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    Como Eu Faço o Manejo Nutricional do Doente Crítico – Recomendações para Nutrição Parenteral e para Grupos Específicos

    07 de março de 2025

    7 minutos de leitura

    Racional

    • Pacientes críticos apresentam tipicamente um estado catabólico, marcado por uma resposta inflamatória sistêmica a qual pode resultar em desnutrição, perda ponderal, complicações infecciosas, internação prolongada e maior morbimortalidade. Nesse sentido, o suporte nutricional é parte essencial do cuidado ao paciente internado na UTI. 

    • Nas últimas 3 décadas houve um avanço considerável no entendimento sobre o impacto do suporte nutricional através de diversas publicações em revistas de alto impacto. Diante disso, a ASPEN, em conjunto com a SCCM, desenvolveram diretrizes em 2016 com recomendações sobre os principais aspectos do suporte nutricional do doente crítico. Em 2021 alguns aspectos desta diretriz foram atualizados.  

    • A elaboração dessas diretrizes envolveu a formação de um comitê multidisciplinar de especialistas que formularam perguntas relevantes sobre o tema, seguida de uma revisão abrangente da literatura. A partir desta revisão foram definidas as recomendações, cuja força da evidência foi classificada seguindo a metodologia GRADE. 

    • A seguir são apresentadas as recomendações gerais dessa diretriz em relação à nutrição parenteral e nutrição para grupos específicos:

    Recomendações

    • Seleção da formulação adequada

      • A diretriz sugere que pacientes críticos recebam como aporte inicial formulações de dieta enteral polimérica padrão em detrimento do uso de formulações específicas (consenso de especialistas).

      • A diretriz sugere que formulações enterais com propriedades inmunomoduladoras (contendo arginina, ácido eicosapentaenoico, ácido docosahexaenoico, glutamina, entre outros) não sejam utilizados rotineiramente (qualidade da evidência muito baixa).

      • Estudos mais antigos sugeriam que a adição de elementos na dieta enteral visando modular a resposta imune seria capaz de melhorar os desfechos de pacientes críticos. Contudo, estudos mais recentes e com maior rigor metodológico falharam em confirmar tais benefícios. Além disso, existe uma grande heterogeneidade entre as formulações, o que prejudica a comparação direta entre os estudos e a generalização dos resultados.  

      • A diretriz sugere que em pacientes com diarreia persistente pode-se considerar o uso de formulações enterais enriquecidas com fibras solúveis e insolúveis (consenso de especialistas).

      • Estudos em pacientes não críticos sugerem que a adição de suplementos de fibras é eficaz em promover o funcionamento do intestino. Na população de UTI, contudo, existe algum receio pelo risco teórico de isquemia mesentérica ou obstrução intestinal em caso de dismotilidade severa. Diante da paucidade de estudos prospectivos, o painel não pode fazer uma recomendação mais forte sobre este tópico.

      • A diretriz sugere que suplementos enterais e parenterais de glutamina não sejam utilizados rotineiramente em pacientes críticos (qualidade de evidência moderada).

      • Diversos estudos randomizados testaram o uso da glutamina como um adjuvante ao suporte nutricional, tanto por via enteral, quanto parenteral. Em teoria, esse aminoácido exerceria efeitos antioxidantes e imunomodulatórios que poderiam impactar positivamente os desfechos de pacientes críticos. Contudo, agregando os dados de diversos estudos não foi possível demonstrar um efeito benéfico da glutamina. Inclusive, o maior RCT sobre o tema (com reposição EV de glutamina) observou maior mortalidade nos pacientes randomizados para o grupo intervenção.  

     

    • Nutrição enteral versus parenteral

      • A diretriz de 2016 recomenda que a nutrição enteral seja utilizada preferencialmente em pacientes críticos (em comparação à nutrição parenteral). Contudo, em sua atualização de 2021 houve uma mudança nesta recomendação, baseada na publicação de estudos randomizados de alta qualidade demonstrando desfechos clínicos similares com o uso de nutrição enteral e parenteral. Assim, a diretriz sugere que tanto o aporte enteral quanto o parenteral são aceitáveis na fase precoce da doença crítica (qualidade de evidência alta).  

      • Previamente, diversas metanálises sugeriam que a nutrição enteral resultaria em menor risco de infecção e menor tempo de internação em comparação à nutrição parenteral. Contudo, recentemente foram publicados os estudos CALORIES e NUTRIREA-2, ambos RCTs multicêntricos com alguns milhares de pacientes e que não foram capazes de demonstrar diferenças significativas entre a dieta enteral precoce e a parenteral precoce. Assim, a diretriz reformulou esta recomendação, sugerindo que ambas as modalidades são igualmente eficazes. Apesar disso, alguns aspectos devem ser levados em consideração, como o custo (bem maior com nutrição parenteral), a necessidade de acesso venoso e a familiaridade com a terapia (bem maior com suporte enteral). Assim, a decisão quanto à modalidade inicial de suporte nutricional irá variar entre cada serviço, mas no nosso meio é bem provável que a dieta enteral seja mais apropriada na maioria dos contextos (mais barata, disponível, fácil de manipular e sem necessidade de acesso central). 

      • Em pacientes que já estão em uso de nutrição enteral, o uso de nutrição parenteral complementar (visando atingir a meta calórica) não resulta em melhores desfechos na fase aguda da doença crítica. A diretriz recomenda que não seja iniciada nutrição parenteral complementar antes do sétimo dia de admissão na UTI (qualidade da evidência forte).

      • Esta recomendação se baseia principalmente no estudo EPANIC, o qual demonstrou piores desfechos em pacientes que receberam suporte parenteral de forma agressiva, a partir de 48h da admissão, visando precocemente atingir a meta calórica. Esse grupo teve mais tempo de internação, mais tempo na ventilação mecânica, mais tempo de diálise e mais complicações infecciosas. Além disso, esses resultados reforçam o conceito de que é razoável ofertar um percentual baixo da meta calórica (entre 30-50%) na fase aguda da doença crítica.

      • Em pacientes críticos com impossibilidade de ingesta oral/enteral e que tenham alto risco nutricional e/ou desnutrição grave, a diretriz sugere que a nutrição parenteral seja iniciada assim que possível (consenso de especialistas).

      • Esta é uma recomendação da diretriz de 2016, a qual se baseia principalmente na opinião de especialistas, visto que há poucos estudos prospectivos sobre o tema. Recentemente um RCT chinês demonstrou melhores desfechos em pacientes cirúrgicos com impossibilidade de usar o trato gastrointestinal que receberam parenteral precocemente. Contudo, menos de 10% dos pacientes estavam em UTI. Vale lembrar que no EPANIC, o subgrupo de pacientes que teve os piores desfechos com nutrição parenteral precoce foi justamente o subgrupo que tinha contraindicação a qualquer aporte oral/enteral.

      • A diretriz sugere que em pacientes recebendo nutrição parenteral que tenham iniciado a transição para aporte enteral, é razoável considerar a suspensão de nutrição parenteral quanto a dieta enteral for capaz de fornecer mais de 60% das metas nutricionais (consenso de especialistas).

    • Nutrição em grupos específicos

      • A diretriz recomenda que formulações nutricionais específicas para pacientes com doenças pulmonares, hepáticas e renais não sejam utilizadas. A diretriz sugere o uso de formulações padronizadas nesses pacientes, com adaptações apenas em casos selecionados (consenso de especialistas).

      • No passado, diversos estudos avaliaram dietas específicas para pacientes com DPOC, insuficiência renal e cirrose. Tais dietas são baseadas em princípios fisiológicos (ex.: mais lipídios e menos carboidratos em pneumopatas; restrição de potássio e fósforo para dialíticos; aminoácidos de cadeia ramificada em pacientes com encefalopatia hepática), porém em geral não são suportadas por estudos clínicos randomizados, além de serem mais caras e menos disponíveis. Assim, é razoável iniciar uma formulação padrão para todos os doentes críticos, fazendo ajustes eventuais caso necessário.

      • Em pacientes com pancreatite aguda grave, a diretriz sugere que seja utilizada dieta enteral precoce em 24-48h da admissão, em detrimento do uso de nutrição parenteral (qualidade de evidência baixa).

      • Alguns estudos randomizados pequenos sugerem que o início precoce de suporte nutricional enteral em pacientes com pancreatite aguda grave resulta em melhores desfechos, incluindo menor incidência de infecção, menor tempo na UTI e menor mortalidade, em comparação ao suporte parenteral. A diretriz sugere iniciar a dieta enteral assim que possível e monitorar os pacientes quanto à intolerância. O “repouso pancreático”, previamente advogado nesta condição, não é apoiado por evidência científica. A nutrição parenteral ficaria reservada para casos selecionados em que não houver tolerância à dieta enteral.

      • Em pacientes em peritoniostomia, a diretriz sugere que é seguro utilizar nutrição enteral desde que o trato digestivo esteja patente e não haja outras contraindicações (consenso de especialistas).

      • Dados observacionais sugerem que para a maioria dos pacientes em peritoniostomia é seguro iniciar nutrição enteral, desde que o trato digestivo esteja patente. A princípio, o suporte nutricional não aumenta o risco de aspiração e pneumonia e não dificulta o fechamento da parede abdominal.

      • Em pacientes submetidos a cirurgia de grande porte, a diretriz sugere que o aporte nutricional seja iniciado dentro das primeiras 24h após a cirurgia, desde que factível (qualidade da evidência muito baixa).

      • Metanálises de estudos pequenos sugerem que o início precoce de nutrição enteral no pós-operatório de cirurgia de grande porte resulta em melhores desfechos (menor mortalidade e menor risco de complicações), em comparação ao jejum ou à nutrição parenteral. Segundo a opinião do painel, a nutrição parenteral seria recomendada em casos selecionados no qual há expectativa de que o trato digestivo ficará indisponível por mais de 7 dias ou acima de 5 dias em pacientes com alto risco nutricional. Além disso, a diretriz também comenta sobre a progressão de dieta oral no pós-operatório, ressaltando que a progressão lenta de consistência (líquido -> pastoso -> sólido) não tem sentido fisiológico e não é amparada pela literatura, não havendo razões para não iniciar dieta normal desde o primeiro dia após a cirurgia. 

      • Em pacientes críticos crônicos (disfunção orgânica persistente por mais de 21 dias na UTI), a diretriz sugere que seja utilizado dieta enteral com dose alta de proteína e com programas de exercícios resistivos.

      • Doentes críticos crônicos têm sido reconhecidos como um grupo cada vez mais prevalente em UTIs ao longo do mundo. Apesar disso, esse grupo é pouco estudado e raramente incluído em estudos randomizados. Quando se trata do suporte nutricional, praticamente todos os RCTs focaram em pacientes com admissão recente em UTI e na fase aguda da doença, havendo pouquíssima evidência sobre como ajustar o suporte nutricional para doentes críticos crônicos. Alguns poucos estudos prospectivos avaliaram o impacto de suplementos de proteínas associados a fisioterapia e/ou eletroestimulação, resultando em desfechos funcionais a curto prazo melhores em pacientes críticos crônicos. Partindo do princípio de que nesta fase da doença há menor catabolismo do que na fase aguda, é razoável considerar que um aporte maior de calorias e proteínas seja capaz de proporcionar algum anabolismo, o qual pode ser importante para recuperação de massa magra, desmame da ventilação, mobilização fora do leito e cicatrização de feridas. Contudo, são necessários estudos randomizados voltados a esta população para determinar a forma mais apropriada de ajuste do suporte nutricional. 

      • Em pacientes obesos, a diretriz sugere o uso de nutrição hipocalórica hiperproteíca visando preservar a massa magra, mobilizar os estoques de gordura e minimizar complicações metabólicas (consenso de especialistas).

      • A diretriz sugere atingir algo em torno de 65-70% da meta calórica baseada na calorimetria indireta ou 11-14 kg/kg/dia caso a calorimetria não esteja disponível. Esta redução no número de calorias teria por objetivo proporcionar alguma perda ponderal, reduzindo as complicações associadas à obesidade. Por outro lado, é recomendada uma dieta hiperproteíca, baseada em estudos observacionais e em alguns pequenos estudos randomizados, sugerindo que esta abordagem seria segura e talvez associada a melhores desfechos. Contudo, a população obesa é outro grupo pouco estudado na UTI, sendo necessários estudos randomizados maiores antes de ter certeza sobre a melhor abordagem nutricional para pacientes críticos obesos. 


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-nutricional-do-doente-critico-recomendacoes-para-nutricao-parenteral-e-para-grupos-especificos


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