Estratégia Transfusional Restritiva vs Liberal em Pacientes com Lesão Cerebral Aguda
14 de novembro de 2024
7 minutos de leitura
Uma estratégia transfusional restritiva em pacientes com lesão cerebral aguda influencia no desfecho neurológico funcional em comparação à uma estratégia transfusional liberal?
A anemia é associada a aumento da morbimortalidade em pacientes críticos. Entretanto, a transfusão sanguínea também está associada a complicações. Diversos estudos avaliando uma estratégia transfusional foram realizados em diferentes contextos clínicos e a maioria sugere que uma estratégia restritiva é mais segura e efetiva em comparação à estratégia mais liberal. Em pacientes com lesão cerebral aguda, uma estratégia liberal poderia ser benéfica por aumentar a oferta de O2 ao tecido cerebral, diminuindo a hipóxia cerebral. Um estudo recente, HEMOTION, comparou uma estratégia transfusional restritiva e liberal em pacientes com lesão cerebral traumática aguda e não evidenciou diferença no desfecho neurológico funcional entre ambas, mas com uma possível tendência favorável a transfusões mais liberais. Assim, o estudo TRAIN foi realizado com o objetivo de esclarecer o impacto das estratégias transfusionais e sua segurança em pacientes com lesão cerebral aguda internados em UTI
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico, envolvendo 72 UTIs em 22 países diferentes
Estudo aberto, mas com avaliadores de desfecho cegados
Randomização eletrônica na proporção de 1:1 em blocos de 4, 6 e 8 e estratificação de acordo com: centro, tipo de lesão cerebral (trauma, HSA e hemorragia intraparenquimatosa) e de acordo com escala de glasgow
Inicialmente foi calculada uma amostra de 2095 pacientes para um poder estatístico de 90% para detectar uma redução de risco absoluta de 5% no desfecho primário, considerando uma taxa de desfecho neurológico desfavorável (GOS-E 1 a 5 de 50%, sendo uma mortalidade de 15%). O tamanho amostral foi ajustado outras 2 vezes devido a baixa taxa de recrutamento e incapacidade de recrutar o número esperado de pacientes antes do prazo final do estudo. O último ajuste considerou uma redução absoluta de 11% para um poder estatístico de 85% e alfa de 0,05. Com esses ajustes a amostra necessária para concluir o estudo passou a ser 794 pacientes, incluindo uma taxa de atrito de 5%.
Pacientes adultos com lesão cerebral aguda internados em UTI entre 2017 e 2022
Idade entre 18 e 80 anos
Lesão cerebral aguda, incluindo:
TCE, HSA e hemorragia intraparenquimatosa
Escala de Coma de Glasgow (ECG) no momento da randomização ≤ 13
Expectativa de permanência em UTI por mais de 72h
Hemoglobina sérica ≤ 9,0 g/dL
Coma secundário a anóxia
Infecção no sistema nervoso central (SNC)
Status epiléptico sem relação a lesão cerebral
Lesão cerebral prévia conhecida com comprometimento motor e cognitivo significativo
Sangramentos secundário a malformação arterio-venosa (MAV) ou tumor
Impossibilidade de receber hemocomponentes (por questões clínicas ou religiosas)
Sangramento ativo não controlado, ou aloimunização conhecida que limite transfusão.
ECG 3 com pupilas midriáticas e arreativas
Morte encefálica ou morte iminente nas próximas 24h
Gestantes
Questões médicas que necessitem de alvo de Hb entre 8 e 9 g/dL (Ex.: doença coronariana aguda, cardiopatia grave)
Estratégia transfusional restritiva
Transfusão sanguínea realizada se Hb < 7g/dL
Estratégia transfusional liberal
Transfusão sanguínea realizada se Hb < 9 g/dL
A estratégia era mantida por até 28 dias da randomização ou até alta hospitalar (ou morte)
Dosagem de Hb era realizada diariamente de acordo com os protocolos locais de cada centro
O manejo da lesão (TCE, HSA ou Hemorragia intraparenquimatosa) era realizado a critério dos médicos responsáveis, sendo recomendado o uso de diretrizes internacionais.
Primário: proporção de pacientes com desfecho neurológico funcional desfavorável (extended Glasgow Outcome Scale – eGOS, de 1 a 5) em 180 dias
Secundários: sobrevida em 28 dias; tempo de internação hospitalar e tempo de internação em UTI; outras disfunções orgânicas que não disfunção neurológica; infecções; desfecho composto por óbito ou disfunção orgânica
MasculinoFeminino
Estratégia Liberal (N= 397) x Estratégia Restritiva (N= 423)
Média de idade: 52 ±16 x 51 ±16
Sexo masculino: 54,9% x 53,4%
Tipo de lesão cerebral
Trauma: 60,5% x 58,2%
HSA: 21,7% x 24,6%
Hemorragia intraparenquimatosa: 17,9% x 17,3%
Uso prévio de antiagregante: 14,2% x 13,9%
Uso prévio de anticoagulante: 7,6% x 4,8%
Comorbidades
DM: 6,3% x 5,7%
DPOC: 5,3% x 5,2%
Neoplasia metastática: 1,0% x 0%
Neoplasia hematológica: 0,8% x 0,5%
Terapia imunossupressora: 3,3% x 2,6%
IC: 2,0% x 1,6%
Cirrose 1,3% x 0,9%
Exame físico neurológico na admissão
Mediada de ECG inicial: 7 (4-11) x 8 (4-12)
Mediana de ECG motor inicial: 4 (2-5) x 4 (2-5)
Pupilas reativas bilateralmente: 74,7% x 78,2%
Pupila reativa unilateralmente: 10,1% x 10,5%
Pupilas arreativas: 15,2% x 11,2%
Mediana de Hb g/dL na randomização: 8,5 (7,9 – 8,8) x 8,5 (8,0 – 8,8)
Houve uma menor proporção de pacientes com desfecho neurológico desfavorável (eGOS, de 1 a 5) em 180 dias no grupo liberal em comparação ao grupo restritivo: 62,6% x 72,6% (RR 0,86; IC 95% 0,79 a 0,94).
Não houve diferença na mortalidade em 28 dias entre os grupos: 20,7% x 22,5% (RR 0,95; IC 95% 0,74 a 1,22)
Não houve diferença no desfecho composto por óbito e disfunção orgânica em 28 dias entre os grupos: 80,1% x 78,3% (RR 1,03; IC 95% 0,97 a 1,1)
Não houve diferença na incidência de disfunção orgânica (exceto neurológica) entre os grupos: 78,6% x 77,5% (RR 1,03; IC 95% 0,96 a 1,1)
Não houve diferença no tempo de internação em UTI
Não houve diferença no tempo de internação hospitalar
Houve menor incidência de isquemia cerebral no grupo liberal: 8,8% x 13,5% (RR 0,65; IC 95% 0,44 a 0,97)
Não houve diferença na incidência de outros eventos adversos entre os grupos
Em pacientes com lesão cerebral aguda e anemia houve uma menor incidência de desfecho neurológico desfavorável com a adoção de uma estratégia liberal de transfusão sanguínea em comparação à estratégia transfusional liberal.
Ensaio clínico randomizado multicêntrico, internacional, aumentando a validade externa do estudo.
Protocolo de estudo pragmático, garantindo que as práticas clínicas de rotina fossem mantidas durante a execução do estudo, o que aumenta a aplicabilidade dos resultados no dia a dia.
Protocolo bem definido para responder a pergunta do estudo
Ensaio clínico não cego, o que aumenta a possibilidade de viés de performance.
Não foram coletados dados sobre transfusão sanguínea antes da randomização. É possível que alguns pacientes possam ter recebido transfusão antes da randomização.
O estudo incluiu pacientes com diferentes tipos de lesão cerebral aguda. Além disso, mais de 60% dos pacientes incluídos no estudo tiveram lesão cerebral traumática, o que impossibilita uma conclusão sobre o impacto das estratégias transfusionais em cada tipo de lesão cerebral.
Foram randomizados 850 pacientes em 72 UTIs entre 2017 e 2022, o que significa randomização de aproximadamente 2,3 pacientes por UTI em cada ano, uma taxa de randomização muito baixa para a alta prevalência da condição estudada. Isso pode significar viés de seleção.
O tamanho da amostra foi alterado 2 vezes durante o decorrer do estudo devido a baixa taxa de randomização o que mostra um mal dimensionamento da amostra no plano inicial
Não houve padronização quanto à estimativa de prognóstico neurológico, o que pode introduzir viés no estudo, pois a retirada de suporte pode influenciar na taxa de mortalidade.
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/estrategia-transfusional-restritiva-vs-liberal-em-pacientes-com-lesao-cerebral-aguda
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