Como Eu Faço o Tratamento da Síndrome da Quilomicronemia Familiar
10 de março de 2025
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A síndrome da quilomicronemia familiar (SQF) é uma causa genética rara de hipertrigliceridemia, causada pela deficiência de enzimas essenciais para o metabolismo dos triglicérides. A principal etiologia é a deficiência da enzima lipoproteína lipase (LPL) ou de algum cofator necessário para sua função adequada. Trata-se de uma doença com padrão de herança autossômica recessiva, cujo quadro clínico inclui aumento do risco de pancreatite, dor abdominal, hepatoesplenomegalia e manifestações cutâneas e oculares decorrentes do acúmulo de lípides, como xantomas e lipemia retinalis. O principal diagnóstico diferencial é com a síndrome da quilomicronemia multifatorial, uma condição muito mais comum e de etiologia multifatorial, envolvendo fatores poligênicos e influências ambientais.
O posicionamento foi elaborado pelo Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), com o objetivo de conscientizar profissionais da saúde e reunir as principais orientações sobre o diagnóstico e o tratamento da condição. Neste texto, abordaremos as principais recomendações para o tratamento da síndrome da quilomicronemia familiar.
O método adotado utilizou cinco classes (graus) de recomendação: Classe I (evidências conclusivas, ou, na ausência delas, consenso geral de que o procedimento é seguro e eficaz), Classe II (evidências conflitantes e/ou divergências de opinião sobre a segurança e a eficácia do procedimento), Classe IIa (maior peso de evidências ou opiniões favoráveis ao procedimento, com aprovação da maioria), Classe IIb (segurança e eficácia menos bem estabelecidas, sem predomínio de opiniões favoráveis) e Classe III (evidências e/ou consenso de que o procedimento não é eficaz, e, em alguns casos, pode ser prejudicial). Além disso, a qualidade das evidências encontradas na literatura foi estratificada em três níveis: Nível A (múltiplos estudos randomizados de alta qualidade e/ou metanálises robustas), Nível B (metanálises menos robustas, um único estudo randomizado ou estudos observacionais) e Nível C (dados baseados em opiniões consensuais de especialistas).
Nota da autora: Os pacientes com hipertrigliceridemia grave relacionada à Síndrome da Quilomicronemia Familiar geralmente não respondem a fibratos ou outras medicações hipolipemiantes, e o principal tratamento envolve orientações dietéticas.
Recomendar as seguintes orientações para terapia nutricional:
Restringir a ingestão de gordura na dieta (10 a 15% do valor calórico total);
Excluir açúcares adicionados (sacarose e xarope de milho);
Excluir sucos de frutas concentrados;
Excluir bebidas alcoólicas;
Consumir carboidratos complexos em quantidades adequadas;
Garantir adequação de ácidos graxos essenciais (ácido alfalinolênico ou ômega 3 e ácido linoleico ou ômega 6);
Monitorar o consumo de vitaminas lipossolúveis (A, E, D e K), com suplementação quando necessário;
Incluir triglicérides de cadeia média como fonte de aporte calórico, de acordo com tolerância (já que alguns pacientes apresentam desconforto gastrintestinal com seu uso).
- Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Nota: Os triglicérides de cadeia média são compostos por ácidos graxos saturados caproico (C6:0), caprílico (C8:0) ou cáprico (C10:0), derivados do óleo de coco ou óleo de palma. Podem ser consumidos por indivíduos com SQF, pois esses ácidos graxos, em geral, são absorvidos diretamente pelo sistema portal, sem relação com os quilomícrons.
Indicar o uso de medicamentos anti-APOC3 (Volanesorsen, um oligonucleotídeo antisense que age inibindo a APOC3) em pacientes adultos (> 18 anos) com diagnóstico genético de Síndrome da Quilomicronemia Familial que não apresentaram boa resposta ao tratamento usual nutricional e que possuem alto risco de pancreatite - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Durante o tratamento com anti-APOC3, realizar monitorização dos níveis de plaquetas, inicialmente a cada 2 semanas, ajustando o intervalo conforme a contagem de plaquetas - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência B
Espaçar o intervalo de aplicação de anti-APOC3 em caso de plaquetopenia < 100.000/uL e suspender o fármaco em caso de plaquetopenia < 75.000/uL. - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência B.
Considerar que valores de triglicérides > 1.000 mg/dL aumentam o risco de pancreatite nos pacientes com SQF - Grau de Recomendação IIa, com Nível de Evidência C.
Não prescrever infusão de heparina endovenosa na pancreatite induzida por hipertrigliceridemia - Classe de Recomendação III, com Nível de Evidência C.
Prescrever heparina de baixo peso molecular como profilaxia para trombose venosa profunda em pacientes com pancreatite induzida por hipertrigliceridemia e SQF - Classe de Recomendação IIa, com Nível de Evidência C.
A heparina, apesar de atuar estimulando a LPL, pode aumentar o risco de sangramentos e de liberação de componentes tóxicos dos triglicérides.
Prescrever insulina endovenosa apenas em pacientes com diabetes tipo 1 e 2 descompensados, para controle glicêmico, em pacientes com pancreatite induzida por hipertrigliceridemia e SQF - Classe de Recomendação IIa, com Nível de Evidência C.
Não há evidência clara de benefício na prescrição de insulina em pacientes com pancreatite induzida por hipertrigliceridemia sem diabetes.
Indicar plasmaférese de forma individualizada para pacientes com pancreatite induzida por hipertrigliceridemia e SQF, considerando que os melhores candidatos são os pacientes com pancreatite grave ou que persistem com valores de triglicérides > 1.000 mg/dL após as primeiras 24 a 48 horas - Classe de Recomendação IIb, com Nível de Evidência C.
Indicar plasmaférese de forma individualizada para pacientes durante a gestação, que apesar de ser segura e eficaz, possui evidências escassas até o momento - Classe de Recomendação IIb, com Nível de Evidência C.
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-tratamento-da-sindrome-da-quilomicronemia-familiar
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