Como Eu Faço Ventilação Não Invasiva em Pacientes com Insuficiência Respiratória Aguda Com Base na Diretriz da ERS/ATS de 2017
15 de novembro de 2024
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A insuficiência respiratória aguda (IRpA) é um dos principais motivos para admissão em unidades de emergência e terapia intensiva. Além da investigação etiológica e tratamento específico, parte essencial do manejo desta condição evolve o suporte respiratório, o qual pode variar desde aporte com oxigênio até o uso de ventilação mecânica invasiva.
Nas últimas duas décadas o suporte com ventilação não invasiva (VNI - ventilação com pressão positiva em um ou dois níveis oferecida através de máscaras nasais, orais ou faciais) tem sido usado com frequência no tratamento de pacientes com IRpA, visando tanto o alívio dos sintomas, quanto evitar a necessidade de intubação. A popularização deste tipo de suporte ocorreu em paralelo à melhora tecnológica relacionada aos aparelhos de VNI, bem como a publicação de estudos demonstrando benefício em diferentes cenários.
Em 2017 a European Respiratory Society (ERS) e a American Thoracic Society (ATS) elaboraram diretrizes para fornecer recomendações baseadas em evidências para o uso de VNI em pacientes com IRpA. Essas diretrizes foram elaboradas a partir de diversas questões (usando a metodologia PICO), seguidas de revisão extensa da literatura e discussão em grupos para a elaboração de recomendações baseadas na metodologia GRADE. Neste texto abordaremos as principais recomendações incluídas nesta diretriz.
Pacientes com DPOC frequentemente evoluem com IRpA hipercápnica, a qual envolve diversos mecanismos fisiopatológicos como hiperinsuflação pulmonar, aprisionamento aéreo, redução na capacidade de troca gasosa, modificação na posição do diafragma e fraqueza muscular.
O painel sugere que pacientes com DPOC com IRpA estabelecida com acidose respiratória sejam manejados com VNI, baseado em evidência forte de melhora de desfechos em comparação a oxigenoterapia padrão (redução na intensidade da dispneia, na necessidade de intubação, na necessidade de UTI, no tempo no hospital, aumento da sobrevida e redução de complicações infecciosas e não infecciosas).
A diretriz sugere que seja preferido o uso de dois níveis de pressão (Bilevel), visando maximizar o suporte respiratório. Pacientes devem ser monitorizados continuamente quanto a sinais de falha do tratamento (manutenção do esforço respiratório e da acidose, ausência de melhora da taquipneia, alteração do nível de consciência), com rápido acesso à intubação orotraqueal em caso de piora.
Mais de 30 estudos foram publicados nos últimos anos avaliando o impacto da VNI em pacientes com edema agudo de pulmão. A maioria desses estudos são unicêntricos e com número pequeno de pacientes. Além disso, houve mudanças consideráveis no manejo de insuficiência cardíaca e da síndrome coronariana aguda ao longo desse período e pacientes com choque cardiogênico foram excluídos na maioria dos trials.
A fisiopatologia do edema agudo envolve aumento da pressão capilar pulmonar, com extravasamento de líquido nos alvéolos, redução da complacência pulmonar e distúrbio ventilação/perfusão. O uso de pressão positiva pode impactar positivamente esses pacientes através de diversos mecanismos, como redução do retorno venoso, redução da pós carga do ventrículo esquerdo, recrutamento de unidades alveolares e redução das variações de pressão geradas pela musculatura respiratória.
O painel recomenda que a VNI seja utilizada no manejo de pacientes com edema pulmonar cardiogênico baseado no conjunto da evidência que demonstra redução na necessidade de intubação e redução da mortalidade com a VNI em comparação à oxigenoterapia convencional.
Tanto Bilevel, quanto CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas) são igualmente eficazes nesse grupo de pacientes.
Em casos com necessidade de revascularização imediata ou com choque cardiogênico não é possível recomendar o uso da VNI pois a maioria dos estudos excluiu tais pacientes. Nesses cenários, a VNI apresenta alguns desafios logísticos (ex.: atraso para realização de cateterismo).
Em pacientes com exacerbação de asma ocorre um aumento transitório na resistência das vias aéreas, resultando em aumento do esforço inspiratório, hiperinsuflação pulmonar, desconforto respiratório e em casos mais severos fadiga respiratória com hipercapnia.
O uso de VNI nesse cenário poderia reduzir o esforço inspiratório, reduzir a sensação de dispneia e evitar a necessidade de intubação. Apesar do racional fisiopatológico, existem poucas publicações avaliando o uso de VNI nesse contexto, sendo a maioria dos estudos retrospectivos.
Diante da incerteza quanto à evidência, a diretriz não faz nenhuma recomendação sobre o uso de VNI em IRpA devido a asma exacerbada.
Pacientes imunossuprimidos frequentemente são admitidos em UTI devido a IRpA de várias etiologias. Diversos estudos sugerem que o uso de VNI nesse contexto pode reduzir a necessidade de intubação, reduzir a mortalidade e as taxas de pneumonia.
Diante disso, o painel da ERS/ATS sugere que seja utilizada VNI precocemente em pacientes imunossuprimidos com IRpA. Novamente é necessário manter a vigilância quanto aos sinais de falha do tratamento.
Pacientes cirúrgicos, particularmente com abordagens próximas ao diafragma, tem alto risco de complicações respiratórias devido a dor, efeitos colaterais da anestesia, atelectasia, resultando em hipoxemia e dispneia.
Nesse cenário, o uso de ventilação com pressão positiva tem o potencial de melhorar a aeração pulmonar e oxigenação, sem efeitos adversos hemodinâmicos maiores.
Apesar de a maioria dos estudos avaliando VNI nesse cenário terem sido pequenos, de forma geral a evidência favorece esta intervenção, com estudos demonstrando redução em complicações como morte, intubação e infecção respiratória.
O painel sugere que tanto Bilevel quanto CPAP podem ser igualmente eficazes nesse cenário. Além disso, complicações cirúrgicas como fístula anastomótica e sepse intra-abdominal devem ser excluídas. Pacientes em pós-operatório de cirurgia abdominal alta, cirurgia torácica e cirurgia cardíaca são os que mais se beneficiam dessa prática.
Pacientes em cuidados paliativos exclusivos frequentemente apresentam dispneia, a qual piora progressivamente à medida que a morte se aproxima. Em geral, tais pacientes recebem opioides, os quais (apesar de efetivos) têm grande número de efeitos colaterais. Nesse sentido, o uso de VNI como medida paliativa em casos de dispneia pode ser uma estratégia interessante.
O painel da ERS/ATS sugere o uso de VNI em pacientes em cuidado paliativo, baseado em alguns estudos que sugerem que o uso criterioso de VNI em pacientes em fim de vida pode reduzir sintomas, reduzir a necessidade de opioides e melhorar a qualidade da morte.
Deve-se ter atenção quanto aos potenciais efeitos adversos da terapia, com lesões relacionadas à interface da VNI e má adaptação à terapia. Além disso, apesar do caráter paliativo, em alguns casos a VNI pode prolongar a vida com qualidade de vida, o que pode ser algo desejável.
O painel sugere que seja utilizada VNI profilática após a extubação de pacientes de alto risco (idosos, com patologias cardíacas ou pulmonares) como estratégia para reduzir a necessidade de reintubação. Em pacientes com baixo risco de reintubação a evidência existente não suporta o uso rotineiro de VNI.
Para pacientes que evoluem com IRpA após a extubação, a diretriz não recomenda a realização de VNI terapêutica, uma vez que alguns estudos falharam em demonstrar redução na necessidade de reintubação nesse cenário, inclusive com aumento de mortalidade no grupo que fez VNI (possivelmente relacionada a um atraso para a reintubação).
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-ventilacao-nao-invasiva-em-pacientes-com-insuficiencia-respiratoria-aguda-com-base-na-diretriz-da-ersats-de-2017
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