Infusão Automatizada de Insulina em Mulheres com Gestação Complicada por Diabetes Tipo 1
18 de fevereiro de 2025
7 minutos de leitura
A insulinoterapia com sistema híbrido em circuito fechado é capaz de melhorar o controle glicêmico na gestação complicada por diabetes tipo 1?
Gestantes com diabetes tipo 1 (DM1) apresentam risco aumentado de complicações, como parto pré-termo, peso grande para a idade gestacional e recém-nascidos com maiores chances de internação na unidade de terapia intensiva. A hiperglicemia materna antes do nascimento é o principal fator de risco para tais complicações, sendo o maior risco observado naquelas gestantes cuja hemoglobina glicada (HbA1c) encontra-se acima do alvo no início da gravidez. Com o intuito de evitar tais desfechos, foram estipuladas metas glicêmicas específicas para a gestação entre 63 e 140 mg/dL, mais baixas do que aquelas para não gestantes. Entretanto, mesmo com boa adesão ao tratamento e grande motivação por parte das pacientes no cuidado do diabetes, o manejo adequado da glicemia ainda pode ser desafiador durante a gestação. O estudo AiDAPT teve o objetivo de avaliar se o uso de insulinoterapia em sistema de circuito fechado híbrido, o CamAPS FX, poderia melhorar o controle glicêmico materno durante a gestação complicada por diabetes tipo 1.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico, envolvendo nove locais do Serviço de Saúde Nacional na Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte
Aberto, não cego
Randomização na proporção de 1:1 em blocos permutados de tamanhos de 2 e 4 e estratificado por centro
Estimado que 98 pacientes dariam ao estudo um poder de 90% em detectar uma diferença de 10% no desfecho primário do estudo. A amostra foi aumentada para 124 considerando perda de seguimento e possíveis saídas do estudo
Gestantes com diabetes tipo 1 e níveis de HbA1c de pelo menos 6,5% incluídas entre 2019 e 2022
Idade entre 18 e 45 anos
DM1 há pelo menos 12 meses
Gravidez viável confirmada por ultrassom, até 13 semanas e 6 dias de gestação
Em uso de terapia intensiva com insulina
(≥3 injeções/dia ou bomba de insulina), incluindo bombas de insulina aumentadas com sensor e sistemas híbridos de circuito fechado diferentes do CamAPS FX
Disponibilidade para usar os dispositivos do estudo durante
Nível de HbA1c ≥48 mmol/mol (≥6,5%) no primeiro contato pré-natal e ≤86 mmol/mol (≤10%) no momento da randomização
Fornecer consentimento informado e ter acesso a e-mail
Diabetes de outros tipos
Outra doença física ou psicológica que possa interferir na conduta normal e interpretação dos resultados do estudo
Tratamento atual com medicamentos conhecidos por interferirem no metabolismo da glicose (por exemplo, glicocorticoides em altas doses)
Alergia à insulina conhecida ou suspeita
Nefropatia avançada, neuropatia autonômica grave, gastroparesia não controlada ou retinopatia proliferativa grave
Glicemia alvo ou HbA1c muito elevada, ou seja, primeira HbA1c pré-natal <48 mmol/mol (<6,5%) e HbA1c >86 mmol/mol (>10%). Aqueles com HbA1c >86 mmol/mol (>10%) podem participar se atingirem HbA1c ≤86 mmol/mol (≤10%) antes da randomização.
Dose diária total de insulina 1,5 unidades/kg
Deficiência visual ou auditiva grave
Incapacidade de falar e entender inglês
Insulinoterapia em sistema de circuito fechado híbrido
O sistema consiste em uma bomba de insulina com comunicação via bluetooth com um smartphone que ajusta a bomba para atingir as metas estabelecidas
Monitorização contínua da glicose (CGM)
Insulinoterapia padrão, seja com múltiplas injeções diárias de insulina ou bomba de insulina
Monitorização contínua da glicose (CGM)
Pacientes eram avaliadas presencialmente ou via telefone a cada 4 semanas
O restante do tratamento era homogêneo entre os grupos
Primário: percentual de tempo no alvo glicêmico específico da gestação (de 63 a 140 mg/dL), mensurado por CGM desde 16 semanas de gestação até o parto.
Secundários: percentual de tempo em estado hiperglicêmico (níveis de glicose > 140 mg/dL), tempo no alvo durante o período noturno, níveis de HbA1c e eventos de segurança.
MasculinoFeminino
124 pacientes 100% feminino
Insulinoterapia em sistema de circuito de alça fechada (N = 61) x Cuidado padrão (N = 63):
Idade em anos: 32 ± 5,0 x 30,2 ± 5,5
Etnia branca – número (%): 58 (95) x 57 (90)
Duração do diabetes (anos): 18 ± 8 x 16 ± 7
IMC médio: 27,9 ± 5,9 x 26,9 ± 4,8 kg/m2
Diploma superior – número (%): 36 (59) x 33 (52)
Semanas de gestação no recrutamento: 10,3 (8,0 – 11,7) x 10,0 (8,4 – 11,3)
Semanas de gestação na randomização: 11,3 (9,6 – 13,0) x 11,0 (9,6 – 12,4)
Histórico médico
Complicações do diabetes – número (%): 35 (57) x 35 (56)
Retinopatia: 35 (57) x 34 (54)
Nefropatia: 4 (7) x 5 (8)
Neuropatia: 4 (7) x 2 (3)
Cetoacidose diabética prévia – número (%): 1 (2) x 10 (16)
Hipoglicemia severa prévia – número (%): 4 (7) x 5 (8)
Hipertensão crônica – número (%): 4 (7) x 2 (3)
Pressão arterial sistólica: 117,8 ± 11,9 x 117,3 ± 12,9
Pressão arterial diastólica: 69,4 ± 9,3 x 68,3 ± 9,4
Histórico obstétrico:
Sem partos prévios – número (%): 21 (34) x 38 (60)
Perda gestacional prévia – número (%): 21 (34) x 20 (32)
Fatores pré-gestação – número (%):
Suplementação com ácido fólico: 38 (62) x 34 (54)
Consumo de álcool: 36 (59) x 36 (57)
Tabagismo: 10 (16) x 14 (22)
Nível de HbA1c durante o início da gestação:
6,0 a < 7,0% - número (%): 23 (38) x 13 (21)
7,0 a < 8,0% - número (%): 21 (34) x 24 (38)
≥ 8,0% - número (%): 17 (28) x 26 (41)
Média: 7,6 ± 1,1 x 7,9 ± 1,3
Monitor de glicose contínuo – número (%): 59 (97) x 62 (98)
Abbot FreeStyle Libre: 43 (73) x 47 (76)
Dexcom: 12 (20) x 14 (23)
Medtronic: 4 (7) x 1 (2)
Tipo de administração de insulina – número (%):
Bomba de insulina sem automação: 32 (52) x 25 (40)
Múltiplas injeções diárias: 27 (44) x 37 (59)
Entrega automatizada de insulina: 2 (3) x 1 (2)
Dose total diária de insulina (U/kg/dia): 0,7 ± 0,2 x 0,7 ± 0,2
O percentual de tempo médio em que os níveis de glicose maternos permaneceram dentro da faixa alvo específica da gestação foi maior no grupo intervenção.
Houve aumento de 47,8 ± 16,4% para 68,2 ± 12,5% do tempo durante o período de tratamento no grupo do circuito fechado e de 44,5 ± 14,4% para 55,6 ± 12,5% durante o período de tratamento no grupo do cuidado padrão (diferença média ajustada entre os grupos durante o curso do período de tratamento de 10,5%; IC 95% 7,0 – 14,0, p < 0,001).
Os participantes do grupo circuito fechado passaram menos tempo com níveis de glicose acima do alvo do que aqueles designados para o cuidado padrão (diferença média de -10,2%, IC 95% -13,8 – -6,6).
O percentual de tempo na faixa alvo no período durante a noite (das 23 horas da noite até às 7 horas da manhã) também foram favoráveis à intervenção, aumentando de 47,4 ± 20,8% no grupo de circuito fechado para 70,8 ± 11,2% e de 44,5 ± 16,6% para 56,7 ± 13,6 % no grupo cuidado padrão, com uma diferença média de 12,3% e IC 95% 8,3 – 16,2.
Esses efeitos geraram uma melhora do controle glicêmico entre os pacientes do grupo circuito fechado, incluindo um nível mais baixo de HbA1c e menos eventos de hipoglicemias noturnas em comparação ao grupo cuidado padrão.
Pacientes que iniciaram a insulinoterapia em circuito fechado durante o primeiro trimestre passaram 5% de tempo na faixa alvo a mais do que aquelas do grupo cuidado padrão ao final de 12 semanas de gestação.
Seis eventos de hipoglicemia severa ocorreram no grupo de circuito fechado e cinco no grupo de cuidado padrão. Um evento de cetoacidose diabética ocorreu em cada grupo.
A taxa de eventos adversos relacionados aos dispositivos utilizados no grupo circuito fechado foi de 24,3 por 100 pessoas-ano.
Conclusões
A insulinoterapia em sistema de circuito fechado híbrido melhorou significativamente o controle glicêmico durante a gravidez em gestantes com diabetes tipo 1.
Ponto a ponto
Pontos fortes
Estudo randomizado e controlado.
Generalização da população estudada, incluindo pacientes que não haviam recebido previamente terapia com bomba de insulina.
Grande percentual de pacientes que iniciaram o tratamento no primeiro trimestre.
Protocolo de estudo flexível, que facilitou visitas virtuais ou pessoalmente.
Pontos fracos
O tamanho amostral do estudo não foi capaz de promover dados definitivos sobre os desfechos de saúde maternos e neonatais.
A maior parte das participantes era branca (93%), prejudicando a análise dos resultados em outras etnias.
As participantes eram excluídas do estudo se não tivessem HbA1c de 10% ou menos à época da randomização.
Os dados do primeiro trimestre foram limitados porque as participantes foram submetidas à randomização em uma mediana de 11 semanas de gestação.
Ponto de vista
O uso da terapia em circuito fechado mostrou benefícios no controle glicêmico de pacientes com DM1 recém diagnosticado e em crianças pequenas. Agora, tais resultados se estendem também para as gestantes com DM1. O estudo AiDAPT demonstrou que a percentagem de tempo gasto na faixa glicêmica alvo específica da gestação (de 63 a 140 mg/dL), desde 16 semanas de gestação até o parto, foi 10,5% maior nas gestantes com DM1 que utilizaram insulinoterapia em sistema de circuito fechado híbrido em relação àquelas submetidas ao cuidado padrão. Assim, com a melhora do controle glicêmico através desta tecnologia, espera-se melhora dos desfechos maternos e neonatais nesta população.
Nesse sentido, o uso do circuito fechado aponta como uma alternativa promissora para melhorar o controle glicêmico de gestantes com DM1. Dentre as pacientes no grupo circuito fechado, houve um aumento de 5% no tempo gasto na faixa glicêmica alvo já ao final do primeiro trimestre, o que sugere que os benefícios ocorreram logo após o início da terapia em circuito fechado, iniciada aproximadamente com 12 semanas de gestação. Tal janela de tempo é de crucial importância para mulheres e médicos que consideram mudanças terapêuticas durante o início da gestação.
Apesar das limitações supracitadas do estudo, como o tamanho amostral insuficiente para demonstrar dados definitivos sobre os desfechos maternos e neonatais, informações importantes podem ser extraídas deste ensaio clínico, de modo que os resultados do AiDAPT embasam a recomendação do Guideline do Instituto Nacional para a Excelência do Cuidado em Saúde (NICE), propondo que a terapia em circuito fechado híbrido seja oferecida a todas as gestantes com DM1.
Dessa forma, a escolha da terapia com circuito fechado pode ser uma estratégia benéfica para gestantes com DM1, a depender das características da paciente, treinamento adequado para o uso do sistema em circuito fechado híbrido e acompanhamento próximo com um médico especialista em diabetes.
"Este artigo foi desenvolvido em colaboração pelo autor e o Time DocToDoc, reunindo expertises complementares para oferecer uma análise abrangente sobre o tema abordado. A publicação é realizada no canal de propriedade DocToDoc, reafirmando o compromisso com a divulgação de conteúdos enriquecedores e produzidos em conjunto."
Autor do conteúdo
Melanie Rodacki
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/infusao-automatizada-de-insulina-em-mulheres-com-gestacao-complicada-por-diabetes-tipo-1
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