Como Eu Trato Cetoacidose Diabética Com Base na Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes 2023
30 de outubro de 2024
4 minutos de leitura
A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda grave do diabetes, caracterizada por hiperglicemia, acidose metabólica e cetose, comum no diabetes tipo 1, mas também presente no tipo 2. O tratamento eficaz, realizado em ambiente hospitalar, inclui correção de desequilíbrios metabólicos, controle eletrolítico, hidratação e uso de insulina regular.
O guideline da Sociedade Brasileira de Diabetes tem como objetivo padronizar a identificação, diagnóstico e tratamento da CAD com base em evidências científicas, garantindo cuidados de qualidade. Neste texto, abordaremos o tratamento do paciente com cetoacidose diabética.
A classificação das recomendações foi feita da seguinte forma: recomendação forte (Classe I e IIa) para intervenções eficazes e baseadas em evidências de alta qualidade; recomendação condicional (Classe IIb) para intervenções com eficácia menos estabelecida; e recomendação contra (Classe III) para intervenções consideradas ineficazes ou prejudiciais.
Metas do tratamento da CAD:
Manutenção das vias respiratórias pérvias
Correção da desidratação
Correção de distúrbios eletrolíticos e acidobásicos
Redução da hiperglicemia e da osmolalidade
Identificação e tratamento do fator precipitante
Antes de iniciar o tratamento, fazer os seguintes cálculos:
Osmolaridade plasmática = 2x(Na aferido) + [glicemia (mg/dL) / 18] + [ureia (mg/dL) / 2,8]
Osmolaridade plasmática efetiva = 2x(Na aferido) + [glicemia (mg/dL) / 18]
Ânion gap (AG) = Na aferido – (Cl + HCO3); normal: 4 a 12
Reposição Volêmica (Recomendação forte)
Estimar um déficit de água de 100 mL/kg de peso e repor para manter a pressão arterial, melhorar a perfusão tissular/renal e reduzir a glicemia.
Infusão de solução salina isotônica (NaCl 0,9%): 15-20 mL/kg na primeira hora; monitorar eletrólitos séricos e diurese.
Soluções balanceadas podem ser consideradas para reposição de fluidos, com taxas mais rápidas de resolução da CAD e menor risco de acidose hiperclorêmica (recomendação condicional).
Reposição de eletrólitos:
Sódio sérico (Recomendação forte)
A hiperglicemia desloca água livre para o espaço extracelular, causando hemodiluição e queda da natremia.
Ajuste da natremia de acordo com a glicose plasmática:
Correção de 1,6 mEq/L para cada aumento de 100 mg/dL na glicemia:
Na corrigido = Na aferido + 1,6 x [(glicose em mg/dL – 100) / 100]
Se a glicose for > 400 mg/dL, usar correção de 2,4 mEq/L.
Para hipernatremia (Na corrigido ≥ 150 mEq/L): usar solução salina hipotônica (NaCl 0,45%), 250-500 mL/h (recomendação condicional).
Potássio (Recomendação forte)
Avaliar sempre os níveis de potássio antes de iniciar a insulinoterapia.
Se o potássio sérico for < 3,3 mEq/L, corrigir antes da insulina para evitar hipocalemia.
Se a função renal for normal (com débito urinário), administrar 10-30 mEq/L de cloreto de potássio (KCl) por hora para manter níveis de potássio entre 4 e 5 mEq/L.
Bicarbonato de Sódio (Recomendação condicional)
Não recomendado em uso rotineiro, especialmente em crianças.
Seu uso não demonstrou melhora clínica na resolução da acidose, duração do tratamento ou mortalidade.
Indicado apenas em casos graves (pH < 6,9), com dose de 50 a 100 mmol diluídos em 200-400 mL de solução isotônica para adultos.
Fósforo (Recomendação condicional)
A hipofosfatemia leve é comum e geralmente assintomática na CAD.
Não se recomenda reposição de fosfato de rotina devido ao risco de hipocalcemia e falta de evidências de benefícios.
Indicar reposição apenas em casos graves de depleção de fosfato, com manifestações clínicas como insuficiência cardíaca, respiratória, anemia hemolítica e hipóxia. A reposição pode ser feita com fosfato de potássio ou glicerofosfato (20-30 mEq/L de fluido IV).
Insulinoterapia (Recomendação forte)
Pacientes com CAD moderada a grave e potássio sérico ≥ 3,3 mEq/L devem receber baixa dose de insulina regular intravenosa (0,1 U/kg/h).
Objetivo: Reduzir a glicose sérica em 50-70 mg/dL/hora. Ajustar a taxa de infusão se necessário.
Ao atingir glicemia de 200-250 mg/dL, iniciar infusão de soro glicosado 5% com insulina regular intravenosa para evitar hipoglicemia.
Insulina análoga de ação rápida subcutânea pode ser considerada em CAD leve (recomendação condicional).
Critérios de Resolução da CAD (Recomendação forte)
Considera-se a CAD resolvida quando os seguintes parâmetros metabólicos forem atingidos:
Glicemia < 200 mg/dL
pH > 7,3
Bicarbonato > 18 mEq/L
Ânion gap < 12 mEq/L
Resolução da cetonemia
Nota: A cetonúria não é um bom método para avaliar a resolução, pois o beta-hidroxibutirato é convertido em acetoacetato com a insulinoterapia, criando uma impressão falsa de cetose persistente.
Manejo de Transição (Recomendação forte)
Assim que o paciente puder se alimentar e estiver estável clinicamente e laboratorialmente, iniciar insulinoterapia basal com insulina humana de ação intermediária ou análogos de insulina de longa ação, em conjunto com insulina regular ou análogos de ação rápida antes das refeições.
A transição da insulina intravenosa para subcutânea deve começar 2 horas antes da suspensão da infusão intravenosa.
Manejo de Situações Especiais - Edema Cerebral
O edema cerebral pode ocorrer nas primeiras 12 horas após o início do tratamento.
Sinais e sintomas sugestivos de edema cerebral:
Cefaleia progressiva após início do tratamento
Alteração do estado neurológico (irritabilidade, confusão, incontinência)
Paralisia de nervos cranianos
Papiledema
Tríade de Cushing (aumento da pressão arterial, bradicardia e depressão respiratória)
Diminuição da saturação de oxigênio
Manejo: Na suspeita de edema cerebral, administrar manitol (0,25 a 0,5 g/kg).
Autor do conteúdo
Andressa Leitao
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-trato-cetoacidose-diabetica-com-base-na-diretriz-da-sociedade-brasileira-de-diabetes-2023
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