Como Eu Faço o Tratamento da Hipercolesterolemia Familiar
17 de março de 2025
6 minutos de leitura
A Hipercolesterolemia Familiar (HF) é uma condição genética de alta prevalência, afetando aproximadamente 1 em cada 200 a 300 indivíduos na população geral. Seu impacto na morbimortalidade cardiovascular é significativo, pois leva à exposição prolongada a níveis elevados de LDL-c ao longo da vida favorecendo o desenvolvimento precoce de aterosclerose e eventos cardiovasculares.
Essa elevação persistente do LDL-c ocorre devido a mutações genéticas que comprometem a função do receptor de LDL, da apolipoproteína B (APOB) e, em menor frequência, ao ganho de função da PCSK9, que acelera a degradação do receptor de LDL.
É uma dislipidemia de herança autossômica dominante, cuja identificação e tratamento precoces são essenciais para reduzir o risco de complicações cardiovasculares e aumentar a expectativa de vida dos pacientes. Além disso, o rastreamento sistemático dos familiares é fundamental para o diagnóstico precoce e manejo adequado.
A diretriz tem como principal objetivo trazer recomendações baseadas em evidências científicas para o diagnóstico, estratificação de risco e tratamento da HF no Brasil, prevenindo o desenvolvimento da doença aterosclerótica precoce e suas consequências, reduzindo sua morbimortalidade. Neste texto, focaremos no manejo da Hipercolesterolemia Familiar.
A diretriz classificou as recomendações baseando-se na combinação do grau de recomendação e do nível de evidência, permitindo orientar a tomada de decisão clínica. O grau de recomendação é dividido em três classes principais: a Classe I (evidências conclusivas ou consenso de que o procedimento é seguro e eficaz); a Classe II (há divergência de opinião ou evidências conflitantes), sendo subdividida em Classe IIA (a maioria aprova a conduta), e Classe IIB (há maior incerteza sobre seus benefícios); e a Classe III (sem eficácia comprovada ou potencialmente prejudiciais). O nível de evidência classifica a robustez dos dados científicos que fundamentam as recomendações: Nível A (múltiplos ensaios clínicos randomizados ou meta-análises robustas); Nível B (meta-análises menos robustas, estudos randomizados isolados ou estudos observacionais); e Nível C (opinião consensual de especialistas).
Alimentação balanceada, excluindo gordura saturada e estimulando o consumo das gorduras mono e poli-insaturadas em quantidades adequadas - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Sugere-se a dieta do mediterrâneo e a dieta DASH caracterizadas pelo aumento do consumo de grãos, frutas, hortaliças, carnes magras, laticínios com baixo teor de gorduras, oleaginosas. Sugere-se o uso para preparo de alimentos, uso moderado de óleos vegetais ricos em poli e monoinsaturados, evitando óleo de palma, óleo de coco, bacon, biscoitos e alimentos ricos em gordura e açúcar.
Reduzir o consumo de gordura saturada a < 7% valor calórico total da dieta - recomendação classe I, com nível de evidência A.
As fibras reduzem o colesterol total e LDL-c em 5% - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Fitoesterois reduzem moderadamente o colesterol, em torno de 10% quando consumidos 2g/d - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Metas:
Muito alto risco cardiovascular: Meta reduzir ao menos 50% com alvo de LDL-c < 50 mg/dL
Alto risco cardiovascular: Meta reduzir ao menos 50% com alvo de LDL-c < 70 mg/dL
Intermediário risco cardiovascular: Meta reduzir ao menos 50% com alvo de LDL-c < 100 mg/dL
Obs: HF homozigótica será no mínimo alto risco - normalmente tem LDL > 500 mg/dL, quando não tratado ou > 300 mg/dL sob tratamento
Prevenção secundária - doença ateroscleróstica manifesta = Muito alto risco cardiovascular
Prevenção primária = Alto risco cardiovascular
Opções farmacológicas:
Estatina: inibe a hidroximetilglutaril-coenzima A redutase, sendo a primeira escolha (recomendação classe I, com nível de evidência C), mas frequentemente será necessária a adição de 1 ou mais hipolipemiantes. A recomendação é utilizar as de alta potência (rosuvastatina e atorvastatina) na máxima dose tolerada (recomendação classe I, com nível de evidência A). Demonstrou reduzir eventos isquêmicos coronários, necessidade de revascularização do miocárdio, AVE e mortalidade por causas cardiovasculares em todos os subgrupos (recomendação classe I, com nível de evidência A).
Ezetimiba: age no enterócito, no transportador Niemann- Pick C1-Like 1 (NPC1L1), reduzindo seletivamente a absorção intestinal do colesterol. Ele potencializa o efeito da estatina, demonstrando em uma meta-análise redução adicional de 23%, sendo recomendada como terapia adjuvante quando a estatina já está em dose máxima ou na máxima tolerada - recomendação classe I, com nível de evidência B.
Inibidores de PCSK9: anticorpos monoclonais que bloqueiam a ligação da PCSK9 com o LDLR, inibindo a degradação do receptor o que permite captar mais LDL e reduzir seus níveis séricos em cerca de 50%. Tem administração subcutânea a cada 2 semanas ou mensal. Recomendado como terceiro passo terapêutico caso não atinja-se a meta com estatina em dose máxima tolerada de preferência associada ao ezetimiba - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Colestiramina: resina que se liga aos ácidos biliares e aumenta a excreção fecal que estimula a síntese hepática de colesterol mas também de receptores de LDL que retiram o LDL da circulação. Tem efeitos gastro-intestinais importantes, limitando seu uso. Tem potencial de reduzir o LDL em 30% na dose máxima. Sendo o quarto passo no tratamento da hipercolesterolemia - recomendação classe IIa, com nível de evidência B.
Terapias Alternativas
Bypass ileal parcial: estudo demonstra redução do LDL-c de 38% e diminuição do desfecho combinado de morte coronariana ou IAM não fatal de 35%, mas não é recomendado de rotina por existir opções terapêuticas não invasivas - recomendação classe IIb, com nível de evidência B)
Lomitapide: Inibidor da proteína microssomal transferidora de triglicerídeos (MTP) pode permitir redução adicional de LDL principalmente em casos graves e HF homozigótica
Plasmaférese e LDL-aférese: filtração sanguínea extracorpórea, sendo a segunda modalidade mais específica, reservada para casos graves, sem resposta adequada após 6 meses de tratamento ou intolerância aos medicamentos, principalmente quando HF homozigótica -> encaminhar ao especialista - recomendação classe I, com nível de evidência C.
Transplante hepático pode ser considerado em casos graves e HF homozigótica -> encaminhar ao especialista - recomendação classe IIb, com nível de evidência C.
Particularidades na infância
Para o monitoramento da aterosclerose, é fundamental determinar a estrutura e a função arterial, sendo a medida da espessura médio-intimal considerada um método ideal e de fácil aplicação em crianças com HF, principalmente em maiores de 8 anos - recomendação classe IIa, com nível de evidência B.
Tratamento não farmacológico é sempre recomendado (entre 6-17 anos: meta de atividade física aeróbica intensa é 60 minutos por dia) - recomendação classe II, com nível de evidência A.
O tratamento farmacológico é indicado para pacientes com mais de 8 anos - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Metas: Reduzir 50% do LDL-c, sendo desejável níveis < 110 mg/dL e tolerável < 130 mg/dL. Se fatores agravantes de RCV: < 100 mg/dL (níveis baixos de HDL-c, aumento de triglicerídeos, Lp (a) elevada, tabagismo, dieta aterogênica e sedentarismo, além de DM tipo 1 e 2, doença renal crônica, transplantados cardíacos, doença de Kawasaki, doença inflamatória crônica, HIV, síndrome nefrótica e crianças que tiveram tratamento oncológico - recomendação classe I, com nível de evidência A.
Estatinas: Permitidas > 8 anos - recomendação classe IIa, com nível de evidência A.
Ezetimiba: Permitido > 5 anos - recomendação classe IIb, com nível de evidência C.
Sequestrante de ácidos biliares: qualquer idade - recomendação classe I, com nível de evidência B.
iPCSK9: poucos estudos na população pediátrica, deve-se individualizar - recomendação classe IIa, com nível de evidência C.
Particularidades na gestante
Há aumento de 25 a 50% dos níveis de colesterol e 150 a 300% de triglicerídeos
Não se deve prescrever: Estatinas, ezetimiba, iPCSK9, fibratos - recomendação classe III, com nível de evidência B.
Possível: resinas como colestiramina e colesevelam e aférese - recomendação classe IIb, com nível de evidência B.
Outras terapias para casos graves
Terapias baseadas em RNA
Inibidores da síntese de ApoB (Oligonucleotídeos Antissentido AntiApo B): Mipomersen bloqueia a síntese hepática da Apo B-100, reduzindo LDL-c, VLDL, IDL e Lp(a). Efeitos adversos: mialgia, fadiga, reação no local da aplicação, sintomas gripais e esteatose hepática. Mas em 2018 foi descontinuado pelo alto custo e efeitos colaterais.
RNA Pequeno de Interferência (siRNA - Inclisiran): reduz a síntese hepática da PCSK9, resultando em uma redução sustentada do LDL-c. Já aprovada pela ANVISA (até a publicação da diretriz ainda não tinha sido aprovada)
Anticorpo Monoclonal Anti-ANGPTL3 (Evinacumabe)
inibe a ANGPTL3, reduzindo significativamente o LDL-c
Ácido bempedoico: é um inibidor da ATP citrato liase, enzima envolvida na biossíntese do colesterol, atuando um passo antes da HMG-CoA redutase (alvo das estatinas). Sua ação é exclusiva no fígado, sem interferência nos músculos esqueléticos, o que reduz o risco de efeitos adversos musculares.
Notas da autora: Outras Informações Pertinentes
O tratamento da hipercolesterolemia vem evoluindo principalmente com o avanço nos estudos de terapias baseadas em RNA com oligonucleotídeos antissentido e RNA Pequeno de Interferência, embora mais estudos sejam necessários.
O manejo da hipercolesterolemia é um desafio principalmente quando nos deparamos com formas graves da doença visto a pouca disponibilidade e acesso das terapias adicionais, sendo o mais disponível a dupla dinâmica de estatina e ezetimiba, principalmente pelo custo, o que dificulta alcançarmos as metas desejáveis.
Como perspectivas futuras existem estudos em terapia genética para corrigir mutações no receptor de LDL utilizando vetores virais e não virais, bem como terapia genética direcionada ao PCSK9.
Autor do conteúdo
Isabelle Magalhães
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-tratamento-da-hipercolesterolemia-familiar
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