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    Como Eu Faço o Manejo de Pacientes com Falência Hepática Aguda (ALF) e Falência Hepática Crônica Agudizada (ACLF) parte II.

    05 de fevereiro de 2025

    6 minutos de leitura

    Racional

    • Pacientes com falência hepática aguda (ALF) ou falência hepática crônica agudizada (ACLF), apresentam elevado risco de deterioração clínica e necessidade de cuidados intensivos. Considerando a fisiopatologia complexa e única referente à disfunção hepática severa, estratégias usadas para tratar pacientes críticos gerais nem sempre se aplicam a esta população. 

    • Falência hepática aguda diz respeito a uma condição de insuficiência hepática caracterizada por coagulopatia e encefalopatia dentro de 26 semanas de um insulto hepático agudo, sem história de doença hepática prévia. Já o ACLF se refere a uma descompensação de doença hepática crônica, resultando em disfunções orgânicas ameaçadoras à vida. 

    • Em 2020 a Society of Critical Care Medicine reuniu um grupo de 29 especialistas no tema, os quais organizaram perguntas relevantes sobre o suporte de pacientes com ALF/ACLF usando a metodologia PICO. Posteriormente foi realizada uma revisão da literatura seguida da elaboração de recomendações segundo a metodologia GRADE. 

    • Uma recomendação forte é aquela que a maioria dos médicos deveria adotar na maioria das situações.  Uma recomendação condicional é aquela que os efeitos benéficos provavelmente superam os efeitos indesejados, mas que a evidência ainda é fraca sobre o tema 

    • Revisamos abaixo as principais recomendações da parte II desta diretriz, focada no suporte neurológico, gastrointestinal, infeccioso e cuidados peri-transplante. 

     

    Recomendações

    • Suporte Neurológico

    • A diretriz sugere que não seja realizada monitoração da pressão intracraniana (PIC) em pacientes com ALF e encefalopatia de alto grau (recomendação condicional, nível muito baixo de evidência).

    • Edema cerebral ocorre com frequência em pacientes com ALF e encefalopatia grau 3 e 4, porém não foram identificados estudos randomizados avaliando se a monitorização da PIC melhora desfechos nessa população. Estudos observacionais falharam em demonstrar benefícios nesta intervenção, o que aliado ao risco alto de sangramento justifica a recomendação do painel. 

    • A diretriz sugere que, quando disponível, seja utilizada plasmaferese em pacientes com ALF e níveis elevados de amônia (acima de 150 umol/L) (recomendação condicional, nível muito baixo de evidência).

    • A hiperamonemia é associada a maior risco de edema cerebral e hipertensão intracraniana em pacientes com ALF. O uso de plasmaferese de grande volume foi associado a melhora laboratorial e maior sobrevida livre de transplante em um estudo randomizado escandinavo, sendo a principal evidência dando suporte ao uso da troca plasmática em pacientes com ALF.

    • A diretriz sugere que seja utilizada salina hipertônica em pacientes críticos com ALF e risco de evolução para hipertensão intracraniana (recomendação condicional, nível baixo de evidência).

    • Esta recomendação é baseada em um estudo pequeno, com 30 pacientes, no qual a infusão contínua de salina hipertônica visando manter um sódio sérico entre 145-155 mEq/L reduziu a ocorrência de hipertensão intracraniana em pacientes com ALF. Considerando a qualidade da evidência e o risco associado à terapia (sobrecarga de volume, distúrbios hidroeletrolíticos) deve-se ponderar bastante quanto à indicação desta intervenção.

    • Não houve evidência suficiente para fazer recomendações em relação ao uso de medicações para encefalopatia hepática em pacientes com ALF, incluindo lactulose, rifaximina, flumazenil, L-ornitina L aspartato, aminoácidos de cadeia ramificada, entre outros. 

    • Em pacientes com ACLF e encefalopatia hepática franca, a diretriz sugere a utilização de dissacarídeos não absorvíveis como a lactulose. A rifaximina e o polietilenoglicol podem ser utilizados na indisponibilidade de lactulose ou como adjuvantes terapêuticos (recomendação condicional, nível baixo de evidência).

    • As medicações acima já foram extensamente estudadas em pacientes com cirrose e encefalopatia hepática, havendo evidência razoável de que são eficazes em reduzir a redução da encefalopatia e eventualmente melhorar outros desfechos (inclusive mortalidade). A qualidade da evidência foi reduzida na recomendação pois a maioria dos estudos não incluía pacientes críticos, porém ainda assim parece haver um racional para o uso destas medicações em pacientes com ACLF.

    • Suporte infeccioso

    • A diretriz recomenda o uso de antibióticos profiláticos em pacientes com ACLF e hemorragia digestiva alta (recomendação forte, moderado nível de evidência).

    • A ocorrência de sangramento digestivo é um importante fator de risco para infecção em pacientes hepatopatas (45% a 66% desenvolvem infecção após 1 semana do sangramento), sendo que algumas meta-análises demonstram redução na ocorrência de infecções e de mortalidade com o uso de antibióticos profiláticos após sangramento digestivo. A escolha em geral recai sob uma cefalosporina de 3ª geração ou quinolonas (ex.: ceftriaxona ou norfloxacino). 

    • A diretriz recomenda o uso de albumina em pacientes críticos com ACLF e peritonite bacteriana espontânea (recomendação forte, moderado nível de evidência).

    • Pacientes com PBE estão sob elevado risco de disfunção renal. Algumas meta-análises (em geral com estudos pequenos e com baixa qualidade metodológica) sugerem que a administração de albumina nesse contexto reduz o risco de insuficiência renal e de morte. A diretriz sugere a dose de 1,5g/kg de albumina a 25% (em nosso meio é mais comum a apresentação de albumina a 20%).

    • A diretriz sugere que não seja realizada paracentese de grande volume (acima de 4 litros) em pacientes com ACLF e peritonite bacteriana espontânea (recomendação condicional, nível muito baixo de evidência).

    • Suporte gastrointestinal 

    • A diretriz sugere que seja realizada endoscopia digestiva alta em até 12h em pacientes críticos com ACLF e suspeita de hemorragia digestiva varicosa (recomendado como boa prática).

    • A diretriz recomenda que pacientes com ACLF e hemorragia digestiva por hipertensão portal recebam inibidores de bomba de próton (recomendação forte, nível baixo de evidência).

    • Em pacientes com hemorragia digestiva ulcerosa, o uso de inibidores de bomba de próton (IBP) tem sido consistentemente associado a menor risco de ressangramento. A despeito de evidências robustas em pacientes com sangramento varicoso, é notável que a cirrose descompensada é um fator de risco importante para sangramento por úlceras de estresse, contexto em que o uso de IBP também se mostra benéfico. Tais fatos, somados ao baixo custo, alta disponibilidade e baixo risco de efeitos colaterais levaram o painel a emitir essa sugestão como recomendação forte. 

    • A diretriz recomenda que vasoconstrictores esplâncnicos como octreotide, terlipressina e análogos de somatostatina sejam utilizados em pacientes com ACLF e sangramento digestivo por hipertensão portal (recomendação forte, moderado nível de evidência).

    • A diretriz recomenda que pacientes com ACLF com sangramento recorrente a despeito do tratamento apropriado recebam um shunt portossistêmico intra-hepático ou TIPS (recomendação condicional, nível baixo de evidência).

    • É importante que haja disponibilidade do procedimento, bem como equipe treinada para sua realização. Além disso, deve-se avaliar com cautela a presença de contraindicações, especialmente encefalopatia hepática em graus elevados. Tradicionalmente o TIPS era utilizado como uma terapia de resgate para sangramentos refratários a todos os demais tratamentos, porém alguns estudos recentes sugerem que seu uso mais precocemente pode reduzir de forma significativa o risco de ressangramento e de morte.

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    • Cuidados peri-transplante hepático 

    • A diretriz recomenda que sejam administrados corticosteroides sistêmicos a doadores falecidos com expectativa de doação do fígado (recomendação condicional, nível muito baixo de evidência).

    • Uma revisão sistemática prévia sugere que pacientes que receberam o enxerto de doadores que receberam corticosteroides tiveram menor risco de disfunção do enxerto.   

    • A diretriz sugere que possa ser utilizado tanto suporte hepático extracorpóreo (MARS), quanto cuidado usual no manejo de pacientes com ALF e ACLF (recomendação condicional, nível muito baixo de evidência).

    Diversos sistemas de suporte hepático artificial foram desenvolvidos na última década, sendo o MARS (molecular adsorbent recirculation system) o mais popular. Esse sistema utiliza dois sistemas extracorpóreos em paralelo, sendo um deles preenchido com uma solução com albumina e o segundo um sistema convencional de diálise contínua. Ao entrar em contato com o filtro do MARS ocorre a transferência de substâncias do plasma do paciente em direção ao circuito com albumina (tanto por difusão como por ligação à albumina) e nesse circuito essas substâncias são adsorvidas em uma séria de filtros (incluindo carvão ativado e filtros iônicos). O circuito de albumina faz trocas em paralelo com um circuito de diálise contínua, visando manter estável a concentração de eletrólitos do plasma (além de remover amônia e outras substâncias). Apesar de um racional teórico interessante (simular a capacidade hepática de eliminação de toxinas), estudos randomizados falharam em demonstrar melhores desfechos em pacientes em uso de MARS. A terapia é associada a melhora laboratorial transitória e a diretriz sugere que centros com experiência e disponibilidade podem considerar o uso da mesma.


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-de-pacientes-com-falencia-hepatica-aguda-alf-e-falencia-hepatica-cronica-agudizada-aclf-parte-ii


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