Ensaio Clínico Randomizado de Fase 2 de Survodutida em MASH e Fibrose
21 de novembro de 2024
7 minutos de leitura
Gabriel Ibrahim Borba Carneiro
Survodutida em múltiplas doses é seguro e eficaz em pacientes com esteato-hepatite associada a disfunção metabólica e fibrose hepática?
Esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (MASH) é uma comorbidade com prevalência ascendente na população mundial, que acarreta aumento em morbimortalidade. Considerando tratamentos-alvo para a condição, o arsenal ainda é restrito. Os agonistas do receptor do peptídeo glucagon-like (GLP-1) são um alvo terapêutico plausível no controle de MASH – contudo, tais receptores são escassos em hepatócitos, limitando sua ação em monoterapia. O duplo agonismo de GLP-1 e receptor de glucagon pode ser mais efetivo do que o agonismo único, combinando os efeitos extra-hepáticos do GLP-1 (perda ponderal, controle glicêmico e do apetite) com os hepáticos diretos do receptor de glucagon (gasto energético, lipólise, mobilização de gordura hepática). Assim, o presente estudo teve o objetivo de avaliar a eficácia e segurança do uso da Survodutida (agonista dual) em pacientes com MASH e fibrose hepática.
Ensaio clínico randomizado fase 2
Multicêntrico (155 centros, 25 países)
Duplo cego, controlado por placebo
Randomização na proporção de 1:1:1:1 entre placebo : survodutida 2,4mg : 4,8mg : 6,0mg, com estratificação de acordo com a presença (ou não) de DM2. Estudo composto de duas fases. A primeira com duração de 24 semanas com escalonamento rápido de dose. A segunda com duração de 24 meses com manutenção da droga
Estimado que uma amostra total de 240 participantes (60 por grupo) seria capaz de demonstrar uma diferença de 25% na resposta entre a droga e o placebo, assumindo um efeito linear entre dose e resposta
Financiado pela indústria (Boehringer Ingelheim)
Pacientes com MASH e fibrose hepática diagnosticadas incluídos entre 2021 e 2023
Idade ≥ 18 anos (ou idade legal), até 80 anos
IMC ≥ 25 e peso ≥70 kg
MASH diagnosticada* e confirmada por biópsia hepática
Critérios diagnósticos para MASH:
Escore de atividade NAFLD ≥ 4 (0 a 8), com ao menos 1 ponto para inflamação lobular e 1 ponto para balonização de hepatócitos
Inflamação (0 a 3) + esteatose (0 a 3) + balonização (0 a 2)
Fibrose F1 – F3
Adicionais: peso corporal estável (< 5% entre biópsia e randomização), gordura hepática > 8% em ressonância magnética com avaliação fracionada em gordura (MRI-PDFF), rigidez hepática > 6.0 kPa em elastografia
Consumo significativo de álcool, atual ou prévio
Uso de medicamentos associados a lesão hepática, esteatose hepática ou esteatohepatite nas 12 semanas anteriores ao rastreamento
História de hepatopatias crônicas: hepatites virais, autoimune, colangite biliar primária
Doenças crônicas descompensadas
Suspeita, diagnóstico ou histórico de neoplasias nos últimos 5 anos
Comorbidades crônicas descompensadas
Survodutida SC semanal nas doses: 2,4 mg, 4,8 mg, 6,0 mg
Placebo em posologia equivalente
Ajuste de dose (redução) era permitida 2 vezes, 1 em cada fase da intervenção, com randomização cega
Mudanças no estilo de vida e manejo de comorbidades coexistentes conforme preconizado nas guidelines internacionais
Rastreamento ou biópsia hepática dentro de 6 meses antes da randomização foi utilizada como ponto de partida para variáveis histológicas
MRI-PDFF analisado no rastreamento, na semana 28 e ao final do tratamento
Primário: melhora histológica após 48 semanas de tratamento
Definida como: queda NAFLD score ≥ 2, sendo ≥ 1 em inflamação ou balonização); sem piora da fibrose
Secundários: redução conteúdo gorduroso (MRI-PDFF) ≥ 30%; melhora da fibrose em biópsia ≥ 1; mudança absoluta do NAFLD escore; melhora da fibrose sem piora da MASH; resolução de MASH [definida por: ausência de balonização (escore 0), ausência ou inflamação leve (escore de 0 ou 1), e possível esteatose (escore de 0 a 3), sem piora da fibrose após 48 semanas de tratamento, comprovada por biópsia hepática]
MasculinoFeminino
Survodutida 2,4mg (N=73) x 4,8mg (N=72) X 6,0mg (N=74) x Placebo (N=74)
Idade em anos: 49,6 x 50,2 x 50,4 x 53,0
Peso em kg: 101,44 x 99,95 x 103,87 x 98,09
Circunferência abdominal em cm: 113,10 x 112,09 x 116,99 x 113,02
IMC: 35,30 x 35,00 x 37,42 x 35,49
DM2: 38% x 36% x 41% x 39%
HbA1c: 6,90% x 6,90% x 6,92% x 7,08%
PA sistólica (mmHg): 128,8 x 132,4 x 127,0 x 129,4
PA diastólica (mmHg): 80,4 x 81,8 x 79,4 x 81,2
ALT em U/L: 59,4 x 59,6 x 54,9 x 57,3
AST em U/L: 47,4 x 44,8 x 45,6 x 51,3
Escore NAFLD
Subescore para esteatose:
0: 0 x 0 x 0 x 0
1: 8% x 0% x 1% x 4%
2: 52% x 53% x 66% x 58%
3: 40% x 47% x 32% x 38%
Estágio de fibrose hepática:
F1A: 0% x 4% x 4% x 3%
F1B: 23% x 10% x 19% x 12%
F1C 4% x 4% x 8% x 4%
F2: 41% x 50% x 32% x 41%
F3: 32% x 32% x 36% x 41%
Melhora de MASH sem piora da fibrose ocorreu em 47% (IC 95% 36 – 58%) com survodutida 2,4 mg, 62% (IC 95% 51 – 73%) com 4,8 mg, 43% (IC 95% 33 – 55) com 6,0 mg, e 14% (IC 95% 8 – 23%) com placebo.
Melhora da fibrose ocorreu em 34% no grupo survodutida 2,4 mg, 36% com 4,8 mg, e 34% com 6.0 mg e em 22% com placebo
Queda absoluta no NAFLD escore foi de: − 3,3 no grupo survodutida 6,0 mg, comparado a – 0,2 no grupo placebo
Queda ≥ 30% em conteúdo hepático gorduroso (MRI-PDFF) ocorreu em 63% dos participantes no grupo survodutida 2,4 mg, 67% em 4,8 mg, e 57% em 6,0 mg, comparado com 14% do grupo placebo
Melhora da fibrose sem piora da MASH foi observada em 32% dos participantes no grupo survodutida 6,0 mg, comparado com 18% do grupo placebo
Resolução de MASH ocorreu em 49% dos participantes no grupo survodutida 6,0 mg, em comparação a 11% no grupo placebo
A survodutida foi associada a uma redução absoluta de -38,5 U/l em ALT e -32,2 U/l em AST, em comparação a -5,7 U/l -2,4 U/l no grupo placebo
Em análises com biópsia pareada:
Melhora de MASH sem piora de fibrose ocorreu em até 83% com survodutida vs 18% no grupo placebo
Melhora da fibrose ocorreu em 52% com survodutida e 26% com placebo
Melhora da fibrose sem piora de MASH ocorreu em 50% com survodutida e 21% com placebo
Resolução de MASH ocorreu em 75% com survodutida e 15% com placebo
Efeitos adversos foram relatados em 95% dos pacientes recebendo survodutida e 92% recebendo placebo. Os mais comuns eram distúrbios gastrointestinais: náuseas, vômitos e diarreia, todos mais frequentes nos grupos com survodutida
Descontinuidade por eventos adversos ocorreu em 20% dos participantes entre todos os grupos com survodutida e 3% no grupo placebo
Hipoglicemia ocorreu em 5% dos participantes em uso de survodutida e 3% no grupo placebo.
Os resultados deste estudo de fase 2 reforçam que a Survodutida é um potencial tratamento para pacientes com MASH e fibrose hepática.
Multicêntrico, permitindo maior validade externa dos resultados
Randomização proporcional entre as intervenções, com amostra relativamente homogênea para uma comparação mais eficiente.
Alta adesão dos participantes
Múltiplos parâmetros objetivos de comprovação da resposta clínica entre grupos, incluindo histológicos, radiológicos e laboratoriais
Critérios de exclusão minuciosamente delimitados promovendo redução de fatores confusionais e atribuições causais equivocadas
Publicação (em seu apêndice complementar) de resultados ajustados para “tratamento atual” (ou seja, após mudança de grupo por autoajuste de dose durante seguimento), com maior evidência de efeito dose-dependente
Dados faltantes que impediam a avaliação de resposta ao final do tratamento eram imputados na análise como “não respondedores”, permitindo inferir um impacto numericamente ainda maior do que o apresentado no estudo
Estudo de fase 2, ainda necessitando de estudos de maior peso científico para delimitar sua aplicabilidade e comercialização do fármaco.
Comparação de efeitos em ambiente controlado, inviabilizando efeitos “de vida real” nos pacientes
Maioria dos participantes de etnia caucasiana, reduzindo aplicabilidade para demais populações
Participação bastante ativa da indústria patrocinadora em todas as etapas do estudo. Ficou de responsabilidade da indústria o desenho do estudo, coleta dos dados, realização das análises e participação na escrita do texto final
Autor do conteúdo
Andressa Leitao
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/ensaio-clinico-randomizado-de-fase-2-de-survodutida-em-mash-e-fibrose
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