Cuidado Paliativo Escalonado em Pacientes com Câncer de Pulmão Avançado
03 de outubro de 2024
7 minutos de leitura
Uma estratégia de cuidado paliativo escalonado, ocorrendo em momentos-chave da evolução da doença, pode ser um modelo efetivo para melhorar a qualidade de vida de pacientes com câncer de pulmão?
Há mais de uma década, diversas diretrizes recomendam a instituição de cuidados paliativos precoces para pacientes com câncer de pulmão avançado, baseando-se em diversos estudos randomizados que sugerem que essa prática resulta em maior satisfação e qualidade de vida para pacientes e familiares. Contudo, a implementação dessa prática ainda é limitada, especialmente em cenários de baixa e média renda, onde frequentemente há falta de profissionais qualificados para fornecer cuidados paliativos. Em paralelo, com o avanço dos tratamentos oncológicos, diversos pacientes com neoplasias avançadas conseguem prolongar o tempo de vida com qualidade. Nesse cenário, um modelo de oferta de cuidados paliativos com o oferecimento escalonado de suporte (acompanhando os pacientes desde o diagnóstico, mas ajustando a intensidade do cuidado às demandas do paciente) teria o potencial de poupar recursos humanos e oferecer um cuidado centrado nas necessidades do paciente. Assim, este estudo foi realizado para testar se um modelo de cuidados paliativos escalonados seria não inferior ao tratamento paliativo precoce usual em relação à qualidade de vida de pacientes com câncer de pulmão avançado
Ensaio clínico randomizado de não inferioridade
Multicêntrico (3 centros nos EUA)
Não cego
Foi calculado que seriam necessários 188 pacientes por grupo para ter 80% de poder para demonstrar uma margem de não inferioridade de -4,5 pontos no desfecho primário, com erro alfa de 5% (unicaudal). Antecipando uma perda de seguimento de 36%, optou-se por aumentar a amostra para 255 pacientes por grupo
Pacientes com câncer de pulmão avançado incluídos entre 2018 e 2022
Idade≥ 18 anos
Recebendo cuidado nos centros do estudo
Diagnóstico recente de câncer de pulmão avançado
Dentro das últimas 12 semanas, com tratamento sem proposta curativa
ECOG 0 a 2
Capacidade de responder perguntas em inglês ou espanhol
Pacientes já recebendo cuidado paliativo ambulatorialmente
Cuidados em hospice
Alterações cognitivas ou psiquiátricas graves
Cuidado paliativo escalonado, com a primeira visita dentro de 4 semanas do diagnóstico, seguida por visitas adicionais em momentos de mudança no tratamento ou após hospitalizações.
Cuidado usual composto por cuidado paliativo precoce, com visitas programadas a cada 4 semanas
No grupo intervenção, os pacientes iniciavam no step 1, no qual era realizada apenas uma avaliação inicial em 4 semanas do diagnóstico. Posteriormente, eram agendadas novas visitas em caso de mudança no tratamento (devido à progressão da doença, toxicidade ou descontinuação do tratamento) ou após hospitalizações. Em caso de uma queda acima de 10 pontos na escala de qualidade de vida (Functional Assessment of Cancer Therapy–Lung - FACT-L), os pacientes eram transicionados para o step 2, no qual as visitas com a equipe de cuidados paliativos passavam a ser realizadas a cada 4 semanas
Pacientes tinham o direito de recusar as visitas da equipe de cuidados paliativos, bem como solicitar consultas mais frequentes do que as requeridas pelo protocolo do estudo
Todas as visitas do estudo eram conduzidas por médicos especialistas em cuidados paliativos
Primário: qualidade de vida em 24 semanas, avaliada pela escala FACT-L (pontuação de 0 a 136 com valores maiores sugerindo melhor qualidade de vida)
Secundários: utilização de cuidados paliativos (medida pelo número de consultas), percepção dos pacientes sobre a comunicação em cuidados de fim de vida avaliado pela escala Prognosis and Treatment Perceptions Questionnaire (PTPQ), tempo de permanência em hospices, sintomas depressivos (avaliado pela escala Patient Health Questionnaire 9) e uso de estratégias de enfrentamento (avaliada pela escala Brief Coping Orientation to Problems Experienced Inventory)
MasculinoFeminino
As características dos grupos no momento da randomização foram balanceadas entre os grupos
Cuidado escalonado (N=250) x Cuidado precoce (N=
Idade: 66,8 x 66,1 anos
Sexo feminino: 52% x 50,8%
Câncer de pequenas células: 21,2% x 18,3%
ECOG:
0: 24,4% x 24,9%
1: 61,2% x 59,5%
2: 14,4% x 15,6%
FACT-L: 93,6 x 95,7
Em 24 semanas o percentual de pacientes avaliados em relação ao desfecho primário (escala FACT-L) foi de 73,9%.
No grupo randomizado para cuidado paliativo escalonado, 26,4% dos pacientes foram direcionados para o step 2 em 24 semanas (em uma mediana) e 36,4% em 48 semanas.
O cuidado paliativo escalonado foi não inferior ao cuidado paliativo precoce em relação à pontuação de qualidade de vida em 24 semanas, avaliada pela escala FACT-L (pontuação média de 100,6 x 97,8; diferença média de 2,9; limite inferior do IC 95% de −0,1; P < 0,001 para não inferioridade).
O número médio de visitas com a equipe de cuidados paliativos foi de 2,4 no grupo intervenção e 4,7 no grupo controle (diferença média de −2,3; IC 95% −2,7 a −1,8; P < 0,001).
A proporção de pacientes que participaram de discussões sobre cuidados de fim de vida foi de 30,4% no grupo intervenção e 33% no grupo controle (P =0,09 para não inferioridade).
No grupo intervenção, 71,9% dos pacientes receberam cuidados em hospice antes da morte, comparado a 77,2% no grupo controle. O tempo de permanência no hospice foi inferior no grupo intervenção (19,5 dias x 34,6 dias; P = 0,91 para não inferioridade).
Os demais desfechos exploratórios foram similares entre os grupos.
Em pacientes com câncer de pulmão avançado, uma estratégia de cuidado paliativo escalonado, com aumento na frequência de visitas conforme a evolução da doença, mostrou-se não inferior ao cuidado habitual baseado em cuidado paliativo precoce, que inclui visitas a intervalos fixos.
Estudo multicêntrico e randomizado
Pergunta bastante relevante, especialmente considerando a escassez de profissionais habilitados em cuidados paliativos no nosso meio
Estudo não cego, o que pode introduzir viés de performance e aferição
Todas as avaliações foram realizadas por profissionais com treinamento específico em cuidado paliativo, limitando a extrapolação dos resultados para cenários em que não há paliativistas ou que a própria equipe assistente assume essa função
O desfecho primário, apesar de relevante, é altamente subjetivo (baseado na percepção dos pacientes), o que pode ser alterado pelo fato de estarem participando de um estudo clínico. Dados mais objetivos sobre cuidados de fim de vida (ex.: local da morte, uso de sedação paliativa, uso de medidas invasivas como intubação orotraqueal) não foram reportados
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/cuidado-paliativo-escalonado-em-pacientes-com-cancer-de-pulmao-avancado
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