Como eu Trato Febre Familiar do Mediterrâneo
05 de março de 2025
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Racional
A Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM), doença causada por mutação no gene MEFV, é a representante mais comum do grupo das doenças autoinflamatórias. Além do prejuízo à qualidade de vida trazido pelos ataques inflamatórios frequentes, os pacientes estão sob risco aumentado de amiloidose AA e complicações relacionadas. O diagnóstico da FFM tem aumentado ao redor do mundo devido à maior divulgação das síndromes autoinflamatórias e às migrações populacionais que ocorreram no último século.
O objetivo desta publicação é orientar médicos não especialistas no tratamento e acompanhamento da Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM), com uma abordagem baseada na melhor evidência disponível e na perspectiva de um painel multidisciplinar.
Cada recomendação foi categorizada com base em três critérios: o nível de concordância (A), que varia de 0 a 10 e reflete o consenso entre especialistas; o nível de evidência (LoE), classificado segundo o sistema Oxford, indicando a qualidade dos estudos que sustentam a recomendação; e o grau de recomendação (GR), que varia de A (forte) a D (mais fraco), dependendo da robustez das evidências disponíveis.
Nota do Autor: como a maioria das recomendações deste guideline é fraca (C) ou muito fraca (D), será destacado sempre que houver uma recomendação forte (A), baseada em evidências robustas.
Recomendações
Diagnóstico:
Idealmente, a FFM deve ser diagnosticada e inicialmente tratada por um médico com experiência em FFM.
Recomenda-se, que se possível, os pacientes continuem sendo avaliados por médico experiente em FFM pelo menos uma vez por ano em longo prazo.
Tratamento inicial:
O objetivo principal do tratamento da FFM é atingir controle completo dos ataques inflamatórios e reduzir a inflamação subclínica entre os ataques.
Em particular, suprimir a proteína amiloide A sérica é importante para prevenção de amiloidose AA (secundária) e outras complicações.
O tratamento com colchicina deve ser iniciado assim que o diagnóstico for concluído - (recomendação forte).
A colchicina é altamente eficaz na prevenção de ataques inflamatórios e de amiloidose AA.
Recomenda-se a dose inicial de 0,5 mg/dia em crianças com menos de 5 anos de idade, 0,5-1 mg/dia em crianças de 5 a 10 anos e 1,0-1,5 mg/dia em crianças com mais de 10 anos e adultos.
Após o início de colchicina, os pacientes devem ser seguidos de perto por 3 a 6 meses para que o efeito terapêutico seja observado na frequência e gravidade dos ataques.
Um diagnóstico genético de FFM na ausência de manifestações clínicas ou inflamação subclínica não necessariamente indica início do tratamento, mas estes pacientes devem permanecer sob vigilância.
A colchicina pode ser tomada em dose única ou fracionada, a depender da tolerância e da adesão do paciente.
A persistência de ataques inflamatórios ou de inflamação subclínica representa uma indicação de aumento da dose de colchicina.
Com monitorização cuidadosa de efeitos adversos, a dose da colchicina pode ser aumentada até 2 mg/dia em crianças e 3 mg/dia em adultos.
Monitorização de PCR, proteína amiloide ou ambas pelo menos a cada 3 meses é necessária durante a titulação para a determinação da dose necessária de colchicina.
Pacientes aderentes ao tratamento que não respondem à dose máxima tolerada de colchicina devem ser considerados não-respondedores ou resistentes, e tem indicação de terapias biológicas alternativas - (recomendação forte).
A evidência para opções terapêuticas em pacientes refratários ou intolerantes a colchicina é limitada, mas relatos e séries de casos sugerem anti-IL 1 como uma boa terapia de 2ª linha.
Inibidores do TNF-α também têm sido utilizados em pacientes resistentes a colchicina, especialmente quando há envolvimento articular, com boa respostas relatadas em estudos observacionais.
Recomenda-se a manutenção de colchicina durante a terapia biológica.
O tratamento deve ser intensificado na amiloidose AA, com a dose máxima tolerada de colchicina e o uso de biológicos se necessário.
A amiloidose AA é a complicação mais grave da FFM, com tempo médio de latência entre o início da doença inflamatória e o desenvolvimento de amiloidose de 17 anos.
O tratamento deve ser monitorizado com dosagem frequente da proteína amiloide A sérica, tendo como alvo sua manutenção abaixo de 10 mg/L, e com dosagem de proteinúria e taxa de filtração glomerular.
Períodos de estresse físico ou emocional podem precipitar ataques inflamatórios de FFM, com necessidade de aumento temporário da dose de colchicina.
Outros possíveis gatilhos incluem menstruação, trauma físico, exposição ao frio, infecções, inflamação, alta ingesta de gordura, jejum prolongado, privação de sono ou cansaço excessivo.
Na suspeita de um ataque inflamatório agudo, outras possíveis causas devem ser consideradas. Durante os ataques a dose de colchicina deve ser mantida e anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) podem ser utilizados.
Glicocorticoides podem reduzir a duração dos ataques, mas também podem aumentar sua frequência.
A resposta terapêutica, a toxicidade e a adesão do paciente devem ser monitorizadas a cada 6 meses, ou intervalos mais frequentes no primeiro ano de doença ou caso as provas inflamatórias permaneçam elevadas.
Enzimas hepáticas devem ser dosadas regularmente em pacientes tratados com colchicina, e seu aumento além de 2 vezes o limite superior da normalidade indica redução da dose.
Causas além da colchicina devem ser consideradas – cirrose criptogênica e esteatose hepática não alcoólica são mais frequentes em pacientes com FFM do que na população geral.
Em pacientes estáveis sem ataques inflamatórios por mais de 5 anos e sem aumento de provas inflamatórias, a redução da dose de colchicina pode ser considerada.
A redução deve ser feita gradualmente em não mais de 0,5 mg por vez, com intervalo sugerido de 6 meses entre cada redução.
Situações especiais:
Em pacientes com função renal reduzida, o risco de toxicidade por colchicina é muito aumentado e, portanto, a avaliação de toxicidade deve ser rotineira e a dose de colchicina reduzida de acordo.
Pacientes com taxa de filtração glomerular reduzida em uso de colchicina são mais propensos a desenvolver mialgia com miopatia. Nestes casos, a elevação da CPK pode ajudar a guiar a redução da dose da colchicina.
A colchicina não deve ser descontinuada durante a concepção, gestação ou lactação.
Não há evidências de maior risco de abortamento ou malformações fetais em gestantes que fazem uso da colchicina. Por outro lado, sua descontinuação pode levar a ataques inflamatórios agudos da FFM e maior risco de amiloidose em longo prazo, e um ataque agudo com peritonite pode levar a contrações e trabalho de parto prematuro ou abortamento.
Em geral, pacientes do sexo masculino que queiram conceber filhos não precisam suspender a colchicina antes da concepção. Em raros casos de azoospermia ou oligospermia relacionados à colchicina, a suspensão temporária pode ser necessária.
Em pacientes com artrite crônica por FFM (aproximadamente 5% dos casos), drogas antirreumáticas modificadoras do curso da doença, infiltrações intra-articulares com glicocorticoides ou imunobiológicos podem ser necessários.
Em pacientes com mialgia febril prolongada (mialgia limitante com pelo menos 5 dias de duração em pacientes com FFM associada a febre, aumento de provas inflamatórias e a presença de pelo menos uma mutação M694V), glicocorticoides levam à resolução dos sintomas. AINEs e anti-IL1 são alternativas possíveis.
Autor do conteúdo
Marília Furquim
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-trato-febre-familiar-do-mediterraneo
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