Como Eu Trato as Vasculites ANCA-Associadas Com Base nas Recomendações do EULAR 2022
24 de julho de 2024
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As vasculites ANCA-associadas (VAA) são doenças sistêmicas que acometem predominantemente vasos de pequeno e médio calibre, incluindo granulomatose com poliangiíte (GPA), poliangiíte microscópica (PAM) e granulomatose eosinofílica com poliangiíte (GEPA).
As recomendações da European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) foram publicadas em março de 2023, visando fornecer diretrizes para clínicos, profissionais de saúde, companhias farmacêuticas, pesquisadores e organizações regulatórias sobre o manejo das VAA.
As recomendações foram formuladas avaliando cada artigo quanto ao nível de evidência (escala de 1 a 5 do "Oxford Centre for Evidence-Based Medicine 2009") e a força da recomendação (A a D). Cada recomendação recebeu uma pontuação anônima para definir o nível de concordância (0-10) entre os especialistas (sendo 10 totalmente de acordo).
Diagnóstico
Utilizar biópsias para diagnóstico novo de VAA ou suspeita de recaída, sem retardar o início do tratamento.
Na ausência de biópsia, o diagnóstico pode ser baseado em uma apresentação clínica típica e positividade para PR3-ANCA ou MPO-ANCA.
Testar PR3-ANCA e MPO-ANCA utilizando um ensaio específico de antígeno de alta qualidade (ELISA).
Um ANCA negativo por imunofluorescência indireta (método convencional) não é suficiente para o diagnóstico e sua negatividade não exclui VAA.
Se ANCA negativo, um segundo teste pode ser necessário em caso de alta suspeita clínica (repetir mesma metodologia ou usar outra).
Em casos de síndrome pulmão-rim, testar anticorpos contra membrana basal glomerular (anti-MBG) ou realizar biópsia renal com imunofluorescência direta.
Tratamento
Uma vez realizado o diagnóstico, o primeiro passo é categorizar a gravidade da doença a seguir:
Categorização da Doença:
Doença grave de órgãos ou doença ameaçadora da vida: glomerulonefrite, hemorragia pulmonar, envolvimento meníngeo ou do sistema nervoso central, doença retro-orbitária, envolvimento cardíaco, envolvimento mesentérico, mononeurite múltipla.
Doença sem acometimento orgânico grave e não ameaçadora da vida: doença nasal/paranasal (sem erosão ou colapso cartilaginoso ou disfunção olfatória ou surdez), acometimento de pele (sem úlceras), miosite, nódulos pulmonares não cavitados, episclerite.
O tratamento das VAA é dividido em duas fases: indução da remissão e manutenção da remissão.
GPA e PAM
Doença grave de órgãos ou ameaçadora da vida
Indução de remissão com glicocorticoides e rituximabe (RTX) ou ciclofosfamida (CFF).
Preferir RTX em casos de doença recidivante, idade reprodutiva ou dose cumulativa elevada de CFF.
O RTX parece ser superior na indução de remissão em pacientes com GPA ou PAM recidivante, conforme análise post-hoc do RAVE trial (2010).
Limitar a dose cumulativa de CFF pelo risco de malignidade e outros efeitos colaterais, como infertilidade.
Obs: na prática do SUS, conseguir RTX pode ser demorado, então iniciamos CFF enquanto aguardamos o RTX, mesmo na doença recidivante.
Iniciar glicocorticoides com 50-75 mg/dia de prednisona oral, seguido de desmame até 5 mg/dia no mês 4-5.
Atenção! Realizar o desmame seguindo o regime PEXIVAS trial (vide final).
Considerar pulsoterapia com metilprednisolona em doença renal com TFG <50mL/min/1,73/m2 ou hemorragia alveolar.
Considerar avacopan (não disponível no Brasil) para reduzir a exposição a glicocorticoides.
Plasmaférese (PLEX) como parte da terapia de indução pode ser considerada na glomerulonefrite ativa com creatinina >3,4 mg/dL.
Uso de rotina para hemorragia alveolar não é recomendada.
Doença não ameaçadora de órgãos ou vida
Indução de remissão com glicocorticoides e RTX, metotrexato (MTX) ou micofenolato mofetil (MMF) como alternativas.
Não existem estudos comparando diretamente RTX com MTX ou MMF na GPA/PAM sem doença ameaçadora de órgãos e/ou vida.
O estudo RITAZAREM indicou que o RTX se associa a elevadas taxas de remissão sustentada, notavelmente melhores do que as observadas em estudos prévios com MTX ou MMF.
Diferente do guideline do Colégio Americano de Reumatologia (ACR), o EULAR não menciona a azatioprina (AZA). Na prática, a AZA é uma opção em casos de intolerância ou contraindicação ao MTX.
Iniciar corticoides com dose inicial de 0,5 mg/kg/dia de prednisona, com desmame progressivo (regime PEXIVAS).
Manutenção da remissão com RTX, ou alternativas como azatioprina (AZA), MTX, ou MMF.
Tempo de manutenção de 24-48 meses após a indução.
GEPA
Doença grave de órgãos ou ameaçadora da vida (inclui pacientes com Five Factor Score [FFS] ≥1)
Indução de remissão com glicocorticoides e CFF, ou combinação de GC + RTX.
Realizar 6-12 ciclos de CFF até remissão.
Iniciar corticoides com 1 mg/kg/dia por 3 semanas, redução progressiva até 10 mg/dia, com redução lenta de 1 mg a cada 3 semanas até a mínima dose efetiva. Considerar pulsoterapia segundo gravidade.
Corticoides: sem regime baseado em evidências
É recomendado o manejo multidisciplinar com otorrinolaringologistas e pneumologistas.
Manutenção da remissão com mepolizumabe (se recaída usar glicocorticoide ± DMARD sintético)
Doença não ameaçadora de órgãos ou vida
Indução de remissão com glicocorticoides se nova atividade e glicocorticoides com mepolizumabe (MPZ) se casos refratários ou recidivantes.
Manutenção da remissão com AZA, MTX, MPZ ou RTX.
Outros Cuidados
Pacientes com VAA em uso de RTX, CFF e/ou altas doses de GC (≥30 mg de prednisona) devem receber profilaxia com trimetoprim/sulfametoxazol contra pneumonia por Pneumocystis jirovecii (PJP) e outras infecções (800/160 mg em dias alternados ou 400/80 mg por dia).
Recomenda-se a medição das concentrações séricas de imunoglobulina antes de cada curso de RTX para detectar imunodeficiência secundária.
Para pacientes com peso corporal <50 kg:
Semana 1: 50 mg/dia
Semana 2: 25 mg/dia
Semanas 3-4: 20 mg/dia
Semanas 5-6: 15 mg/dia
Semanas 7-8: 12,5 mg/dia
Semanas 9-10: 10 mg/dia
Semanas 11-12: 7,5 mg/dia
Semanas 13-14: 6 mg/dia
Semanas 15-18: 5 mg/dia
Semanas 19-52: 5 mg/dia
Após 52 semanas: desmame individual
Para pacientes com peso corporal entre 50 e 75 kg:
Semana 1: 60 mg/dia
Semana 2: 30 mg/dia
Semanas 3-4: 25 mg/dia
Semanas 5-6: 20 mg/dia
Semanas 7-8: 15 mg/dia
Semanas 9-10: 12,5 mg/dia
Semanas 11-12: 10 mg/dia
Semanas 13-14: 7,5 mg/dia
Semanas 15-18: 5 mg/dia
Semanas 19-52: 5 mg/dia
Após 52 semanas: desmame individual
Para pacientes com peso corporal >75 kg:
Semana 1: 75 mg/dia
Semana 2: 40 mg/dia
Semanas 3-4: 25 mg/dia
Semanas 5-6: 25 mg/dia
Semanas 7-8: 20 mg/dia
Semanas 9-10: 15 mg/dia
Semanas 11-12: 12,5 mg/dia
Semanas 13-14: 10 mg/dia
Semanas 15-18: 7,5 mg/dia
Semanas 19-52: 5 mg/dia
Após 52 semanas: desmame individual
Autor do conteúdo
CARLOS ECHAURI
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-trato-as-vasculites-anca-associadas-com-base-nas-recomendacoes-do-eular-2022
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