Levotiroxina em Mulheres Eutireoidianas com Anticorpos Anti-TPO Positivos e Perdas Gestacionais Recorrentes
26 de dezembro de 2024
6 minutos de leitura
O uso de levotiroxina pré-concepção é capaz de aumentar o número de nascidos vivos em mulheres com histórico de perdas gestacionais recorrentes, anti-TPO positivo e função tireoidiana normal?
Mulheres com anticorpo anti-tireoperoxidase (anti-TPO) positivo apresentam um risco aumentado de perda gestacional, além de outras complicações gestacionais, como subfertilidade inexplicada, parto prematuro e tireoidite pós-parto. Nesse contexto, foi proposto que a suplementação com levotiroxina poderia reduzir o risco de complicações gestacionais ao corrigir uma possível deficiência hormonal na fase inicial da gestação, período em que ocorre aumento da demanda por hormônios tireoidianos. Entretanto, a suplementação com levotiroxina em mulheres eutireoidianas com anticorpos anti-TPO positivo é controversa, devido à falta de evidências para essa população específica. O estudo T4LIFE buscou avaliar se o uso de levotiroxina iniciado antes da concepção aumenta a taxa de nascidos vivos em mulheres com função tireoidiana normal, anticorpo anti-TPO positivo e perdas gestacionais recorrentes.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico com 15 centros na Holanda, Bélgica e Dinamarca
Duplo-cego
Controlado por placebo
Randomização na proporção de 1:1 para receber levotiroxina ou placebo
Poder de amostra estimado em 180 participantes para detectar um aumento de 20% na taxa de nascidos vivos; para acomodar possíveis perdas de seguimento (10%) e a necessidade de descontinuação do tratamento devido ao desenvolvimento de hipotireoidismo subclínico ou clínico (15%), foi planejada a inclusão de 240 participantes ao total.
Mulheres com perdas gestacionais recorrentes, incluídas no estudo entre 2013 e 2019
Idade entre 18 e 42 anos
Histórico de duas ou mais perdas gestacionais antes de 20 semanas de gestação
TSH dentro dos limites de referência de cada centro
Presença de anticorpo anti-TPO positivo (acima dos valores de referência de cada centro)
Síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF)
Doenças autoimunes
Histórico de doença tireoidiana
Levotiroxina via oral 1x/dia, iniciada antes da concepção, com dose calculada de acordo com o peso corporal e a concentração de TSH
TSH < 1,0 mUI/L: dose de 0,5 mcg/kg/dia
TSH entre 1,0 e 2,5 mUI/L: dose de 0,75 mcg/kg/dia
TSH > 2,5 mUI/L: dose de 1,0 mcg/kg/dia
Placebo, via oral, 1x/dia, iniciado antes da concepção
Dosagens de TSH foram realizadas pré-concepção, no primeiro trimestre e no segundo trimestre
Se o TSH estivesse fora do valor de referência, o tratamento do estudo era descontinuado, e a paciente era encaminhada para acompanhamento com um endocrinologista
Se o TSH permanecesse dentro do valor de referência, o tratamento do estudo era mantido até o final da gestação
Primário: nascidos vivos após 24 semanas de gestação
Secundários: gestação viável em 12 semanas, perda gestacional (antes de 20 semanas de gestação), parto prematuro (antes de 37 semanas de gestação), eventos adversos, tempo para gestação e sobrevida neonatal até 28 dias de vida
Total (N) = 187 // Sexo feminino 100%
Grupo Levotiroxina (N = 94) x Grupo Placebo (N = 93)
Idade (anos): 34,9 (± 4,2) x 33,7 (± 4,7)
IMC (kg/m²): 25,3 x 24,8
Tabagismo atual: 10% x 13%
Etnia
Branca: 80% x 82%
Negra: 7% x 10%
Asiática: 2% x 2%
Outros: 11% x 6%
Histórico gestacional
Nulípara: 56% x 60%
TSH pré-randomização (mUI/L): 2,1 (1,4 - 3,11) x 2,0 (1,36 - 2,7)
Anti-TPO (UI/mL): 225 (99 - 566) x 178 (96 - 662)
O estudo foi encerrado precocemente devido a recrutamento lento, com 187 participantes incluídos (78% do total pré-definido de 240).
Durante o seguimento, 25 participantes do grupo levotiroxina e 29 participantes do grupo placebo interromperam o tratamento por motivos diversos (perda de seguimento, desenvolvimento de hipo ou hipertireoidismo, decisão de não tentar mais engravidar, continuidade do tratamento de fertilidade em outro país ou sintomas depressivos).
Não houve diferença estatisticamente significativa no número de nascidos vivos entre os grupos, com 47 (50%) nascidos vivos no grupo levotiroxina e 45 (48%) no grupo placebo (RR 1,03; IC 95% 0,77 a 1,38).
O tempo para concepção foi semelhante entre os dois grupos: 9,1 meses (IC 95% 4,8 a 13,4) no grupo levotiroxina e 9,8 meses (IC 95% 5,4 a 14,2) no grupo placebo (p = 0,95).
Não houve diferença estatisticamente significativa nos demais desfechos secundários, incluindo perda gestacional antes de 20 semanas, parto prematuro, tempo para concepção ≤ 24 meses e sobrevida neonatal.
No grupo levotiroxina, 69 (73%) das 94 mulheres ficaram grávidas, em comparação com 73 (78%) das 93 mulheres no grupo placebo.
No grupo levotiroxina, 72% das mulheres engravidaram sem auxílio de terapias de reprodução assistida, 4% engravidaram com indução de ovulação, 9% com inseminação intrauterina e 14% com uso de fertilização in vitro (IVF) ou injeção intracitoplasmática de esperma; no grupo placebo, 71% das mulheres engravidaram sem auxílio de terapias de reprodução assistida, 5% engravidaram com indução de ovulação, 5% com inseminação intrauterina e 18% com uso de IVF ou injeção intracitoplasmática de esperma.
Como esperado, os níveis de TSH foram menores no grupo levotiroxina em comparação com o placebo: 1,37 mUI/L e 1,79 mUI/L, respectivamente, no primeiro trimestre e 1,52 mUI/L e 1,90 mUI/L, respectivamente, no segundo trimestre.
Eventos adversos graves ocorreram em 7% das participantes do grupo levotiroxina e 8% do grupo placebo, e nenhum foi considerado relacionado ao tratamento do estudo.
O uso de levotiroxina não resultou em diferenças significativas no número de nascidos vivos em mulheres com anti-TPO positivo, função tireoidiana normal e histórico de perdas gestacionais recorrentes.
Inclusão de mulheres com e sem tratamento com tecnologias de reprodução assistida
Avaliação por intenção de tratar, que inclui todos os participantes que receberam pelo menos uma dose do tratamento, refletindo uma abordagem mais prática e realista, compatível com a vida real
Ajuste da dose de levotiroxina conforme o peso corporal e os níveis iniciais de TSH
População predominantemente branca e proveniente de países de alta renda, limitando a generalização e a validade externa do estudo
A interrupção precoce do estudo com uma amostra recrutada menor do que a planejada reduziu a capacidade para alcançar significância estatística nos desfechos primários.
Alta taxa de perdas durante o estudo, resultando em uma amostra menor do que o esperado e intervalos de confiança mais amplos
Uso de diferentes ensaios para a dosagem de anti-TPO e TSH nos diferentes centros
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/levotiroxina-em-mulheres-eutireoidianas-com-anticorpos-anti-tpo-positivos-e-perdas-gestacionais-recorrentes
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