• Home

    Como Eu Faço o Manejo Nutricional do Doente Crítico – Recomendações Gerais

    28 de fevereiro de 2025

    6 minutos de leitura

    Racional

    • Pacientes críticos apresentam tipicamente um estado catabólico, marcado por uma resposta inflamatória sistêmica a qual pode resultar em desnutrição, perda ponderal, complicações infecciosas, internação prolongada e maior morbimortalidade. Nesse sentido, o suporte nutricional é parte essencial do cuidado ao paciente internado na UTI. 

    • Nas últimas 3 décadas houve um avançado considerável no entendimento sobre o impacto do suporte nutricional através de diversas publicações em revista de alto impacto. Diante disso, a ASPEN, em conjunto com a SCCM desenvolveram diretrizes em 2016 com recomendações sobre os principais aspectos do suporte nutricional do doente crítico. Em 2021 alguns aspectos dessa diretriz foram atualizados.  

    • A elaboração dessas diretrizes envolveu a formação de um comitê multidisciplinar de especialistas que formularam perguntas relevantes sobre o tema, seguida de uma revisão abrangente da literatura. A partir desta revisão foram definidas as recomendações, cuja força da evidência foi classificada seguindo a metodologia GRADE. 

    • A seguir são apresentadas as principais recomendações gerais dessa diretriz:

    Recomendações

    • Avaliação nutricional 

      • A diretriz sugere que todos os pacientes críticos com expectativa de ingesta alimentar reduzida sejam submetidos à avaliação nutricional com ferramentas apropriadas (NRS 2002 ou NUTRIC), visando identificar pacientes com alto risco nutricional, os quais possivelmente são os que teriam maior benefício da terapia nutricional (consenso de especialistas).

      • Vale ressaltar que tanto o NRS 2002 quanto o NUTRIC são escores que refletem principalmente a gravidade da doença e não necessariamente o risco de desnutrição ou a necessidade de aporte maior de calorias/proteínas. Apesar disso, a diretriz continua recomendando o uso dessas escalas, com o objetivo selecionar pacientes cuja atenção ao suporte nutricional deveria ser diferenciada.

      • A diretriz sugere que a calorimetria indireta seja utilizada, quando disponível, para determinar o gasto energético basal (qualidade da evidência muito baixa).

      • É importante relembrar que os dois maiores estudos que avaliaram a calorimetria indireta em pacientes críticos (EAT-ICU e TICACOS) não demonstraram melhores desfechos com o uso desta ferramenta. Além disso, existem diversas limitações técnicas como a necessidade de volume corrente estável, estabilidade hemodinâmica, térmica e respiratória, ausência de vazamentos, entre outras, o que frequentemente torna impossível o uso da calorimetria indireta.

      • Na ausência da calorimetria indireta, a diretriz sugere o uso de equação preditiva simples (“fórmula de bolso” 25-30kcal/kg de peso) para calcular as metas nutricionais (consenso de especialistas).

      • Tais fórmulas em geral incluem um valor fixo de calorias (medidas em kcal) e de proteínas (em gramas) por quilo por dia. Existem algumas fórmulas mais complexas, que levam em consideração variáveis como gênero e idade (além do peso), permitindo um cálculo mais individualizado das necessidades nutricionais, porém tais fórmulas não são citadas na diretriz.  

    • Início do suporte nutricional

      • A diretriz recomenda que seja iniciado suporte nutricional precoce (em 24-48h) em pacientes críticos incapazes de se alimentar por via oral (qualidade da evidência baixa).

      • Essa recomendação é baseada em meta-análises de estudos antigos que demonstram menor risco de infecção e possivelmente menor mortalidade em pacientes que recebem nutrição enteral precoce. Contudo, a qualidade dos estudos é muito baixa e alguns trabalhos observacionais mais recentes questionam esse benefício. 

      • A diretriz sugere que na maioria dos pacientes não sejam utilizados fatores associados à contratilidade (flatos, ruídos hidroaéreos) para determinar o início da dieta enteral (consenso de especialistas).

      • Entre 30% e 70% dos pacientes críticos apresentam algum grau de disfunção gastrointestinal, sendo comum a ausência de ruídos hidroaéreos e a ocorrência de constipação. Diversos estudos observacionais sugerem que mesmo na ausência sinais de trânsito intestinal, é possível e seguro iniciar a dieta enteral, devendo o paciente ser acompanhado de perto.    

      • A diretriz sugere que para a maioria dos pacientes não há diferença entre iniciar a dieta enteral por sonda em posição gástrica em comparação à posição jejunal / pós-pilórica (consenso de especialistas).

      • A passagem de sonda gástrica é tecnicamente mais simples e rápida em comparação à passagem de sonda pós-pilórica. Além disso, dados de alguns estudos randomizados sugerem que a administração de dieta por sonda pós pilórica não resulta em melhores desfechos em comparação à alimentação por via gástrica (incluindo desfechos como incidência de pneumonia e quantidade de nutrientes ofertados). 

      • A diretriz sugere que em pacientes com instabilidade hemodinâmica o início da dieta enteral seja adiado até a melhora clínica e estabilidade hemodinâmica (consenso de especialistas).

      • Em pacientes com choque em geral há uma redução da perfusão esplâncnica, o que pode reduzir a capacidade de absorção, bem como a motilidade gastrointestinal, fatores que aumentam o risco de intolerância a dieta enteral. Existem poucos estudos avaliando a segurança da dieta enteral em pacientes com vasopressores, porém uma subanálise recente do estudo NUTRIREA 2 sugere que o uso de nutrição enteral precoce em pacientes em uso de vasopressor foi associado a aumento no risco de isquemia mesentérica. Em pacientes com doses baixas e em queda de vasopressores, com lactato e sinais de perfusão preservados, pode ser razoável iniciar uma dose baixa de dieta enteral.  

    • Metas nutricionais

      • A diretriz sugere que em pacientes sem condições de ingesta oral, porém com baixo risco nutricional e sem desnutrição prévia é possível adiar o início do suporte enteral ao longo da primeira semana de internação (consenso de especialistas). 

      • A diretriz recomenda que pacientes críticos recebam um aporte calórico entre 12,5 e 25 kcal/kg/dia durante os primeiros 7 a 10 dias da admissão na UTI (qualidade da evidência moderada).

      • Previamente, a diretriz de 2016 recomendava um aporte calórico de 25 a 30 kcal/dia. Contudo, entre 2015 e 2020 foram publicados diversos estudos comparando dieta trófica (ou subalimentação permissiva) em relação a atingir as metas calóricas. Tais estudos não conseguiriam demonstrar nenhum benefício de atingir alvos calóricos nem a curto e nem a longo prazo. De fato, pacientes que atingiram a meta precocemente tiveram mais eventos adversos, especialmente hiperglicemia e intolerância gastrointestinal. Diante disso, na revisão de 2021 esta recomendação foi revisada, incluindo uma sugestão de um intervalo possível de aporte calórico entre 12,5 e 25 kcal/kg/dia, cabendo a equipe médica individualizar a meta de acordo com as características de cada paciente. 

      • A diretriz sugere que pacientes críticos recebam aporte proteico entre 1,2 e 2 g/kg/dia (qualidade da evidência muito baixa).

    Nota do autor DocToDoc: No texto das diretrizes é ressaltada a falta de evidências sobre esse tópico. Contudo, em 2024 foram publicados os estudos EFFORT e PRECISe, ambos estudos randomizados comparando oferta proteica menor (1,1 a 1,2 g/kg/dia) versus oferta maior (2 a 2,2 g/kg). Ambos os estudos não conseguiram demonstrar melhores desfechos com oferta maior de proteínas, havendo inclusive uma tendência a piores desfechos nesse grupo (especialmente nos subgrupos de maior gravidade). É possível que em atualizações futuras da diretriz ocorra uma redução do alvo proteico para valores próximos de 1,2g/kg/dia. 

    • Avaliação da tolerância à dieta

      • A diretriz sugere que a tolerância à nutrição enteral seja avaliada diariamente. Sinais de intolerância incluem vômitos, distensão abdominal, desconforto abdominal, diarreia ou interrupção do trânsito intestinal (consenso de especialistas).

      • A diretriz sugere que a monitorização do volume gástrico residual não seja utilizada como parte do cuidado de pacientes recebendo nutrição enteral (qualidade da evidência baixa). 

      • O volume gástrico residual (VGR) é medido aspirando o conteúdo gástrico a intervalos regulares. No passado, VGRs acima de 400-500 ml indicavam a interrupção da dieta enteral. Contudo, estudos mais recentes demonstram que não há correlação entre o VGR e o risco de aspiração e pneumonia. Além disso, outros estudos demonstram que abandonar a prática de medir o VGR aumenta a quantidade de nutrientes ofertados, sem prejudicar a segurança dos pacientes.

      • A diretriz sugere que em pacientes com alto risco de aspiração sejam utilizados agentes procinéticos para aumentar a motilidade gástrica (qualidade da evidência baixa).

      • A diretriz sugere que pacientes com diarreia continuem recebendo dieta enteral enquanto se avalia sua etiologia (consenso de especialistas).

      • A diarreia é uma complicação comum na UTI, apresentando diversas etiologias, incluindo o uso de medicamentos (laxantes, procinéticos), efeito colateral do uso de antimicrobianos e infecção por Clostridium. A dieta enteral aumenta o risco de diarreia e fatores como a composição, osmolaridade, quantidade de fibras e modo de entrega influenciam nesse risco. A interrupção da dieta enteral em pacientes com diarreia pode prejudicar de forma considerável a entrega de calorias e proteínas em doentes críticos. Por outro lado, diversos outros fatores causais podem ser investigados/afastados antes de se considerar que a dieta é a responsável pela diarreia. Neste último caso, modificações como redução da osmolaridade e associação de fibras podem ser capazes de corrigir a diarreia, sem a necessidade de interromper o suporte nutricional.


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-nutricional-do-doente-critico-recomendacoes-gerais


    Compartilhe

    Portal de Conteúdos MEDCode

    Home

    Copyright © 2024 Portal de Conteúdos MEDCode. Todos os direitos reservados.