Frequência do Rastreio e Realização de Teste de Respiração Espontânea em Pacientes em Ventilação Mecânica
03 de dezembro de 2024
7 minutos de leitura
Qual a melhor forma de realizar o teste de respiração espontânea e quantas vezes ao dia ele deve ser realizado para acelerar o desmame e reduzir o tempo de ventilação mecânica?
A ventilação mecânica é uma intervenção administrada a milhões de pacientes todos os anos. Apesar de ser uma medida salvadora, ela pode resultar em diversas complicações e cerca de 40% do tempo em ventilação mecânica está relacionado ao processo de desmame. Assim, estratégias que busquem minimizar o tempo de ventilação mecânica são uma prioridade e a literatura demonstra que protocolos baseados no rastreio diário e na realização de testes de respiração espontânea (TRE) reduz de forma efetiva o tempo recebendo este suporte. Contudo, não há estudos prévios avaliando se a realização mais frequente de TRE (mais de uma vez por dia) poderia reduzir ainda mais o tempo de ventilação. Além disso, ainda há incerteza sobre o melhor método de TRE. Diante dessas lacunas foi realizado este estudo para avaliar duas estratégias de triagem e duas estratégias de TRE.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (23 centros no Canadá e Estados Unidos).
Fatorial 2x2 (implica em mais de uma intervenção avaliada no mesmo estudo)
Estudo não cego
Foi calculado que 760 pacientes seriam necessários para ter 80% de poder para demonstrar uma diferença mediana de 1 dia de ventilação (de 5 para 4 dias), com erro alfa de 5%.
Pacientes em ventilação mecânica incluídos entre 2016 e 2022
Adultos (idade ≥18 anos nos EUA e 16 anos no Canadá)
Em us de ventilação mecânica invasiva
Com disparos espontâneos no ventilador (presença de drive respiratório)
FiO2 ≤ 70% e PEEP ≤ 12 cmH2O
Ventilação mecânica por mais de 2 semanas
Extubação prévia na mesma internação
Traqueostomia.
Déficits neurológicos graves
TRE mais de uma vez por dia (no mínimo duas vezes, sendo pela manhã e no início da tarde
TREs adicionais poderiam ser realizados conforme julgamento clínico
TRE com modo pressão de suporte (PSV)
TRE apenas uma vez por dia
TRE com tubo T
Trata-se de um estudo fatorial, ou seja, o paciente era randomizado duas vezes (primeiro para a frequência do TRE e depois para a modalidade), gerando quatro grupos de tratamento possíveis.
Para realização de TRE alguns requisitos eram necessários: PaO2/FiO2 > 200, FR < 35, FC < 140 bpm, PEEP < 10 cmH2O e índice de respiração rápida e superficial (FR/Vt) < 105
A duração do TRE poderia ser de 30 a 120 minutos.
O cuidado nas unidades seguia protocolos comuns, incluindo critérios pré-estabelecidos para sucesso no TRE e extubação
Primário: tempo até extubação bem-sucedida (definido como tolerar > 48h fora de ventilação).
Secundários: tempo até TRE bem-sucedido, duração da ventilação (invasiva e não invasiva), tempo de permanência na UTI e no hospital, sobrevida em 90 dias, incidência de pneumonia associada a ventilação, necessidade de reintubação e traqueostomia, ventilação prolongada (acima de 14 e de 21 dias), eventos adversos.
Desfechos de longo prazo: qualidade de vida e funcionalidade em 6 meses
MasculinoFeminino
A inclusão de pacientes no estudo foi interrompida entre março e julho de 2020 devido a pandemia por COVID).
As características dos grupos são apresentadas a seguir
TRE 1x+PSV (N=198) x TRE1x+TuboT (N=204) x TRE>1x+PSV (N=195) x TRE>1x+TuboT (N=200)
Idade em anos: 61,4 x 63,3 x 60,7 x 64,2
Sexo masculino: 57,1% x 57,8% x 60% x 62%
Escore SOFA: 6 x 6 x 5 x 6
Escore comorbidades Charlson: 2 x 2 x 1 x 2
Admissão clínica: 82,3% x 83,3% x 77,4% x 80%
Motivo da intubação
Insuficiência respiratória: 57,6% x 60,8% x 59,0% x 55,0%
Pós-operatório: 16,7% x 13,2% x 11,8% x 15,0%
Doença neurológica: 10,6% x 13,2% x 11,8% x 15,0%
PaO2 (mmHg): 85,3 x 84,0 x 82,4 x 84,9
Na análise primária, considerando apenas o impacto de cada intervenção, não houve diferença no tempo até extubação bem-sucedida com nenhuma das intervenções (TRE mais frequente x 1 vez ao dia: HR 0,88; IC 95% 0,76 a 1,03, P = 0,12; PSV x Tubo T: HR 1,06; IC 95% 0,91 a 1,23, P = 0,45).
Contudo, houve interação significativa entre os dois braços do estudo (P = 0,009 para interação).
Levando em consideração esta interação, o grupo TRE 1x/dia + TRE-PSV teve o menor tempo até a extubação (mediana de 2 dias, P = 0,02), comparado aos demais grupos. Nos outros grupos, o tempo até extubação foi de 3,1 dias no grupo TRE 1x/dia /TRE-Tubo T, 3,9 dias no grupo TRE > 1x / TRE-PSV e 2,9 dias no grupo TRE > 1 x/dia / TRE-tubo T.
O tempo mediano até o primeiro TRE bem-sucedido foi de 0,8 dias no grupo TRE 1x/dia + TRE-PSV; 1,1 dias no grupo TRE 1x/dia /TRE-Tubo T; 0,9 dias no grupo TRE > 1x / TRE-PSV; e 1,0 dias no grupo TRE > 1 x/dia / TRE-tubo T.
Comparadas as demais estratégias, o grupo que realizou TRE uma vez ao dia e usou PSV na manobra teve menor tempo de suporte ventilatório, menor tempo no hospital e na UTI e taxas de reintubação similares.
Os demais desfechos avaliados foram similares entre os grupos.
Em pacientes críticos em ventilação mecânica, uma estratégia de triagem mais frequente para realização de TRE e o tipo de técnica usada no TRE (tubo T ou PSV) não impactaram o tempo até a extubação. Contudo, houve interação importante entre as duas intervenções, sendo que o grupo com triagem mais frequente e TRE em tubo T foi o que teve o maior tempo até extubação bem-sucedida.
Estudo multicêntrico e randomizado
Estudo pragmático
Questão clínica relevante para a prática clínica diária e com desfechos menos sujeitos a viés de observação
A escolha do desenho fatorial é um limitante importante deste estudo. Os autores calcularam o tamanho amostral prevendo que não haveria interação entre as duas intervenções, fato que não se concretizou, resultando em uma amostra final que provavelmente tem um poder estatístico baixo para demonstrar o impacto independente de cada intervenção testada. Além disso, a presença de interação torna a interpretação dos resultados mais complexa, visto que o efeito de uma intervenção deve ser sempre avaliado levando a outra cointervenção em consideração.
Estudo não cego, o que pode ter introduzido viés, especialmente considerando que o desfecho principal dependia muito da equipe assistente (risco de viés de performance).
Foram triados quase 9 mil pacientes, dos quais menos de 10% foram randomizados. Os principais motivos para exclusão desses pacientes foram a realização prévia de TRE e doenças neurológicas.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/frequencia-do-rastreio-e-realizacao-de-teste-de-respiracao-espontanea-em-pacientes-em-ventilacao-mecanica
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