Como Eu Lido com Pessoas e Equipes
27 de novembro de 2024
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Ser médico envolve trabalhar com pessoas e compor times. Neste contexto, alguns conceitos valem ser aprendidos. Da mesma maneira que aprendemos a realizar um procedimento técnico (como uma intubação orotraqueal, por exemplo), podemos aprender como nos comunicar.
Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Essa lógica hierárquica também nomeada como incivilidade, foi descrita como “o fenômeno destrutivo que assola a cultura médica global”. Aqui, falo de comportamentos rudes, o uso de termos depreciativos, o tom de voz desrespeitoso, a revirada de olhos, a humilhação pública e a ausência de boas maneiras.
A grosseria nos sistemas de saúde é antiga, ligada ao conceito “ele é um babaca, mas é um gênio”, e que a forma violenta é apenas uma maneira de cobrar eficiência e ordem. Qual a novidade? Estudos recentes demonstraram que 30-60% dos eventos evitáveis, com dano ou morte em hospitais, teve a incivilidade da equipe como um dos principais fatores.
Quando alguém é rude conosco, isso reduz o que alguns pesquisadores da psicologia chamam de faixa de ação (“bandwidth”); nossa capacidade de conciliar efetivamente múltiplas tarefas em pensamentos conscientes. Por exemplo, em um dia bom, podemos conciliar de 6 a 8 tarefas, como lembrar de pegar as compras no caminho para casa e lembrar do aniversário da próxima semana. Isso também inclui tarefas para nossos pacientes, como acompanhar os resultados, solicitar exames e considerar diagnósticos diferenciais. A grosseria reduz nossa capacidade de realizar nosso trabalho, ao fazer dela nosso foco, tudo em que passamos a nos concentrar é sobre ela.
Ainda mais desanimador é que a grosseira, geralmente estabelecida por um chefe, se espalha de forma contagiosa. O instigador não infecta apenas o alvo, tanto o alvo como as testemunhas tornam-se mais propensos a fazerem o mesmo. Os profissionais ficam, na melhor das hipóteses, descomprometidos; na pior das hipóteses, empreendem atos grosseiros sobre pacientes, familiares e amigos.
ALGUNS INFOGRÁFICOS:
Site: www.civilitysaveslives.com
Katz et al mostraram como a grosseria em um cenário cirúrgico simulado reduziu o desempenho do anestesista em quase 33%. Além disso, os anestesistas não conseguiam reconhecer que o seu desempenho era pior – os impactos passavam despercebidos.
Riskin e Erez demonstraram o impacto negativo da grosseria nos resultados clínicos. Eles conduziram um ensaio clínico randomizado usando cenários de resposta comparando um com grosseria dentro da equipe e outro sem. Quando a grosseria estava presente, houve aumento de erros diagnósticos e de procedimentos.
Barry Schwarz, psicólogo canadense, conta uma história simples retirada de pesquisas sobre faxineiros em hospitais (TED 2009). Ele descreve alguém que parou de esfregar o chão porque um paciente, que estava acamado há vários meses, dava ansiosamente os primeiros passos; outra que ignorou a advertência de seu supervisor e não passou aspirador na sala de visitas, porque alguns familiares estavam lá o dia todo, e naquele momento, tiravam uma soneca; e uma terceira faxineira que lavou o chão do quarto de um paciente duas vezes, porque o paciente era um jovem em coma grave cujo pai estava ansioso e não a tinha visto fazendo isso da primeira vez. Essas histórias exemplificam o conceito da gentileza inteligente, os comportamentos não estão no “job description” - aliás, pelo menos um deles poderia gerar alguma advertência - e ainda sim, a leitura deles nos gera uma aprovação instantânea.
A gentileza inteligente, tradução livre minha do termo Intelligent Kindness, é um conceito desenvolvido por Penélope Campling. Seu trabalho traz ferramentas para melhorar a cultura de incivilidade presente na medicina. Existe um conjunto de evidências que apoiam a criação de um círculo virtuoso.
A gentileza inteligente se debruça sobre as seguintes questões:
Como gerar uma compreensão imaginativa de que as tarefas de uma pessoa podem contribuir para o bem-estar dos outros?
Como incutir nas pessoas a crença confiante em seu próprio valor e liberdade de agir?
Como garantir o conhecimento e a habilidade para agir com compaixão e assim, se adequar às circunstâncias?
A adoção de medidas como a afirmação ativa de regras de conduta em grupo, por exemplo, antes do início de uma reunião, peça às pessoas que se comprometam a promover o espírito de equipe. Ou ainda, enquanto líder, aproprie-se do poder de simplesmente usar “nós” para compartilhar o crédito e “eu” para absorver a responsabilidade.
O começo é uma pessoa estabelecer um limite dentro da equipe, e outros encontrarão forças para se manterem um pouco mais resistentes aos níveis de incivilidade anteriormente aceitos. E desta forma, aqueles de nós na equipe que são mais fortes contra o vírus da incivilidade podem ajudar a proteger os que são mais vulneráveis ou suscetíveis, tal como acontece com a imunidade coletiva.
Ao impedir a propagação da incivilidade, podemos iniciar um novo contágio de gentileza inteligente que beneficie a todos.
Música: Gentileza Gera Gentileza • André Abujamra (spotify.com)
Livro: Intelligent Kindness (cambridge.org)
Autor do conteúdo
Ionara Medeiros
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-lido-com-pessoas-e-equipes
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