Efeito da Tele-UTI nos Desfechos Clínicos de Pacientes Críticos
19 de novembro de 2024
7 minutos de leitura
Uma estratégia de Tele-UTI (telemedicina direcionada para UTIs) resulta em melhores desfechos para os pacientes nas unidades supervisionadas?
O cuidado de UTI, quando ofertado por uma equipe multidisciplinar que inclui médicos intensivistas, têm sido consistentemente associado a melhores desfechos. Contudo, tais profissionais ainda são poucos no mercado de trabalho e concentrados em grandes centros urbanos, fato que é especialmente verdadeiro em nosso meio. Uma estratégia de telemedicina, na qual um médico intensivista orienta remotamente uma UTI em uma região mais afastada poderia ser uma estratégia para melhorar o cuidado e garantir mais acesso a este tipo de especialista, porém a evidência prévia referente à eficácia dessa abordagem é controversa. Diante desta lacuna na literatura foi realizado o estudo TELESCOPE, para avaliar o impacto da implementação de um sistema de Tele-UTI nos desfechos de pacientes críticos de diversas UTIs no Brasil.
Ensaio clínico randomizado
Multicêntrico (30 UTIs de hospitais públicos no Brasil)
Estudo não cego
Randomizado por clusters
Foi calculado que a inclusão de 15000 pacientes no período de intervenção, com expectativa de 500 pacientes em cada uma das 30 UTIs durante o período de 18 meses e considerando um coeficiente de correlação intracluster de 0,018, seria suficiente para ter 80% de poder para demonstrar uma diferença de 1,5 dias no tempo de internação com erro alfa de 5%.
Unidades de terapia intensiva de hospitais públicos sem médicos intensivistas incluídas entre 2019 e 2021
UTIs públicas de todas as regiões do Brasil
Pelo menos 8 leitos
Ausência de médico intensivista titulado conduzindo a unidade em tempo integral
Em cada UTI selecionada foram incluídos todos os pacientes com mais de 18 anos atendidos no período do estudo
UTIs especializadas (ex.: cirurgia cardíaca, UTIs neurológicas)
Unidades semi-intensivas
UTIs com visita multiprofissional bem estruturada ou com performance guiada por indicadores, com auditorias e feedback regular
Foram excluídos os pacientes admitidos durante o período do estudo devido a ordem judicial
Visita por Tele-UTI
As UTIs do grupo intervenção recebiam uma intervenção multifacetada incluindo
Visitas multiprofissionais diárias com formato estruturado, conduzidas remotamente por um intensivista certificado, sendo o mesmo profissional para a mesma unidade todos os dias da semana
Discussões mensais sobre indicadores de performance
Distribuição para a equipe da UTI de protocolos baseados em evidência em formato de texto e vídeo.
Cuidado usual
Todas as UTIs foram observadas durante um período basal de forma a coletar os indicadores basais de cada unidade. Posteriormente, foram randomizadas em 3 ondas para permanecer no grupo controle ou migrar para o grupo intervenção.
A meta do estudo era realizar visitas via telemedicina em pelo menos 70% dos dias disponíveis.
Durante a pandemia de COVID-19 foram fornecidos materiais adicionais às unidades sobre o manejo desta condição e, diante da severidade da situação, todas as UTIs do estudo receberam tais protocolos e treinamentos (incluindo o grupo controle).
Primário: tempo de internação na UTI
Secundário: performance das UTIs, avaliada pelo standardized mortality ratio (SMR) e pelo standardized resource use (SRU)
Desfechos adicionais: mortalidade hospitalar, incidência de infecção de corrente sanguínea associada a cateter, incidência de eventos associados à ventilação mecânica, incidência de infecção do trato urinário associada a cateter, dias livres de ventilação mecânica em 28 dias, percentual de pacientes recebendo dieta, percentual de pacientes sob sedação leve
MasculinoFeminino
Foram incluídas 30 UTIs, com um total de 1794 pacientes no período basal e 15230 pacientes no período de intervenção.
Abaixo seguem as principais características das unidades no período basal:
Tele-UTI (N=15) x Cuidado usual (N=15)
Região:
Sul/sudeste: 60% x 60%
Norte/nordeste/centro-oeste: 40% x 40%
Ausência de residentes: 53% x 67%
Número de leitos: 10,9 x 10,6
SAPS3: 54,1 x 54,2
Standardized Mortality Ratio (SMR):
Equação América Latina: 1,14 x 1,11
Equação geral: 1,45 x 1,42
Standardized Resource Use (SRU): 2,22 x 1,89
Abaixo seguem as principais características no momento da admissão dos pacientes incluídos no período de intervenção
Tele-UTI x Cuidado usual
Idade: 60,8 x 61,2 anos
Sexo feminino: 43,2% x 45,7%
Funcionalidade
Independente: 62,7% x 51,3%
Parcialmente dependente: 27,1% x 37,9%
Dependente: 10,2% x 10,8%
Admissão clínica: 67,9% x 70,8%
COVID-19 confirmado: 10,1% x 14,2%
SAPS3: 55,6 x 54,8
SOFA: 6 x 5 (mediana)
Ventilação mecânica: 48,7% x 42,2%
Vasopressores: 30% x 29,9%
A mediana de duração da intervenção foi de 20 meses. No nível de pacientes, a mediana de duração das visitas foi de 8 minutos por paciente e 63 minutos por UTI. Houve 151.723 recomendações médicas das quais 74% foram aceitas.
O tempo de internação na UTI foi similar entre os grupos, sendo 8,1 dias no grupo Tele-UTI e 7,1 dias no grupo controle (P = 0,24)
A mortalidade hospitalar foi de 41,6% no grupo Tele-UTI e 40,2% no grupo controle (odds ratio 0,93, IC 95% de 0,78 a 1,12)
A eficiência das UTIs, avaliada pelo SMR e SRU foi similar entre os grupos (SMR de 1,06 x 1,07; SRU 2,04 x 1,78).
Não houve diferenças significativas nos demais desfechos secundários.
O resultado foi consistente nas análises de subgrupo e diversas análises de sensibilidade.
Neste estudo, o uso de um modelo de cuidado remoto via telemedicina conduzido por intensivistas não resultou em menor tempo de UTI ou melhores desfechos
Estudo multicêntrico, com amostra grande e representativa de várias regiões do país
Estudo pragmático
Intervenção muito relevante no nosso cenário
Estudo não cego, o que aumenta o risco de viés (apesar de que a maioria dos desfechos era bem objetivo e pouco suscetíveis a mudanças de comportamento da equipe)
A equipe de cada UTI não era obrigada a seguir todas as recomendações geradas durante a visita via telemedicina, o que pode ter contribuído para uma redução na eficácia da intervenção.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/efeito-da-tele-uti-nos-desfechos-clinicos-de-pacientes-criticos
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