Estratégia Transfusional Restritiva ou Liberal em Pacientes com Lesão Cerebral Traumática
20 de junho de 2024
8 minutos de leitura
A estratégia transfusional liberal melhora o desfecho neurológico funcional em médio e longo prazo em pacientes com lesão cerebral traumática?
O desenvolvimento de anemia em pacientes críticos, em especial pacientes com lesão cerebral traumática, é muito comum. Níveis baixos de hemoglobina podem reduzir a disponibilidade de oxigênio aos tecidos. No caso do trauma cerebral, a baixa disponibilidade de oxigênio poderia contribuir para piores desfechos neurológicos. Os principais estudos sobre estratégias transfusionais não evidenciaram benefício em mortalidade nas estratégias com alvos de hemoglobina mais elevados. Entretanto, nesses estudos não há inclusão de muitos pacientes com lesão neurológica traumática. Além disso, os desfechos foram focados em mortalidade, o que dificulta uma avaliação do impacto da estratégia transfusional no desfecho neurológico a longo prazo em pacientes com lesão cerebral traumática. Neste contexto, o estudo HEMOTION foi idealizado com o objetivo de avaliar o impacto da estratégia transfusional restritiva no desfecho neurológico funcional a longo prazo em pacientes com lesão cerebral traumática moderada a grave
Ensaio clínico randomizado e pragmático
Multicêntrico, envolvendo 34 hospitais especializados em trauma no Canadá, Reino Unido, França e Brasil
Randomização eletrônica na proporção 1:1 em blocos permutáveis de 4 e 6, e estratificado de acordo com centro
Foi calculada uma amostra de 712 pacientes para um poder estatístico de 80% de detectar uma redução absoluta de 10% no desfecho primário com um alfa de 0,05 considerando que 40% da população no grupo controle apresentaria desfecho neurológico desfavorável em 6 meses. Após uma análise interina, a amostra foi aumentada para 742 pacientes considerando uma taxa de 2% de perda de segmento
Pacientes adultos com trauma cranioencefálico agudo incluídos entre 2017 e 2023
Idade ≥ 18 anos
TCE agudo
Intervalo de tempo < 24h entre a lesão e a primeira avaliação no departamento de emergência
TCE moderado a grave (Escala de Coma de Glasgow – ECG ≤ 12)
Hb ≤ 10 g/dL
Transfusão antes da randomização para o estudo e após a admissão em UTI. Pacientes que receberam transfusão antes da admissão na UTI não foram excluídos
ECG 3 e midríase fixa bilateralmente
Contraindicação ou objeção à transfusão
Critérios para morte encefálica
Sangramento ativo ou choque hemorrágico ameaçador à vida com necessidade de cirurgia de emergência
Decisão de limitação de suporte ou retirada de suporte vital
Estratégia transfusional liberal, objetivando hemoglobina acima de 10,0 g/dL
Estratégia transfusional restritiva, objetivando hemoglobina acima de 7,0 g/dL
Os pacientes receberam concentrado de hemácias leucorreduzidos, 1 unidade de cada vez, até que o alvo de Hb fosse atingido
A estratégia transfusional era seguida até a alta do paciente da UTI
Primário: desfecho neurológico desfavorável em 6 meses, avaliado pela Glasgow Outcome Scale–Extended (GOS-E)
O desfecho neurológico funcional foi avaliado com base em uma dicotomia deslizante da GOS-E de acordo com o prognóstico de cada paciente. Os pacientes foram categorizados em um de três níveis de risco (pior, intermediário ou melhor) e foram considerados com desfecho desfavorável se a pontuação GOS-E em 6 meses fosse menor ou igual a 3, 4 ou 5, respectivamente.
Secundários: avaliação em 6 meses de: mortalidade, avaliação motora e cognitiva avaliada pela escala Functional Independence Measure, Qualidade de vida relacionada à saúde pelo 5Q-5D-5L, Depressão pela PHQ-9, Qualidade de vida pela Qolibri, mortalidade hospitalar, número de unidades de hemácias transfundidos em UTI, infecções, complicações relacionadas à transfusão, duração de ventilação mecânica, tempo de internação em UTI e tempo de internação hospitalar.
MasculinoFeminino
Estratégia liberal (N = 369) x Estratégia conservadora (N= 367)
Idade: 48,9 ± 18,8 x 48,9 ± 19,0
Sexo feminino: 24,1% x 30,5%
Passado médico relevante
Teste qualitativo de drogas positivos: 11,4% x 11,7%
Teste qualitativo de álcool no sangue positivo: 23,6% x 21,5%
ICC: 0,5 % x 1,4%
Cardiomiopatia isquêmica: 5,4% x 6,5%
Lesão traumática cerebral prévia: 15,2% x 12,0%
Anemia crônica: 0,5% x 1,4%
Causa do Trauma
Acidente automobilístico: 15,7% x 19,6%
Acidente com motocicleta, ciclomotor ou bicicleta: 20,3% x 19,3%
Atropelamento: 10,6% x 10,9%
Agressão física: 4,1% x 6,8%
Outros: 49,3% x 43,3%
Avaliação de prognóstico pelo modelo TBI-IMPACT
TCE Moderado: 26,6% x 27,0%
Mediana da ECG motora: 4 (1 – 5) x 4 (1 – 5)
ECG motor 1 – Sem movimento: 26,0% x 32,7%
ECG motor 2 – Descerebração: 6,6% x 5,7%
ECG motor 3 – Decorticação: 10,9% x 7,4%
ECG motor 4 – Flexão normal: 21,6% x 23,4%
ECG motor 5 – Localiza estímulos: 27,0% x 25,3%
ECG motor 6 – Obedece a comandos: 7,9% x 5,4%
Reação pupilar
Nenhuma: 12,4% x 14,1%
Uma pupila: 8,8% x 14,1%
Ambas: 78,7% x 71,8%
Hipotensão: 22,7% x 28,8%
Hipoxemia: 25,8% x 26,6%
Escala de Marshall – TC
I: 1,4% x 3,3%
II: 50,9% x 52,3%
III ou IV: 10,6% x 11,2%
V ou VI: 37,1% x 33,2%
HSA traumática: 87,8% x 88,3%
Hematoma epidural: 17,6% x 18,3%
Hb g/dL: 13,3 ± 1,8 x 13,1 ± 1,7
Hb g/dL na randomização: 9,1 ± 0,8 x 9,1 ± 0,8
Probabilidade de desfecho desfavorável em 6 meses TBI-IMPACT: 0,54 ± 0,23 x 0,55 ± 0,22
Não houve diferença na incidência de desfecho neurológico desfavorável em 6 meses entre o grupo de estratégia transfusional liberal e grupo conservador, sendo de 68,4% vs. 73,5%, respectivamente (RR 0,93; IC 95% 0,83 a 1,04)
Não houve diferença na mortalidade em 6 meses entre os grupos, sendo de 26,8% x 26,3% no grupo liberal e conservador, respectivamente (RR 1,01; IC95% 0,76 a 1,35)
Não houve diferença na mortalidade em UTI entre os grupos: 17,1% x 15,3%; (RR 1,13; IC 95% 0,7 a 1,6)
Não houve diferença na mortalidade hospitalar entre os grupos: 23,0% x 21,5%; (RR 1,07; IC95% 0,78 a 1,47)
Houve maior independência motora e cognitiva avaliada pela Functional Independence Measure no grupo liberal: 119 (95-125) x 115 (76-124); DM 4,3; IC95% 0,2 a 8,45).
Houve melhor qualidade de vida pelo 5Q-5D-5L no grupo liberal: 0,74 (0,45-0,74) x 0,64 (0,33-0,82); (DM 0,06; IC 95% 0,01 a 0,1)
Não houve diferença na qualidade de vida pela Qolibri: 6 (45-80) x 56 (39-77); (DM 3,7; IC 95% -1,1 a 8,5)
Não houve diferença na incidência de depressão pela escala PHQ-9 entre os grupos: 7 (3-13) x 8 (3-14); (DM 0,51; IC 95% -1,9 a 0,9)
Em pacientes com lesão cerebral traumática precoce, a estratégia transfusional liberal não reduz desfecho neurológico funcional desfavorável em comparação à estratégia transfusional restritiva
Ensaio clínico randomizado e multicêntrico, aumentando a validade externa dos dados obtidos
Desfecho primário clinicamente relevante
Protocolo do estudo de fácil execução
Houve baixa taxa de perda de dados e alta adesão
Houve desequilíbrio entre os grupos, principalmente nos componentes do escore TBI-IMPACT. Esse desequilíbrio pode sugerir viés de seleção. Pode também interferir no resultado do estudo pois esse desequilíbrio sugere uma maior gravidade dos pacientes do grupo conservador.
Estudo aberto, o que pode aumentar o risco de viés de performance e observação
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/estrategia-transfusional-restritiva-ou-liberal-em-pacientes-com-lesao-cerebral-traumatica
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