Como eu trato uma crise de migrânea
12 de março de 2025
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O manejo da migrânea consiste no tratamento agudo das crises, objetivando a resolução dos episódios de dor com o uso de medicações de crise, e no tratamento preventivo, cujo objetivo é minimizar a frequência, intensidade e impacto da doença a longo prazo.
O presente documento reúne as recomendações elaboradas pela International Headache Society para o tratamento agudo farmacológico das crises de migrânea.
As recomendações foram elaboradas a partir de um painel de especialistas respondendo a um conjunto de questões clínicas a partir de 16 diretrizes nacionais e internacionais sobre o tema.
Triptanos
Triptanos são medicações migrânea-específicas que atuam como agonistas dos receptores 5-HT1B e 5-HT1D.
Em pacientes que não respondem a analgésicos simples ou anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) ofertados nas doses e na precocidade apropriadas, recomenda-se a troca por um triptano na próxima crise;
Nota do autor: documentos internacionais habitualmente não mencionam o uso de dipirona/metamizol devido à indisponibilidade deste em muitos países. No entanto, seu uso é difundido no Brasil como analgésico simples e é praticado no tratamento da migrânea.
Se um triptano é apenas parcialmente efetivo, recomenda-se o aumento para a dose máxima recomendada na próxima crise. Se a resposta parcial persistir, recomenda-se a troca por outro triptano ou uso de outra via de administração.
Se um paciente não responde a um triptano, isto é, não se encontra livre de dor após 2 horas de seu uso na dose correta e com a precocidade adequada em duas de três crises, recomenda-se a troca por outro triptano. Tal estratégia pode ser repetida até três vezes, após o que recomenda-se a troca por outra classe de medicação.
Em pacientes com resposta parcial, pode-se associar o triptano a um AINE, sendo a associação sumatriptano e naproxeno a primeira escolha.
Algumas observações pertinentes quanto ao perfil dos diferentes triptanos são:
O sumatriptano subcutâneo, o eletriptano e o rizatriptano são possivelmente superiores no tratamento dos sintomas.
O almotriptano, naratriptano e frovatriptano apresentam menor risco de efeitos adversos.
O naratriptano e frovatriptano apresentam os maiores tempos de meia-vida, sendo úteis em pacientes com recorrências frequentes dos sintomas.
Em pacientes que despertam com migrânea, pode-se utilizar o sumatriptano subcutâneo como estratégia para tratamento de instalação mais rápida do quadro.
Nota do autor: os triptanos comercialmente disponíveis no Brasil, bem como suas doses recomendadas são:
Sumatriptano (oral) 25-100 mg (dose máxima 200 mg/dia)
Sumatriptano + naproxeno (oral) 50 + 500 mg ou 85 + 500 mg (dose máxima de 2 comprimidos/dia)
Sumatriptano (subcutâneo) 6 mg (dose máxima 12 mg/dia)
Sumatriptano (intranasal) 10 mg (dose máxima 40 mg/dia)
Naratriptano (oral) 2,5 mg (dose máxima 5 mg/dia)
Rizatriptano (oral) 10 mg (dose máxima 30 mg/dia)
Eletriptana (oral) 40 mg (dose máxima 80 mg/dia)
Zolmitriptana (oral e orodispersível) 2,5 mg (dose máxima 10 mg/dia)
Observação: a administração de novas doses deve respeitar o intervalo mínimo de 2 horas, excetuando-se o naratriptano (4 horas) e o sumatriptano subcutâneo (1 hora).
Uso dos gepants e lasmiditano
Gepants são antagonistas dos receptores do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), já o lasmiditano é um agonista dos receptores 5-HT1F, sendo ambos drogas migrânea-específicas.
Seu uso é recomendado em pacientes não-respondedores à monoterapia com triptanos (ou à sua associação com AINE), ou em pacientes com resposta parcial, contraindicações ou efeitos adversos intoleráveis.
Nota do autor: na presente data, os gepants (ubrogepant, rimegepant, atogepant e zavegepant) e o lasmiditano não se encontram comercialmente disponíveis no Brasil.
Tratamento da náusea e vômitos
Em pacientes apresentando náusea e/ou vômito não tratáveis com a administração adequada da medicação de crise, sugere-se a adição de um antiemético ao esquema de tratamento.
Na presença de vômitos precoces durante a crise, potencialmente impactando na administração oral das medicações de crise, recomenda-se a utilização de vias alternativas: formulações orais, intranasais ou supositórios, bem como formulações orodispersíveis.
As opções recomendadas de antieméticos, comercialmente disponíveis no Brasil, incluem:
Metoclopramida (oral, endovenosa, intramuscular) 5 a 10 mg
Domperidona (oral) 10 mg
Prometazina (oral) 25 mg
Clorpromazina (oral) 50 a 100 mg; (intramuscular) 10-25 mg
Haloperidol (intramuscular) 5 mg
Droperidol (intramuscular, endovenosa) 2,5 mg
Olanzapina (oral sublingual) 5 a 10 mg
Uso de derivados do ergot
O uso de derivados ergotamínicos pode ser considerado na falha de todos os demais tratamentos agudos com melhor perfil de segurança. Seu uso é contraindicado na presença de doenças vasculares arteriais, dada a associação de seu uso frequente com isquemia de membros, infarto miocárdico, lesões valvares cardíacas e estenoses arteriais.
Nota do autor: No Brasil, a única opção de ergotamínico disponível é a di-hidroergotamina, encontrada em associação à dipirona e cafeína em formulação oral.
Momento do tratamento agudo
Na migrânea sem aura, a medicação de crise deve ser utilizada precocemente, enquanto a cefaleia ainda é leve.
Na migrânea com aura, a medicação de crise deve ser utilizada imediatamente após o início da cefaleia.
Tratamento da recorrência
Recorrência é o retorno dos sintomas em qualquer intensidade dentro de 48 horas de seu tratamento efetivo.
Recomenda-se a utilização de uma nova dose da mesma medicação de crise utilizada inicialmente (respeitando-se a dose máxima diária recomendada).
Se esta abordagem não é efetiva ou se recorrências ocorrem na maioria dos episódios, sugere-se a troca de medicação.
Tratamentos do status migranosus
O status migranosus é a persistência dos sintomas da migrânea por mais de 72 horas.
No ambiente hospitalar, recomenda-se a utilização endovenosa de um AINE associado ou não a um antagonista dopaminérgico (por exemplo, metoclopramida ou clorpromazina).
Nota do autor: a utilização da clorpromazina por endovenosa na dose de 0,1 mg/kg é mencionada por diferentes documentos no tratamento do status migranosus. No Brasil, a bula da solução injetável admite apenas a administração intramuscular, no entanto seu uso endovenoso é possível mediante protocolos institucionais específicos. Seu uso por via oral ou intramuscular, em contrapartida, é difundido no tratamento da condição.
Corticóides parenterais (por exemplo, a dexametasona) são habitualmente recomendados pelos especialistas devido ao potencial benefício na prevenção de recorrência dos sintomas.
Outras opções terapêuticas incluem: bloqueio de nervos periféricos, magnésio intravenoso, valproato de sódio e diidroergotamina, a serem ofertados aos não-respondedores.
Opióides devem ser evitados em todas as circunstâncias.
Prevenção de cefaleia por uso excessivo de medicação
O uso frequente das medicações de crise se associa a piora dos sintomas e desenvolvimento de cefaleia por uso excessivo de medicações. Para evitar o desenvolvimento desta complicação, sugere-se que:
Analgésicos simples, AINEs e o lasmiditano devem ser utilizados em no máximo 2 a 3 dias por semana (e menos de 10 dias no mês); analgésicos combinados e triptanos devem ser utilizados em no máximo 2 dias por semana (e menos de 8 dias por mês);
Os gepants não se associam ao desenvolvimento desta complicação, sendo a escolha em pacientes com necessidade de uso mais frequente de medicações de crise.
Gestação e amamentação
Paracetamol e triptanos podem ser usados com cautela nos três semestres da gestação (sendo sumatriptano a primeira escolha pela maior disponibilidade de dados de segurança), associada a metoclopramida caso náusea ou resposta inadequada.
Paracetamol é a medicação de escolha durante a amamentação. AINEs, triptanos e gepants podem ser usados com cautela.
Pessoas com idade maior que 65 anos
Recomenda-se a seguinte sequência de prioridade na escolha das medicações: paracetamol, AINEs e triptanos (se ausentes hipertensão não controlada ou doenças cardiovasculares, cerebrovasculares ou vascular periférica).
Recomenda-se a preferência por antieméticos sem penetração central (por exemplo, domperidona) com objetivo de evitar efeitos adversos extrapiramidais.
História de acidente vascular cerebral, doenças vasculares ou hipertensão descontrolada
A presença destas condições aumenta o risco de efeitos adversos relacionados ao uso de triptanos e de derivados do ergot.
Neste caso, recomenda-se a utilização de paracetamol como medicação de primeira linha, com gepants e lasmiditano como segunda linha.
Em condições de recursos limitados, AINEs podem ser utilizados de forma limitada e com cautela, levando-se em consideração o uso concomitante de antitrombóticos.
Triptanos podem ser usados com cautela caso as comorbidades estejam controladas, nos pacientes que não respondem às demais linhas terapêuticas.
Derivados do ergot devem ser evitados sempre.
Migrânea menstrual
O termo migrânea menstrual abrange os diagnósticos de migrânea menstrual pura (quando ocorre exclusivamente durante o período menstrual ou perimenstrual) e migrânea relacionada à menstruação (quando ocorrem durante os períodos menstrual ou perimenstrual, mas também em outras fases do ciclo).
Nesta situação, diante da falha do tratamento agudo indicado às condições gerais, incluem-se as possibilidades do tratamento preventivo de curta duração (naproxeno ou frovatripano iniciados entre 2 a 3 dias da menstruação e continuados durante este período) ou da suspensão do ciclo com contraceptivos hormonais, nos casos de migrânea sem aura
Autor do conteúdo
Leonardo Ferreira
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-trato-uma-crise-de-migranea
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