cateter
A dose inicial de vasopressor média do estudo era bem elevada (acima de 0,5 mcg/kg/min), bem como o nível médio de lactato (acima de 3,5 mmol/L). É provável que boa parte dos pacientes incluídos tivesse contraindicação formal ao suporte nutricional devido à instabilidade hemodinâmica grave, o que pode pelo menos em parte justificar a maior ocorrência de intolerância gastrointestinal
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/nutricao-enteral-versus-parenteral-precoce-em-pacientes-ventilados-e-com-choque
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