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    Efeitos do Controle Glicêmico Intensivo com Metformina em Complicações em Pacientes com Sobrepeso e Diabetes tipo 2

    06 de agosto de 2024

    9 minutos de leitura

    Pergunta:

    • O uso de metformina em pacientes com diabetes tipo 2 leva à redução de complicações crônicas e mortalidade comparado à dieta e outras medicações (clorpropamida, glibenclamida ou insulina)? 

    Background:

    • O UKPDS (UK Prospective Diabetes Study) foi uma série de estudos realizados no Reino Unido entre as décadas de 1970 e 1990, com o objetivo de avaliar se o controle glicêmico intensivo no diabetes tipo 2 reduzia o risco de complicações micro e macrovasculares, além de investigar se alguma medicação específica apresentava benefícios adicionais. A metformina é uma biguanida que reduz a glicemia por diferentes mecanismos, aumentando a sensibilidade à insulina. O estudo UKPDS 34 buscou avaliar se o controle glicêmico intensivo com metformina apresenta vantagens em relação ao tratamento convencional com dieta ou com o uso de outras medicações. 

    Desenho do Estudo:

    • Ensaio clínico randomizado

    • Multicêntrico (15 centros no Reino Unido)

    • Aberto 

    • Não foi utilizado placebo 

    • Duas análises distintas dentro do mesmo ensaio clínico:

      • Estudo 1: controle glicêmico com tratamento convencional (dieta), tratamento intensivo com metformina ou tratamento intensivo com outras medicações (clorpropamida, glibenclamida ou insulina)

      • Estudo 2: tratamento com sulfonilureia isolada ou com a adição de metformina

    • Randomização realizada por um computador, com alocação das terapias em envelopes que foram abertos em sequência. A sequência numérica dos envelopes, a data de abertura e a terapia estipulada foram monitoradas. 

    População:

    • Pacientes adultos com diagnóstico recente de diabetes tipo 2, incluídos entre 1977 e 1991  

    Critérios de Inclusão:

    • Idade entre 25 e 65 anos

    • Diagnóstico recente de diabetes mellitus tipo 2, com glicemia de jejum > 106 mg/dL em duas ocasiões, persistente após 3 meses de mudanças de estilo de vida e restrição calórica (em caso de sobrepeso/obesidade)

    • Ausência de sintomas de hiperglicemia (polidipsia e poliúria)

    • Estudo 1:

      • Sobrepeso/obesidade (> 120% do peso ideal) 

    • Estudo 2:

      • Pacientes com ou sem sobrepeso 

      • Pacientes inicialmente randomizados para o grupo de sulfonilureia, em uso de doses máximas e com glicemia entre 110 - 270 mg/dL 

    Critérios de Exclusão:

    • Cetonúria > 3 mmol/L 

    • Creatinina > 1,98 mg/dL 

    • Infarto do miocárdio no último ano 

    • Angina ou insuficiência cardíaca 

    • História prévia de mais de um evento cardiovascular prévio

    • Retinopatia com necessidade de tratamento com laser

    • Hipertensão maligna 

    • Doença severa com limitação de expectativa de vida ou necessidade de tratamento sistêmico extenso 

    • Doença endocrinológica não tratada 

    • Falta de entendimento adequado

    Intervenções:

    • Estudo 1: metformina via oral ou outras medicações (insulina, clorpropamida, glibenclamida)

      • Metformina com dose inicial de 850 mg/dia e aumento progressivo até a dose máxima de 2.550 mg/dia, conforme tolerância.

        • Alvo de glicemia < 106 mg/dL

        • Em caso de hiperglicemia marcada (> 270 mg/dL),  era adicionada glibenclamida. Se a hiperglicemia persistisse, troca para insulina.

      • Insulina ultralenta subcutânea, com ajustes conforme a glicemia de jejum e peso, e adição de insulina rápida conforme as glicemias pré-prandiais.

      • Clorpropamida dose máxima de 500 mg/dia.

      • Glibenclamida dose máxima de 10 mg 2x/dia.

    • Estudo 2: sulfonilureia em combinação com metformina

    • Acréscimo de metformina ao tratamento com sulfonilureia em dose máxima.

    • Em caso de hiperglicemia persistente, troca para insulina.

    Controles:

    • Estudo 1: orientações alimentares, orientação para perda de peso e retorno trimestral

    • Estudo 2: sulfonilureia isolada

    Desfechos:

    • Primários: desfechos clínicos relacionados ao diabetes: morte súbita, morte por hiper ou hipoglicemia, IAM fatal ou não-fatal, angina, insuficiência cardíaca, AVC, insuficiência renal, amputação, hemorragia vítrea, retinopatia com necessidade de fotocoagulação, cegueira em um olho ou cirurgia para catarata

      • Mortalidade relacionada ao diabetes: morte por IAM, AVC, doença arterial periférica, doença renal, hipoglicemia, hiperglicemia ou morte súbita

      • Mortalidade por todas as causas

    • Secundários: 

      • Infarto do miocárdio (fatal, não-fatal e morte súbita); acidente vascular cerebral (fatal e não fatal); amputação (de pelo menos 1 dedo) ou morte por doença vascular periférica; complicações microvasculares (retinopatia com necessidade de fotocoagulação, hemorragia vítrea, doença renal fatal ou não fatal). 

    Características dos Pacientes:

    • Estudo 1 (Tratamento convencional vs. Metformina vs. Outras medicações)

      • N = 1.704

      • Tratamento com dieta N = 411 (24%)

        • Idade média (anos): 53 ± 9 

        • Sexo masculino: 47%

        • Etnicidade branca: 86%

        • IMC médio (kg/m²): 31,8

        • Pressão Arterial: 140/86 mmHg 

        • Tabagistas: 25%

        • Glicose jejum: 145 mg/dL

        • HbA1c: 7,1% 

      • Tratamento com Metformina N = 342 (20%)

        • Idade média (anos): 53 ± 8 

        • Sexo masculino: 46%

        • Etnicidade branca: 85%

        • IMC médio (kg/m²): 31,6

        • Pressão Arterial: 140/85 mmHg 

        • Tabagistas: 25%

        • Glicose jejum: 146 mg/dL

        • HbA1c: 7,3%

      • Tratamento com Clorpropamida N = 265 (16%)

        • Idade média (anos): 53 ± 9 

        • Sexo masculino: 45%

        • Etnicidade branca: 86%

        • IMC médio (kg/m²): 31,2

        • Pressão Arterial: 141/86 mmHg 

        • Tabagistas: 32%

        • Glicose jejum: 145 mg/dL

        • HbA1c: 7,2%

      • Tratamento com Glibenclamida N = 277 (16%) 

        • Idade média (anos): 53 ± 9 

        • Sexo masculino: 46%

        • Etnicidade branca: 87%

        • IMC médio (kg/m²): 31,5

        • Pressão Arterial: 139/85 mmHg 

        • Tabagistas: 31%

        • Glicose jejum: 148 mg/dL

        • HbA1c: 7,2%

      • Tratamento com Insulina N = 409 (24%)

        • Idade média (anos): 53 ± 8 

        • Sexo masculino: 47%

        • Etnicidade branca: 88%

        • IMC médio (kg/m²): 31,0

        • Pressão Arterial: 139/85 mmHg 

        • Tabagistas: 39%

        • Glicose jejum: 148 mg/dL

        • HbA1c: 7,2%

      • Seguimento médio de 10,7 anos 

    • Estudo 2 (Sulfonilureia isolada vs. Sulfonilureia + Metformina) 

      • N = 537 

      • Tratamento com sulfonilureia isolada N = 268

        • Idade média (anos): 58 ± 9 

        • Sexo masculino: 61%

        • Etnicidade branca: 77%

        • IMC médio (kg/m²): 29,4

        • Pressão Arterial: 138/81 mmHg 

        • Tabagistas: 29%

        • Glicose jejum: 165 mg/dL

        • HbA1c: 7,6%

      • Tratamento com Sulfonilureia + Metformina N = 269

        • Idade média (anos): 59 ± 8 

        • Sexo masculino: 59%

        • Etnicidade branca: 77%

        • IMC médio (kg/m²): 29,7

        • Pressão Arterial: 140/83 mmHg 

        • Tabagistas: 24%

        • Glicose jejum: 162 mg/dL

        • HbA1c: 7,5%

      • Seguimento médio da randomização inicial por 7,1 anos e após a segunda randomização por mais 6,6 anos 

    Resultados:

    • Estudo 1

      • Após 10 anos de seguimento, a Hb1Ac foi de 7,4% no grupo da metformina (dose média 2.550 mg/dia) e 8,0% no grupo de tratamento convencional. Pacientes dos grupos de sulfonilureia ou insulina apresentaram Hb1Ac semelhante ao grupo metformina 

      • Pacientes com controle glicêmico intensivo com metformina tiveram 32% menos risco de desenvolver o desfecho primário relacionado ao diabetes (incluindo complicações micro e macrovasculares) do que o grupo controle com tratamento convencional com dieta (IC 95% 0,58 a 0,87; p = 0,0023). Essa redução de risco foi maior no grupo metformina do que os grupos de sulfonilureia ou insulina (29,8 vs 40,1 eventos por 1.000 pacientes/ano, p = 0,0034) 

      • O grupo de tratamento intensivo com metformina teve um risco 42% menor de morte relacionada ao diabetes do que o grupo tratamento convencional (RR 0,58, IC 95% 0,37 - 0,91), sem diferenças do grupo metformina em relação aos grupos sulfonilureia ou insulina (7,5 vs 10,3 eventos por 1.000 pacientes/ano, p = 0,11).

      • O grupo de tratamento intensivo com metformina teve um risco 36% menor de morte por todas as causas do que o grupo tratamento convencional  (IC 95% 0,45 a 0,91; p = 0,011). Essa redução de risco foi maior no grupo metformina do que os grupos de sulfonilureia ou insulina (13,5 vs 18,9 eventos por 1.000 pacientes/ano, p = 0,021)

      • Houve uma redução de 39% do risco de infarto do miocárdio no grupo em uso de metformina relacionado ao tratamento convencional (sem diferença em relação a outras terapias) 

      • O uso de metformina reduziu o risco em 30% de todos os eventos macrovasculares combinados em relação ao tratamento convencional (IC 95% 5 a 48, p = 0,020)

      • A mudança de peso foi semelhante entre o grupo de tratamento convencional e metformina e menor que o aumento de peso observado em pacientes com tratamento com sulfonilureia ou insulina 

      • Do grupo de tratamento convencional (dieta), 83% fizeram crossover para metformina 

      • A proporção de pacientes que tiveram episódios de hipoglicemias graves foi 0,7% no grupo convencional, 1,2% no grupo clorpropamida, 1,0% no grupo glibenclamida, 2,0% no grupo insulina e 0,6% no grupo metformina

      • O grupo metformina teve uma taxa mais lenta de progressão da retinopatia em relação ao grupo de tratamento convencional após 9 anos, com significância borderline (p = 0,044). Não houve diferença após 12 anos 

      • Não houve diferença entre os grupos (convencional, metformina ou outras drogas) em relação a proporção de pacientes com albuminúria > 50 mg/L 

      • Não houve nenhum óbito por acidose láctica

    • Estudo 2

      • Após 4 anos de seguimento, a Hb1Ac média do grupo que adicionou metformina era de 7,7%, comparado com 8,2% no grupo com sulfonilureia isolada. Não houve diferença de peso entre os grupos 

      • O acréscimo de metformina à sulfonilureia foi associado com um aumento do risco de 96% de morte relacionada ao diabetes (IC 95% 1,02 a 3,75;  p = 0,039), e aumento do risco de morte por qualquer causa em 60% (IC 95% 1,02 a 2,52; p = 0,041) 

      • Não houve diferença entre os grupos nos demais desfechos 

    • Análise combinada dos dois estudos demonstrou uma redução de 12% do risco de qualquer desfecho relacionado ao diabetes com o uso de metformina em relação ao tratamento convencional (p=0,033)

    Conclusões:

    • O uso de metformina em pacientes com sobrepeso e diagnóstico recente de DM2 possui benefícios como primeira linha de tratamento, com redução de complicações relacionadas ao DM e mortalidade. A associação de metformina em pacientes já em uso de sulfonilureia necessita de mais estudos.

    Pontos Fortes:

    • Estudo multicêntrico: conduzido em vários centros, aumentando a validade externa dos resultados, embora realizado apenas em um país.

    • Número adequado de participantes: amostra grande, que aumenta a robustez dos achados.

    • Comparação abrangente: comparou a metformina com o tratamento convencional com dieta e também com outras medicações, incluindo insulina.

    • Acompanhamento prolongado: seguimento de mais de 10 anos, permitindo avaliar os efeitos a longo prazo dos tratamentos.

    • Análise por intenção de tratar: reflete uma abordagem prática e realista, compatível com a vida real, garantindo que todos os participantes sejam considerados na análise final, independentemente do cumprimento do protocolo.

    Pontos Fracos:

    • Ensaio aberto e sem uso de placebo: pode introduzir vieses de observação e performance, dificultando a distinção clara entre os efeitos do tratamento e outros fatores.

    • População predominantemente branca: limita a generalização dos resultados para outras etnias.

    • Diferença entre populações dos dois Estudos: pacientes tratados com sulfonilureia eram mais velhos, tinham glicemia mais alta, menos sobrepeso e follow-up menor, o que pode introduzir viés de seleção.

    • Número pequeno de eventos nos desfechos de mortalidade do estudo 2: leva a intervalos de confiança amplos, reduzindo a precisão das estimativas de risco.


    Autor do conteúdo

    Bibiana Boger


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/efeitos-do-controle-glicemico-intensivo-com-metformina-em-complicacoes-em-pacientes-com-sobrepeso-e-diabetes-tipo-2


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