Como Eu Trato Síndrome de Sjogren Com Base nas Recomendações do EULAR de 2020
13 de novembro de 2024
4 minutos de leitura
Estas são as primeiras recomendações elaboradas pelo EULAR para o manejo de pacientes com Síndrome de Sjogren e abordam terapias medicamentosas tópicas e sistêmicas.
Foi realizada uma abordagem baseada em dados e opinião de especialistas, levando-se em conta a qualidade das evidências, o equilíbrio entre benefícios e riscos, valores e preferências dos pacientes e utilização de recursos. Cada recomendação é classificada conforme o sistema Oxford de acordo com o nível de evidência, o grau de recomendação e o grau de concordância do painel, constituído por clínicos, e pacientes. Para cada recomendação instituiu-se uma taxa mínima de aceitação de 80% do painel na primeira votação, sendo submetida a nova discussão e possíveis reformulações caso esta taxa não fosse atingida.
O EULAR ressalta a necessidade de mais evidências em Síndrome de Sjogren, já que o número de estudos disponíveis é muito inferior àquele de outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus. As recomendações apresentadas foram baseadas em 9 ensaios clínicos randomizados controlados, 18 estudos prospectivos e 5 estudos de caso-controle.
Doença sistêmica: envolvimento de qualquer um dos órgãos/sistemas incluídos no escore ClinESSDAI (constitucional, linfadenopatia, glandular, articular, cutâneo, pulmonar, renal, muscular, sistema nervoso periférico, sistema nervoso central e hematológico)
Doença sistêmica ativa: ClinESSDAI ≥1
Doença sistêmica grave: ESSDAI >14 ou alta atividade de doença em qualquer um dos domínios ESSDAI que tenha definição de alta atividade.
Resposta terapêutica: Redução ≥3 pontos no escore global ESSDAI.
Síndrome sicca:
Uma avaliação basal da função glandular salivar é recomendada antes do início do tratamento para xerostomia. A avaliação basal pode ser feita por quantificação do fluxo salivar total ou cintilografia de glândulas salivares. A sintomatologia subjetiva do paciente não deve ser considerada isoladamente, devido a fatores pessoais e ambientais que podem influenciar a sensação de secura oral.
A terapia de primeira escolha para xerostomia deve ser guiada de acordo com a função glandular salivar: estimulação não-farmacológica para disfunção leve; estimulação farmacológica para disfunção moderada; e saliva substituta para disfunção grave (recomendação forte).
Disfunção salivar leve (fluxo salivar >0,7 mL/min): sugere-se o uso de estimulantes gustatórios (balas/doces ácidos sem açúcar, pastilhas, xilitol) e/ou estimulantes mecânicos (goma de mascar sem açúcar).
Disfunção salivar moderada (fluxo salivar 0,1-0,7 mL/min): estímulo farmacológico com agonistas muscarínicos pode ser considerado. Pilocarpina e cevimeline são opções, mas apenas a pilocarpina é amplamente disponível. Para minimizar efeitos adversos, sugere-se um aumento progressivo da dose de pilocarpina até 15 a 20 mg/dia, quando possível. Não é recomendado o uso de hidroxicloroquina, glicocorticoides ou agentes imunossupressores (sintéticos ou biológicos) para tratamento de xerostomia.
Disfunção salivar intensa (fluxo salivar <0,1 mL/min): recomenda-se substitutos salivares que mimetizem a composição da saliva natural. Formulações em gel podem ser úteis para pacientes com xerostomia noturna.
A terapia de primeira linha para xeroftalmia inclui lágrimas artificiais e géis/pomadas oculares (recomendação forte). As lágrimas artificiais devem ser usadas pelo menos duas vezes ao dia, com a frequência podendo ser aumentada até de hora em hora, conforme indicado por sintomas ou sinais objetivos. As formulações sem conservantes são preferíveis em pacientes que precisam fazer 4 ou mais aplicações por dia. Pomadas oftálmicas podem ser usadas durante o sono noturno, seguida de higiene palpebral pela manhã para prevenção de blefarite.
Xeroftalmia grave/refratária (ao uso máximo de lágrimas artificiais e pomadas) pode se manejada com imunossupressores tópicos em colírio e colírio de soro autólogo (recomendação forte).
AINEs/corticosteroides tópicos podem ser prescritos como terapia de curto prazo (máximo 2-4 semanas);
Ciclosporina tópica (0,05%) pode ser considerada em pacientes que estejam requerendo cursos repetidos de corticoide tópico;
Soro autólogo ou alogênico tópico pode ser considerado em pacientes que não respondem ou não toleram ciclosporina tópica;
Terapias de resgate podem ser consideradas após falha das citadas acima, como plugs lacrimais e agonistas muscarínicos orais.
Sintomas gerais e dor musculoesquelética:
Doenças concomitantes devem ser avaliadas em pacientes com fadiga e dor (osteoartrite, hipotireoidismo, hipocortisolismo, deficiências vitamínicas, depressão, neoplasias e fibromialgia, entre outras).
Analgésicos ou anti-inflamatórios podem ser considerados para dor musculoesquelética, levando-se em conta os potenciais benefícios e efeitos adversos. AINEs tópicos podem ser efetivos para dor localizada, com menos efeitos colaterais. Hidroxicloroquina pode ser considerada em pacientes com episódios frequentes de dor articular. Em pacientes com dor diária não-inflamatória, por outro lado, AINEs e glicocorticoides devem ser evitados e o tratamento não-farmacológico da dor deve ser priorizado, com exercícios físicos. Antidepressivos e anticonvulsivantes podem ser considerados para dor musculoesquelética crônica.
Doença sistêmica:
O tratamento da doença sistêmica deve ser individualizado de acordo com a gravidade do acometimento órgão-específico, usando as definições ESSDAI. Em geral, terapias sistêmicas podem ser consideradas para pacientes com atividade pelo menos moderada em um domínio clínico, ou com um escore global de atividade ≥5.
Algumas manifestações sistêmicas não estão contempladas no ESSDAI e devem ser consideradas: bloqueio cardíaco congênito associado ao anti-Ro, fenômeno de Raynaud, hipertensão pulmonar primária, pleurite/pericardite, disautonomia, cistite intersticial e perda auditiva neurossensorial.
Glicocorticoides devem ser usados na menor dose possível pelo menor tempo possível.
Imunossupressores sistêmicos devem ser usados como agentes poupadores de corticoide, sendo que não há evidência suficiente para recomendar a escolha de um medicamento sobre outro.
Tabela: sugestão de opções terapêuticas a depender da manifestação apresentada
Manifestação |
Terapia de 1ª linha |
2ª linha |
3ª linha |
Envolvimento glandular |
AINE (3-5 dias) |
Glicocorticoide |
Rituximabe ou belimumabe |
Artrite |
Hidroxicloroquina + glicocorticoide |
DMARD sintético (MTX, leflunomida, azatioprina) |
Rituximabe ou abatacepte |
Vasculite cutânea |
Glicocorticoide |
DMARD sintético ou Rituximabe (se vasculite crioglobulinêmica) |
Ciclofosfamida ou plasmaférese (vasculite crioglobulinêmica grave) |
Doença intersticial pulmonar |
Glicocorticoide |
DMARD sintético (azatioprina, Micofenolato, ciclosporina) |
Ciclofosfamida ou rituximabe (vasculite crioglobulinêmica) |
Envolvimento renal |
Glicocorticoide |
Rituximabe (vasculite crioglobulinêmica) ou ciclofosfamida |
Plasmaférese (vasculite crioglobulinêmica grave) |
Ganglionopatia |
Imunoglobulina IV |
Considerar pulso de corticoide |
Considerar ciclofosfamida |
Anemia hemolítica |
Glicocorticoide + imunoglobulina IV |
Rituximabe |
Considerar plasmaférese ou ciclofosfamida |
BAV congênito |
1º grau: glicocorticoide |
2º grau: glicocorticoide Considerar IgIV |
Glicocorticoide + IgIV Considerar plasmaférese |
Terapias com células B como alvo podem ser consideradas em pacientes com doença sistêmica grave ou refratária (recomendação forte) – belimumabe e rituximabe.
O tratamento do linfoma de célula B deve ser individualizado de acordo com o subtipo histológico e o estadiamento da doença.
Autor do conteúdo
Marília Furquim
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-trato-sindrome-de-sjogren-com-base-nas-recomendacoes-do-eular-de-2020
Compartilhe
Copyright © 2024 Portal de Conteúdos MEDCode. Todos os direitos reservados.