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    Monitorização de Pressão Intracraniana Com e Sem Monitorização de Oxigênio Tissular em Traumatismo Cranioencefálico Grave na França

    24 de outubro de 2024

    8 minutos de leitura

    Pergunta:

    • Uma estratégia baseada na monitorização precoce de PIC e PbtO2 é superior à estratégia de monitorização apenas de PIC em pacientes com TCE grave?

    Background:

    • O traumatismo cranioencefálico (TCE) grave está associado a uma mortalidade de aproximadamente 25 a 40%, e apenas 20% dos pacientes não apresentam sequelas a longo prazo. Trata-se de uma condição clínica e estruturalmente muito heterogênea, cujo manejo é focado em medidas para reduzir lesões secundárias.  A Hipertensão intracraniana é um fator de risco independente para mortalidade e déficits neurológicos permanentes. Por essa razão, guidelines enfatizam a monitorização de pressão intracraniana nesses pacientes. Embora seja monitorizada, a pressão intracraniana abaixo de 20 mmHg não é garantia de melhora dos desfechos clínicos neurológicos. A Hipóxia tecidual pode ocorrer independentemente dos níveis de pressão intracraniana e constitui um marcador independente associado a pior prognóstico. Uma pressão de oxigênio do tecido cerebral (PbtO2) inferior a 15 mmHg por mais de 30 minutos é um preditor de desfecho desfavorável. Assim, a monitorização da PbtO2 pode ser uma ferramenta útil no acompanhamento de pacientes com TCE grave.  

    Desenho do Estudo:

    • Ensaio clínico randomizado 

    • Multicêntrico, envolvendo 25 centros de referência em TCE na França

    • Aberto

    • Randomização em blocos de tamanho variados e estratificado por centro e por idade (< 50 anos e ≥50 anos)

    • Considerando 55% de pacientes com desfecho neurológico desfavorável (GOSE de 1 a 4) em 6 meses no grupo controle, foi calculada uma amostra de 300 pacientes para um poder estatístico de 80%, capaz de detectar uma redução de risco relativa de 30% do desfecho primário, com um alfa de 0,05.

    População:

    • Pacientes com TCE grave e indicação de monitorização de PIC, incluídos entre 2016 e 2017

    Critérios de Inclusão:

    • Idade entre 18 e 75 anos

    • Trauma craniano grave (ECG 3 a 8, escore motor ≤5)

    • Trauma craniano não penetrante

    • Expectativa de permanecer em ventilação mecânica por mais de 48h

    • PaO2/FiO2 > 150

    • PA média > 70 mmHg

    • Indicação de monitorização de PIC

    • Randomização e monitorização de PIC, com ou sem PbtO2, iniciada em até 16h do trauma

    Critérios de Exclusão:

    • ECG 3 no pré-hospitalar com pupilas midriáticas fixas.

    • Craniectomia descompressiva antes da randomização

    • Tetraplegia

    • Distúrbios de coagulação que contraindicassem  a monitorização de PIC ou PbtO2

    • Hipotermia com T <34 °C

    • Expectativa de sobrevida menor que 24h

    • PCR pós trauma

    • Comorbidades neuropsiquiátricas que possam interferir na avaliação dos desfechos em 6 e 12 meses

    • AVCi com dissecção traumática de carótida

    • Gestantes

    Intervenção:

    • Monitorização com PIC e PbtO2, objetivando PIC ≤ 20 mmHg e PbtO2 ≥ 20 mmHg. 

      • O cateter de monitorização de PbtO2 era inserido de 20 a 25 mm abaixo da dura-máter e alocado em área não afetada pelo trauma ou, em caso de lesão cerebral difusa, no lobo frontal direito.

      • Os mesmos manejos de PIC utilizados no grupo com monitorização apenas de PIC também foram aplicados no grupo intervenção para o controle de hipertensão intracraniana

    • Em caso de PbtO2 < 20 mmHg e PIC ≤ 20 mmHg, as intervenções foram realizadas para atingir os alvos terapêuticos na seguinte ordem:

      • PaO2 100 a 150 mmHg

      • PaCO2 de 35 a 45 mmHg

      • Normotermia ou hipotermia leve (35 a 37 °C)

      • Pressão de Perfusão Cerebral (PPC) de 60 a 100 mmHg

      • Índice cardíaco > 2,5 L/min/m2.

      • Hb 9 a 12 g/dL

      • PaO2 > 150 mmHg

    • No caso de PbtO2 < 20 mmHg e PIC > 20 mmHg, inicialmente foram tomadas as medidas de controle de PIC (segunda e terceira linha), seguidas por medidas para aumento de PbtO2 

    Controle:

    • Monitorização apenas com PIC, objetivando PIC ≤ 20 mmHg

    • Se a PIC estivesse > 20 mmHg, eram iniciadas medidas de segunda linha com o intuito de reduzir a PIC:

      • Aumento de sedação e analgesia

      • Uso de vasopressores para manter PPC de 60 a 70 mmHg

      • Hiperventilação moderada, objetivando PaCO2 de 30 a 35 mmHg

      • Osmoterapia

      • Drenagem ventricular externa

      • Bloqueio neuromuscular

      • Intervenção para normotermia ou hipotermia leve (35 a 37 °C)

    • Em caso de hipertensão intracraniana refratária, eram instituídos tratamentos de terceira linha

      • Hipotermia terapêutica

      • Craniectomia descompressiva (T 33 a 35 °C)

      • Coma barbitúrico

    Outros Tratamentos:

    • Todos os pacientes, independentemente do grupo em que foram randomizados, recebiam cuidados de primeira linha de acordo com as orientações de guidelines internacionais, que incluíam:

      • Sedação e analgesia contínuas

      • Normocapnia (PaCO2 de 35 a 45 mmHg)

      • Normóxia (PaO2 80-140 mmHg)

      • PPC de 60 a 70 mmHg

      • Euglicemia 

      • Natremia 140 a 150 mEq/L

      • Temperatura corporal de 36 a 38 °C

      • Elevação da cabeceira em 15°

    Desfechos:

    • Primário:  desfecho neurológico funcional desfavorável em 6 meses, definido como pontuação na Escala de Glasgow de Desfecho Estendido (GOSE) de 1 a 4.

    • Secundários: desfecho neurológico funcional em 12 meses, de acordo com GOSE; desfecho neurológico em 6 e 12 meses pela Disability Rating Scale (DRS); mortalidade em 28 dias; incidência de eventos críticos em 5 dias, definida por PIC >30 mmHg por pelo menos 30 min, PIC >40 mmHg por pelo menos 5 min e PbtO2 <10 mmHg por pelo menos 30 min (sendo esse último desfecho no grupo intervenção); qualidade de vida em 6 e 12 meses pela Functional Independence Measure (FIM) para avaliação cognitiva e motora

    Características dos Pacientes:

     

    Masculino (26% Masculino)Feminino (74% Feminino)
    Masculino
    Feminino

     

    • Grupo PIC (N= 144) x Grupo PIC + PbtO2 (N= 147)

    • Idade: 38 (26-55) x 40 (26-55)

    • Causa do TCE

      • Acidente de trânsito: 64% x 63%

      • Queda: 24% x 25%

      • Outros: 12% x 12%

    • Melhor ECG score pré-hospitalar

      • 3-4: 29% x 35%

      • 5-8: 71% x 65%

    • Melhor Escore motor da ECG pré-hospitalar

      • 1-2: 34% x 41%

      • 3-5: 66% x 59%

    • Reatividade pupilar na admissão:

      • Reativa bilateral: 66% x 72%

      • Reativa unilateral: 6% x 8%

      • Arreativas bilateralmente: 28% x 20%

    • Uso de Noradrenalina na admissão: 63% x 73%

    • Classificação de Marshall na TC inicial:

      • I: 6% x 4%

      • II: 35% x 37%

      • III: 6% x 5%

      • IV: 2% x 3%

      • V: 8% x 6%

      • VI: 44% x 46%

    • HSA traumática: 83% x 79%

    • Hemorragia subdural: 57% x 60%

    • Hemorragia intraventricular: 38% x 35%

    • Hemorragia epidural: 16% x 20%

    • Hb g/dL na randomização: 12,5 (11,4-13,7) x 12,8 (11,5-13,6)

    • Na+ mmol/L na admissão: 141 (138-144) x 141 (139-143)

    • Relação PaO2/FiO2 na randomização: 400 (260-470) x 390 (270-520)

    • PIC mmHg na admissão na UTI: 11 (6-19) x 12 (8-16)

    • PPC mmHg na admissão na UTI: 69 (62-77) x 72 (66-79)

    • PbtO2 mmHg na admissão na UTI: - x 14 (8-21)

    Resultados:

    • Não houve diferença na incidência de desfecho neurológico funcional desfavorável em 6 meses (GOSE 1 – 4) entre os grupos PIC e PIC + PbtO2: 53% x 52% (OR 0,9; IC95% 0,6 a 1,6)

     

    
    

     

    • Não houve diferença na incidência de desfecho neurológico funcional desfavorável em 12 meses (GOSE 1 – 4) entre os grupos: 48% x 43% (OR 0,8; IC95% 0,5 a 1,3)

    • Não houve diferença na mortalidade em 28 dias entre os grupos: 19% x 17% (OR 0,8; IC95% 0,5 a 1,5)

    • Não houve diferença na incidência de evento crítico, caracterizado por PIC>30 mmHg por pelo menos 30 min, entre os grupos: 38% x 43% (OR 1,3; IC95% 0,7 a 2,2)

    • Não houve diferença na incidência de evento crítico, caracterizado por PIC>40 mmHg por pelo menos 5 min, entre os grupos: 29% x 29% (OR 1,0; IC95% 0,5 a 1,9)

    • Não houve diferença no desfecho neurológico funcional em 6 meses e em 12 meses pela DRS entre os grupos

    • Não houve diferença na qualidade de vida em 6 meses e em 12 meses, pela escala FIM, entre os grupos

    • Houve uma incidência de 29% de evento crítico, caracterizado por PbtO2< 10mmHg por pelo menos 30 min, no grupo intervenção.

    • Houve maior incidência de hematoma intracerebral relacionado à intervenção do estudo no grupo PIC + PbtO2: 0 x 4%, p=0,03

    Conclusões:

    • A estratégia terapêutica baseada na monitorização precoce de PIC com PbtO2 não é superior à estratégia de monitorização apenas de PIC em pacientes com TCE grave para a redução da incidência de desfecho neurológico funcional grave em 6 meses

    Pontos Fortes:

    • Ensaio clínico randomizado

    • Protocolo do estudo adequado para a avaliação dos desfechos do estudo

    • Desfechos primário e secundários clinicamente relevantes

    • O estudo incluiu centros de referência em trauma, o que reduz viés de performance relacionados à complexidade do manejo do paciente com TCE

    Pontos Fracos:

    • Ensaio não completamente cegado devido à natureza da intervenção, o que pode introduzir viés de performance e observação do desfecho

    • Embora multicêntrico, envolveu apenas centros na França, o que reduz a validade externa dos dados obtidos

    • O tamanho da amostra calculada não foi atingido devido à perda de acompanhamento de pacientes, o que reduz o poder estatístico para a análise do desfecho primário


    Autor do conteúdo

    Guilherme Lemos


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/monitorizacao-de-pressao-intracraniana-com-e-sem-monitorizacao-de-oxigenio-tissular-em-traumatismo-cranioencefalico-grave-na-franca


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