Efeito de uma Intervenção de Melhoria da Qualidade com Checklist Diário, Estabelecimento de Metas e Incentivos aos Profissionais de Saúde na Mortalidade de Pacientes Críticos
04 de junho de 2024
8 minutos de leitura
A implementação de uma intervenção de qualidade com checklist diário, metas de cuidado e estímulo à equipe reduz a mortalidade hospitalar dos pacientes em 60 dias?
Os checklists são ferramentas cujo objetivo é evitar a omissão de componentes essenciais do cuidado. No ambiente de terapia intensiva, seu uso associa-se a melhor aderência a protocolos e redução de eventos indesejados como infecção de corrente sanguínea associado a cateter e extubação precoce. Os checklists associados a metas terapêuticas diárias e incentivo ao profissional da saúde podem melhorar a comunicação, adesão aos planos de cuidado e resultados clínicos, entretanto, as evidências que suportam essa estratégia são advindas de estudos de antes e depois, e estudos conduzidos em países desenvolvidos. Nos países subdesenvolvidos, as equipes tendem a operar sob uma linha de cuidado com hierarquia vertical, uma cultura que contribui para um pior clima de trabalho menor segurança, o que talvez justifique os piores resultados ajustados pela gravidade em comparação aos países desenvolvidos. Os checklists lidos em voz alta pelos membros da equipe tem conseguido reduzir a hierarquia em vários contextos. Dessa forma foi hipotetizado que tal abordagem poderia melhorar o clima de trabalho, processos de cuidado e mortalidade nas UTIs brasileiras. Assim, o CHECKLIST-ICU trial, um ensaio clínico randomizado, foi conduzido com o objetivo de avaliar o efeito de uma intervenção multifacetada de melhoria de qualidade e seu impacto na mortalidade de pacientes críticos.
Estudo realizado em duas fases
Fase 1: observacional, com o objetivo de avaliar dados iniciais sobre o clima de trabalho, processos de cuidados e resultados clínicos basais
Fase 2: fase randomizada para implementação de intervenção multifacetada de melhoria da qualidade ou manter o cuidado padrão
As UTIs que completassem a coleta de dados na fase observacional (inclusão de ≥30 pacientes em 6 meses e coleta do Questionário de Atitudes de Segurança [SAQ] de >75% de sua equipe) eram randomizadas na fase 2
Estudo aberto, com randomização das UTIs em blocos de 4
Estratificado de acordo com a mediana hospitalar de mortalidade baseada na fase observacional
Considerando uma mortalidade estimada em 30%, foi calculada uma amostra de 102 UTIs com uma média de 50 pacientes por unidade para um poder estatístico de 90% e um alfa de 0,05 para a detecção de uma redução de mortalidade absoluta de 6%
Pacientes internados em UTI avaliados entre 2013 e 2014
UTIs adultas de todas as regiões do Brasil
UTI pediátrica
UTI cardíaca
Unidade de cuidados intermediários
Unidades que não implementaram ou não implementariam rondas diárias multidisciplinares
UTIs que já utilizavam checklist durante as rondas
Visitas multidisciplinares com checklist diário
Checklist de verificação, discussão de metas de cuidados e incentivo aos profissionais para garantir o seguimento e adesão às metas de cuidados para todos os pacientes da unidade
As modificações focaram em 11 processos de cuidado, visando prevenção de tromboembolismo venoso (TEV), pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), infecção de corrente sanguínea (ICS) relacionada a cateter, infecção de trato urinário (ITU), melhoria na nutrição, analgesia, redução da sedação, extubação, detecção de sepse, detecção de ARDS, redução do volume corrente e otimização de antibióticos
Nas rondas diárias o checklist era lido em voz alta pela equipe de enfermagem e respondido pelos participantes da ronda, como forma de empoderamento de todos os membros da equipe, e as metas diárias registradas em formulário padronizado e posteriormente lido em voz alta para a equipe
No período da tarde um enfermeiro revisava as metas diárias e alertava a equipe médica quanto havia pendências
Cuidado padrão
Em ambas as fases, eram analisados dados de 40 a 60 pacientes consecutivos com 18 anos ou mais, com uma permanência na UTI superior a 48 horas
Pacientes com alta probabilidade de óbito precoce, entre 48 e 72h de internação na UTI, pacientes com cuidados paliativos exclusivos ou com suspeita ou morte encefálica diagnosticada não tiveram dados incluídos no estudo.
Primário: mortalidade hospitalar em 60 dias
Secundários: aderência aos objetivos de cuidado (dieta, cabeceira elevada, ajuste de sedação objetivando RASS 0 a -3, profilaxia de TVP, volume corrente na ventilação mecânica, cateter venoso central e sonda vesical de demora), clima de segurança em UTI (clima de trabalho em equipe, clima de segurança, satisfação no trabalho, reconhecimento do estresse e condições de trabalho), mortalidade na UTI, dias livres de ventilação mecânica em 28 dias, infecção da corrente sanguínea associado ao cateter central, pneumonia associada à ventilação mecânica, infecção de trato urinário, tempo de internação em UTI e hospitalar.
Checklist (N= 59) x Cuidado padrão (N= 59)
Mediana de leitos: 11 (10 – 20) x 14 (10 – 20)
Tipo de unidade quanto à especialidade:
Cirúrgicas: 3,4% x 5,0%
Clínicas: 6,8% x 13,6%
Mistas: 84,7% x 74,6%
Tipo do hospital
Público: 49,2% x 45,8%
Privado filantrópico: 23,7% x 30,5%
Privado: 27,1% x 23,7%
Hospitais acadêmicos: 22,0% x 44,1%
Mediana do SMR (Standardized Mortality Ratio): 1,6 (1,1 a 2,2) x 1,4 (0,9 a 1,9)
MasculinoFeminino
Checklist (N= 3327) x Cuidado padrão (N = 3434)
Média de Idade: 59,1 x 60,0
Sexo feminino: 45,2% x 46,4%
Tipo de admissão:
Clínico: 72,9% x 71,4%
Cirurgia eletiva: 16,2% x 14,6%
Cirurgia de emergência: 10,9% x 14,0%
Motivo da internação
Pós operatório: 18,1% x 23,7%
Insuficiência respiratória (exceto sepse): 17,3% x 14,4%
Neurológico: 12,1% x 12,9%
Sepse: 12,4% x 14,0%
Cardiovascular: 13,0% x 10,1%
Renal/Metabólico: 4,3% x 4,0%
Gastrointestinal: 2,8% x 1,9%
Hepático: 1,4% x 1,8%
Hematológico: 0,9% x 1,1%
Média do SAPS 3: 21,2 x 54,2
Não houve diferença na mortalidade hospitalar em 60 dias entre os grupos intervenção e controle, sendo de 32,9% vs. 34,8%, respectivamente (OR 1,02; IC95% 0,82 a 1,26)
Não houve diferença na mortalidade em UTI: 26,3% x 25,45% (OR 1,17; IC 95% 0,93 a 147)
Não houve diferença na incidência de infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter, que foi de 8,3% em ambos os grupos (RR 1,03; IC 95% 0,73 a 1,45)
Não houve diferença na incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica: 5,4% x 4,8% (RR 1,04; IC 95% 0,68 a 1,58)
Não houve diferença na incidência de infecção urinária: 10,6% x 8,0% (RR 1,28; IC 95% 0,91 a 1,81)
Houve maior aderência a volume corrente menor que 8,0 mL/Kg, no grupo intervenção em comparação ao controle: 67,5% x 58,9 (RR 1,14; IC 95% 1,03 a 1,26)
Não houve diferença na aderência a elevação da cabeceira da cama para prevenção de pneumonia: 95,6% x 89,7% (RR 1,05; IC 95% 0,99 a 1,11)
Não houve diferença na aderência à profilaxia de TVP: 74,8% x 75,0% (RR 1,05; IC 95% 0,91 a 1,22)
Não houve diferença na aderência a administração da dieta. 79,2% x 76,4% (RR 1,03; IC 95% 0,89 a 1,2)
Não houve diferença no ajuste de sedação para meta de RASS entre 0 a -3 entre os grupos: 40,5% x 35,0% (RR 1,19; IC95% 1,0 a 1,42)
Houve menor uso de sonda vesical de demora no grupo intervenção: 62,8% x 74,8% (RR 0,86; IC 95% 0,8 a 0,93)
Houve menor uso de cateter venoso central no grupo intervenção: 72,4% x 72,9% (RR 0,9; IC 95% 0,83 a 0,98)
Houve melhora no clima de trabalho no gruo intervenção: 53,8% x 45,8% (OR 1,3; IC 95% 1,08 a 1,57)
Houve melhor percepção de segurança no grupo intervenção: 36,5% x 31,9% (OR 1,27; IC 95% 1,02 a 1,57)
Não houve diferença na satisfação no trabalho, reconhecimento do estresse e condições de trabalho
A implementação de uma intervenção de qualidade com checklist diário, metas de cuidado e estímulo à equipe não reduziu a mortalidade hospitalar em 60 dias quando comparado ao cuidado padrão.
Ensaio clinico grande e multicêntrico
Desfecho primário relevante e menos sujeito a viés
A duração das medidas de intervenção foi curta, o que pode impedir a avaliação do impacto das medidas adotadas em longo prazo
A mortalidade observada no grupo controle foi menor que a mortalidade esperada para o cálculo da amostra, o que reduziria o poder estatístico do estudo
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/efeito-de-uma-intervencao-de-melhoria-da-qualidade-com-checklist-diario-estabelecimento-de-metas-e-incentivos-aos-profissionais-de-saude-na-mortalidade-de-pacientes-criticos
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