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    Efeito do Pacote de 1 Hora na Mortalidade de Pacientes com Suspeita de Sepse no Departamento de Emergência

    10 de outubro de 2024

    8 minutos de leitura

    Pergunta:

    • A implementação de um pacote de 1 hora, que inclui a medida do lactato, a coleta de culturas, a antibioticoterapia de amplo espectro e a expansão volêmica, resulta em melhores desfechos para pacientes admitidos na emergência com suspeita de sepse?

    Background:

    • A sepse, caracterizada por uma resposta imune desregulada à infecção que resulta em disfunção orgânica, é um problema de saúde pública que afeta cerca de 50 milhões de pessoas e contribui para cerca de 11 milhões de óbitos anualmente. O manejo precoce desta condição, por meio da coleta de culturas, antibioticoterapia, controle do foco infeccioso e suporte hemodinâmico, tem o potencial de reduzir a morbimortalidade associada à sepse, sendo recomendado pelas principais diretrizes (incluindo o Surviving Sepsis Campaign). Contudo, na atualização de 2018 desta diretriz, surgiu a recomendação de iniciar o tratamento antimicrobiano (em conjunto com outras intervenções) no máximo 1 hora após a suspeita de sepse (o chamado bundle de 1 hora), o que gera preocupação, uma vez que se trata de uma condição complexa, em que muitas vezes é difícil obter uma confirmação diagnóstica dentro de um intervalo de tempo tão curto. O bundle de 1 hora gera o risco de expor um número significativo de pacientes sem infecção a antibióticos de amplo espectro, além de desviar a atenção do diagnóstico correto. Além disso, nenhum estudo randomizado prévio havia sido realizado para avaliar a eficácia desta intervenção. Diante de todo o debate gerado pela diretriz de 2018, a atualização de 2021 modificou o bundle, estendendo o prazo de uma para três horas. Considerando essa lacuna na literatura, foi realizado o estudo 1BED para avaliar o impacto de um pacote de intervenções em 1 hora no desfecho de pacientes com suspeita de sepse.   

    Desenho do Estudo:

    • Ensaio clínico randomizado

    • Multicêntrico (20 departamentos de emergência na França e 3 na Espanha)

    • Estudo com clusters em progressão escalonada (stepped-wedge)

    • Não cego

    • Foi calculado que uma amostra de 1.148 pacientes seria necessária para alcançar 80% de poder na demonstração de uma diferença relativa de 38% entre os grupos (de 25% para 15,5%), com um erro alfa de 5%, considerando ainda uma correlação intracluster de 0,018 e 10% de perdas de seguimento

    População:

    • Pacientes com suspeita de sepse no departamento de emergência, incluídos entre 2022 e 2023

    Critérios de Inclusão:

    • Idade≥18 anos

    • Há menos de 6 horas no departamento de emergência

    • Suspeita de infecção

    • Pelo menos 1 critério de gravidade:

      • Lactato sérico > 2 mmol/L

      • Pontuação no quickSOFA ≥ 2

      • Pressão sistólica < 90 mmHg

      • Pontuação ≥2 na escala SOFA 

    Principais Critérios de Exclusão:

    • Suspeita de insuficiência cardíaca

    • Pacientes vivendo em casas de repouso ou centros voltados para cuidados paliativos

    • Expectativa de vida abaixo de 3 meses

    • Prisioneiros ou pacientes sob proteção legal

    • Não ter seguro social

    • Gestantes ou lactantes

    Intervenção:

    • Realização do Bundle de 1 hora 

      • Coleta de culturas, medida do lactato, início de antibioticoterapia de amplo espectro e expansão volêmica com 30 ml/kg de cristaloides, em caso de sinais de hipotensão ou má perfusão periférica

    Controle:

    • Cuidado usual

    Outros Tratamentos:

    • Antes do estudo, todos os centros foram apresentados às diretrizes de 2021 do Surviving Sepsis Campaign.

    • O estudo foi um stepped-wedge cluster randomized controlled trial. Nesse tipo de formato, todos os grupos iniciam no grupo controle e, ao longo do estudo, os clusters são randomizados para iniciar a intervenção, de modo que, ao final, todos os centros estejam aplicando a intervenção. 

    • Todos os centros iniciaram com um período de 4 semanas no grupo controle. Posteriormente, a cada 4 semanas, dois centros passavam para o grupo intervenção. Após a transição do último centro para o grupo intervenção, todos os centros permaneceram aplicando a intervenção por mais 16 semanas. 

    Desfechos:

    • Primário: mortalidade hospitalar em 28 dias

    • Secundários: quantidade de fluídos administrada em 24h, falência cardíaca aguda em 24h, pontuação na escala SOFA em 72h, tempo de permanência na UTI, número de dias com ventilação mecânica, número de dias com terapia de substituição renal, número de dias livres de vasopressor, administração desnecessária de antimicrobianos em 28 dias. 

    Características dos pacientes:

     

    Masculino (58% Masculino)Feminino (42% Feminino)
    Masculino
    Feminino

     

    • Intervenção (N=387) x Controle (N=485)

    • Idade: 66,6 x 66,0 anos

    • Sexo feminino: 39,8% x 42,9%

    • PA sistólica: 102,9 x 102,6 mmHg

    • Frequência cardíaca: 104,6 x 103,4 bpm

    • Temperatura: 37,7 x 37,6 ºC

    • Lactato sérico: 2,4 x 2,5 mmol/L

    • SOFA mediano: 3 x 3 

    • Quanto ao tratamento recebido na emergência, houve uma proporção maior de pacientes que receberam antimicrobianos (96,1% x 89,1%) e expansão volêmica (90,3% x 84,1%) no grupo intervenção. 

    • O tempo até a administração de antimicrobianos foi significativamente menor (40 x 113 minutos) no grupo intervenção. 

    Resultados:

    • Não houve diferença significativa na mortalidade entre os grupos em 28 dias

    • A mortalidade hospitalar foi de 12,1% no grupo intervenção e 12,6% no grupo controle (risco relativo ajustado de RR 0,81; IC 95% 0,48 a 1,39; P = 0,41)

     

    
    

     

    • Não houve diferenças entre os grupos em relação aos desfechos secundários. Abaixo seguem os desfechos mais relevantes:

      • Intervenção x Controle

      • Fluídos em 24h: 2000 x 1600 ml (mediana)

      • SOFA em 72h: 2 x 1 (mediana)

      • Uso desnecessário de antibióticos: 17,4% x 19,5%

      • Uso de ventilação mecânica: 14% x 12,9%

      • Uso de vasopressores: 21,7% x 17,7%

    Conclusões:

    • Em pacientes com suspeita de sepse no departamento de emergência, a implementação de um pacote de 1 hora (envolvendo coleta de culturas e lactato, antibioticoterapia de amplo espectro e expansão volêmica) não foi associada a uma menor mortalidade hospitalar.

    Pontos Fortes:

    • Estudo multicêntrico e randomizado

    • Estudo pragmático

    • Pergunta extremamente relevante para a prática diária

    Pontos Fracos:

    • Estudo não cego, o que pode introduzir viés de performance. Menor risco de viés de aferição, considerando que se trata de um desfecho duro (morte)

    • Amostra final abaixo do esperado, e esse fator, somado ao cálculo amostral muito otimista (mais de 7% de redução absoluta na mortalidade), reduz o poder do estudo para demonstrar diferenças menores no desfecho primário.

    • O grupo controle era instruído a seguir as diretrizes de 2021 do Surviving Sepsis Campaign, que também recomendam intervenções precoces, incluindo uso de antimicrobianos precoce. Assim, a separação fisiológica entre os grupos, embora presente, provavelmente foi menor do que o esperado em um cenário de vida real


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/efeito-do-pacote-de-1-hora-na-mortalidade-de-pacientes-com-suspeita-de-sepse-no-departamento-de-emergencia


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