Efeito de uma Estratégia Ventilatória Limitando a Driving Pressure em Pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Secundário à Pneumonia
02 de janeiro de 2025
6 minutos de leitura
Uma estratégia de manejo de pacientes com SDRA baseada em reduzir a driving pressure é superior à ventilação protetora habitual?
A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é uma causa comum de internação em UTI e apresenta elevada morbimortalidade. Trata-se de uma condição com comprometimento heterogêneo dos pulmões, resultando em redução da aeração pulmonar. No passado, o estudo ARMA demonstrou que a ventilação com volumes correntes mais baixos (6 ml/kg), limitando a pressão de platô à 30 cmH2O, foi capaz de reduzir a mortalidade nesse grupo de pacientes. Posteriormente, a driving pressure (pressão de platô – PEEP), surgiu como uma variável fisiologicamente interessante e que, em estudos observacionais, se mostrou o marcador prognóstico mais forte em pacientes com SDRA. Apesar de um racional fisiológico concreto e forte evidência observacional, é notável que não existem estudos randomizados avaliando o impacto de usar a driving pressure como meta principal em pacientes com SDRA. Outro ponto importante é o fato que pacientes com SDRA pulmonar (na maioria das vezes secundária à pneumonia) apresentam uma resposta ao tratamento diferente de pacientes com SDRA extrapulmonar, em especial com impacto diferente da titulação da PEEP. Assim, incluir no mesmo estudo pacientes com SDRA pulmonar e extrapulmonar poderia aumentar a heterogeneidade, atrapalhando a interpretação dos resultados. Considerando esse último ponto e as lacunas na literatura, o estudo STAMINA avaliou o impacto de uma estratégia ventilatória guiada por driving pressure em comparação à ventilação protetora convencional em pacientes com SDRA secundária à pneumonia.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (29 UTIs no Brasil e na Colômbia).
Estudo não cego
Randomização na proporção de 1:1 em blocos permutados e com estratificação por centro e pela confirmação, ou não, de COVID-19
Foi calculado que 500 pacientes seriam necessários para ter 90% de poder para demonstrar uma diferença de 3,1 dias livres de ventilação entre os grupos (considerando 4,7 dias livres no grupo controle), com erro alfa de 5%.
Pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo secundário à pneumonia incluídos entre 2021 e 2023
Idade≥18 anos
Admitidos em uma das UTIs do estudo.
Em uso de ventilação mecânica invasiva
Diagnóstico de pneumonia comunitária
SDRA pelos critérios de Berlim
Critério de gravidade: FIO2 acima de 50% (com PEEP maior ou igual a 8 cmH2O) ou PaO2 / FiO2 < 200
Critérios de inclusão mantidos por mais de 36 horas
Hipertensão intracraniana e doenças neurológicas agudas
Previsão de limitação de suporte
Fístula aérea ou barotrauma prévio
Uso de oxigênio domiciliar
Recusa pelo representante legal
Estratégia ventilatória baseada na driving pressure
Inicialmente era realizada uma titulação da PEEP baseada na melhor complacência. Posteriormente o volume corrente poderia ser reduzido até 4 ml/kg, visando manter uma driving pressure abaixo de 14 cmH2O
Estratégia ventilatória com PEEP baixa baseada no estudo ARMA do ARDSNet
O ajuste de PEEP neste grupo era baseado na PEEP-table e o volume corrente era mantido em 6 ml/kg, visando uma pressão de platô abaixo de 30 cmH2O, independente da driving pressure
A intervenção do estudo era realizada nas primeiras 72h após a randomização
Primário: dias livres de ventilação em 28 dias ou até a alta da UTI
Secundários: mortalidade hospitalar e na UTI, necessidade de terapias de resgate (NO, manobras de recrutamento ou ECMO); PaO2/FiO2, driving pressure, dias livres de UTI e tempo de permanência no hospital e na UTI.
Segurança: barotrauma e outros eventos adversos relacionados à ventilação.
MasculinoFeminino
Grupo Driving Pressure (N= 96) x Controle (N=102)
Idade: 66 x 61 anos
Sexo feminino: 36% x 36%
Indice de fragilidade: 2 x 2 (mediana)
Covid-19: 60% x 60%
Dias prévios de VM: 1 x 1 (mediana)
FIO2: 70% x 60%
Complacência: 28 x 27
pH: 7,28 x 7,27
PaO2 / FiO2: 136 x 141
Prona: 19% x 15%
Uso de noradrenalina: 75% x 69%
A diferença média na driving pressure entre os grupos nas primeiras 72h foi de -0,7 cmH2O (IC 95% entre -1,4 a -0,1 cmH2O).
O volume corrente foi menor (diferença de -0,20 ml) e a frequência respiratória maior (diferença de 1,19 rpm) no grupo intervenção.
As demais variáveis respiratórias foram similares entre os grupos.
O estudo foi interrompido precocemente devido a uma redução progressiva no recrutamento
O número de dias livres de ventilação foi de 6 dias no grupo intervenção e 7 dias no grupo controle (OR 0,72; IC 95% 0,39 a 1,32; P = 0,28). Análises de subgrupo foram consistentes com a análise primária.
Os desfechos secundários foram similares entre os grupos.
Os desfechos secundários mais relevantes foram:
Driving Pressure x Controle:
Mortalidade na UTI: 66% x 53%
Tempo na UTI: 17 x 17 dias
Tempo no hospital: 20 x 22 dias
Dias livres de UTI: 4 x 5 dias.
Barotrauma ocorreu em 4% do grupo intervenção e 3% do grupo controle
Em pacientes com SDRA, a estratégia de ventilação baseada em titulação da PEEP e ajuste de driving pressure não foi superior à ventilação mecânica usual baseada na estratégia do ADRSNet.
Estudo multicêntrico, com maior validade externa
Pergunta muito relevante
Randomização adequada e com baixo risco de viés de seleção
Estudo interrompido precocemente, o que reduz o poder para demonstrar diferenças entre os grupos.
A separação fisiológica entre os grupos foi muito pequena, o que reduz muito o impacto da intervenção e a chance de demonstrar diferenças.
Estudo não cego, o que pode ter introduzido viés.
60% da amostra de pacientes com COVID19. Possivelmente seja uma pneumonia com comportamento diferente de outras pneumonias
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/efeito-de-uma-estrategia-ventilatoria-limitando-a-driving-pressure-em-pacientes-com-sindrome-do-desconforto-respiratorio-secundario-a-pneumonia
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