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    Como Eu Faço o Manejo de Pacientes com Falência Hepática Aguda (ALF) e Falência Hepática Crônica Agudizada (ACLF) parte I.

    05 de fevereiro de 2025

    7 minutos de leitura

    Racional

    • Pacientes com falência hepática aguda (ALF) ou falência hepática crônica agudizada (ACLF), apresentam elevado risco de deterioração clínica e necessidade de cuidados intensivos. Considerando a fisiopatologia particular e complexa da disfunção hepática grave, estratégias usadas para tratar pacientes críticos gerais nem sempre se aplicam a esta população. 

    • Falência hepática aguda diz respeito a uma condição de insuficiência hepática caracterizada por coagulopatia e encefalopatia dentro de 26 semanas de um insulto hepático agudo, sem história de doença hepática prévia. ACLF se refere a uma descompensação de doença hepática crônica, resultando em disfunções orgânicas ameaçadoras à vida. 

    • Revisamos abaixo as principais recomendações da parte I desta diretriz, focada no suporte cardiovascular, endócrino, hematológico, pulmonar e renal. 

    • Em 2020 a Society of Critical Care Medicine reuniu um grupo de 29 especialistas no tema, os quais organizaram perguntas relevantes sobre o suporte de pacientes com ALF/ACLF usando a metodologia PICO. Posteriormente foi realizada uma revisão da literatura seguida da elaboração de recomendações segundo a metodologia GRADE

     Recomendações

    Suporte Cardiovascular

    • Sugere-se que a albumina seja utilizada como fluído preferencial em pacientes com ALF ou ACLF, especialmente quando a albumina menor que 3 g/dL - recomendação condicional, com baixo nível de evidência.

      • Nota do autor: pacientes com doença hepática frequentemente apresentam hipoalbuminemia. O uso de albumina na ressuscitação volêmica desses pacientes tem o potencial de restaurar a pressão coloidosmótica intravascular, além de apresentar outros possíveis efeitos, como ação anti-inflamatória e antioxidante. Apesar desse embasamento teórico, ainda faltam estudos randomizados que demonstrem a superioridade da albumina em relação aos cristaloides. Os principais estudos conduzidos em pacientes críticos, como o SAFE e o ALBIOS, não mostraram resultados positivos. Alguns estudos fisiológicos recentes sugerem que a albumina pode ter maior potencial para reverter a hipotensão e melhorar a perfusão em comparação à solução salina; no entanto, o impacto desses efeitos a médio e longo prazo permanece incerto.  

    • Sugere-se um alvo de pressão arterial média (PAM) de 65 mmHg em pacientes com ALF ou ACLF - recomendação condicional, com moderado nível de evidência. 

      • Nota do autor: esta sugestão é uma extrapolação dos guidelines de sepse e o painel deixa claro que há poucos estudos voltados a população com hepatopatia. Além disso, alguns pacientes podem se beneficiar de PAM maior (ex.: hipertensos crônicos), enquanto em outros pacientes uma PAM mais baixa pode ser aceitável.

    • É sugerido usar monitorização hemodinâmica invasiva em pacientes com ALF ou ACLF e sinais de choque ou hipoperfusão - recomendação condicional, com baixo nível de evidência

      • Nota do autor: O painel destaca que a monitorização não invasiva da pressão arterial pode ser imprecisa nessa população. Além disso, a estimativa de volemia, débito cardíaco e tônus vascular com base apenas no exame clínico é desafiadora. Nesse contexto, a monitorização invasiva da pressão arterial e o uso de monitores de débito cardíaco ou cateter de artéria pulmonar, oferece a vantagem de uma avaliação mais precisa de cada possível componente do choque. É importante observar que pacientes com ALF ou ACLF são frequentemente excluídos de estudos sobre monitorização invasiva, e há uma escassez de pesquisas que demonstrem benefícios claros desse tipo de monitorização nessa população.

    • Recomenda-se que a noradrenalina seja utilizada como vasopressor de primeira escolha em pacientes com ALF ou ACLF  - recomendação forte, com moderado nível de evidência

    • Vasopressina pode ser adicionada em pacientes que continuam hipotensos a despeito do uso de noradrenalina - recomendação condicional, com baixo nível de evidência.

    Suporte endocrinológico/digestivo

    • Recomenda-se manter a glicemia entre 110 e 180 mg/dL em pacientes com ALF ou ACLF - recomendação forte, com moderado nível de evidência.

      • Nota do autor: pacientes com doença hepática são propensos tanto a hipoglicemia quanto a hiperglicemia. O acumulado de evidência gerado nas últimas décadas sugere que o controle intensivo da glicemia (70 a 110 mg/dL) é associado à maior incidência de hipoglicemia e possivelmente maior mortalidade.

    • É recomendado um aporte proteico entre 1,2 e 2,0 g/kg/dia em pacientes com ALF ou ACLF - recomendação condicional, nível de evidência muito baixo. 

      • Nota do autor: Pacientes com hepatopatia frequentemente apresentam desnutrição e sarcopenia, que podem se agravar com a restrição proteica. Apesar do racional teórico de que restringir o aporte de proteínas poderia prevenir a progressão da encefalopatia hepática (EH), o painel considerou que o risco nutricional superaria o risco de EH.

    • Recomenda-se priorizar o suporte nutricional enteral em vez do parenteral para pacientes críticos com ALF ou ACLF - recomendação condicional, com baixo nível de evidência. 

      • Nota do autor: Embora pacientes com ALF ou ACLF sejam pouco representados em estudos sobre nutrição, as evidências disponíveis em pacientes críticos em geral indicam que o suporte nutricional enteral está associado a uma menor incidência de infecções. Além disso, o uso prolongado de nutrição parenteral pode estar relacionado à hepatotoxicidade.

    Suporte hematológico 

    • Sugere-se a utilização de testes viscoelásticos, como a tromboelastografia (TEG) ou a tromboelastometria (ROTEM), para a avaliação de coagulopatia em pacientes com ALF ou ACLF, em detrimento de testes convencionais de coagulação, como o INR, contagem de plaquetas ou níveis de fibrinogênio - recomendação condicional, com baixo nível de evidência.

      • Nota do autor: os testes convencionais de coagulação avaliam apenas o efeito de alguns fatores de coagulação in vitro, e diversos estudos clínicos mostram que seus resultados frequentemente não refletem o estado real da coagulação. Por outro lado, os testes viscoelásticos oferecem uma avaliação integral e em tempo real tanto da ação de agentes pró-coagulantes quanto anticoagulantes. Pacientes com ALF ou ACLF são propensos tanto a sangramentos quanto à trombose, por isso, os testes viscoelásticos apresentam maior potencial para selecionar candidatos adequados a receber hemoderivados. Contudo, há poucos estudos que empreguem esses testes em pacientes com ALF ou ACLF, representando uma lacuna importante na literatura.

    • É sugerido usar um limiar de hemoglobina de 7g/dL para transfusão em pacientes com ALF ou ACLF - recomendação condicional, com baixo nível de evidência.

    • Sugere-se utilizar heparina de baixo peso molecular para profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV) ao invés da compressão pneumática em pacientes com ACLF - recomendação condicional, com baixo nível de evidência. 

      • Não há evidência suficiente para fazer uma recomendação similar para pacientes com ALF. 

    Suporte pulmonar 

    • Sugere-se a não utilização de PEEP elevada no manejo de pacientes com ALF ou ACLF com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo – SDRA - recomendação condicional, com baixo nível de evidência. 

      • Nota do autor: O painel destaca que estudos randomizados anteriores demonstraram a ausência de benefícios consistentes no uso de PEEP elevada em pacientes não selecionados com SDRA, embora possa haver algum benefício nos casos mais graves. Além disso, o número de pacientes cirróticos incluídos nesses estudos é baixo. A principal desvantagem da aplicação de PEEP elevada é o potencial para reduzir o retorno venoso e causar colapso hemodinâmico, um problema particularmente relevante em pacientes cirróticos. 

    • É sugerido que pacientes com hipertensão portopulmonar com pressão arterial pulmonar média acima de 35 mmHg recebam tratamento com agentes aprovados para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar, como os inibidores da endotelina (ambrisentan e bonsentan), os análogos da prostaciclina (epoprotenol) e os inibidores da fosfodiesterase 5 (sildenafil) - recomendação condicional, com nível de evidência muito baixo. 

      • Nota do autor: A hipertensão portopulmonar é uma complicação grave da cirrose associada à hipertensão portal, caracterizada pela elevação da pressão na artéria pulmonar. Essa condição causa sobrecarga do ventrículo direito, resultando em alta morbimortalidade. Embora a maioria dos estudos sobre o uso de vasodilatadores pulmonares exclua pacientes com hipertensão portopulmonar, alguns estudos menores e dados observacionais sugerem um potencial benefício na redução da pressão arterial pulmonar e na melhora dos sintomas.

    • Recomenda-se que pacientes com síndrome hepatopulmonar recebam suporte com oxigenoterapia até a realização de transplante hepático - declaração de boas práticas, baseado em opinião de especialistas.

    • Recomenda-se a inserção de dreno torácico com tentativa de pleurodese para tratar hidrotorax hepático em pacientes nos quais o shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (TIPS) não é uma opção ou como medida paliativa - declaração de boas práticas, baseado em opinião de especialistas.

      • Nota do autor: cerca de 6% dos pacientes com cirrose apresentam hidrotórax, cujo tratamento inclui o uso de diuréticos, restrição de sal e, em casos refratários, o implante de um TIPS. Para pacientes que não são candidatos ao TIPS devido à encefalopatia hepática, a drenagem pleural pode proporcionar alívio sintomático. Além disso, alguns estudos sugerem que até metade desses pacientes pode evoluir com pleurodese espontânea. 

    Suporte renal

    • Sugere-se que pacientes com ALF recebam terapia de substituição renal precoce diante da ocorrência de lesão renal aguda - recomendação condicional, com nível de evidência muito baixo. 

      • Nota do autor: em pacientes com insuficiência hepática aguda é comum a evolução para disfunção de múltiplos órgãos, bem como a ocorrência de hiperamoniemia. Uma grande preocupação nesses casos é a evolução para edema cerebral, com risco de herniação e morte. Estudos pequenos sugerem que nesse cenário, a terapia de substituição renal precoce com uso de modalidade contínuas poderia remover amônia e outras toxinas potenciais, reduzindo o risco de edema cerebral. 

    • Recomenda-se que pacientes com ACLF que evoluem com síndrome hepatorrenal (SHR) sejam tratados com medicações vasoconstrictoras como terlipressina, octreotide, midodrina e noradrenalina - recomendação forte, moderado nível de evidência

    Nota do autor: O painel destaca que a fisiopatologia da síndrome hepatorrenal envolve vasodilatação esplâncnica, com sequestro de volume na circulação portal, resultando em hipoperfusão renal. Esse fenômeno poderia ser revertido com o uso de vasoconstrictores esplâncnicos. Alguns estudos randomizados sugerem que essas medicações aumentam a taxa de reversão da disfunção renal nesse contexto. Vale ressaltar que o estudo CONFIRM, realizado recentemente, demonstrou que pacientes com síndrome hepatorrenal tratados com terlipressina apresentaram uma maior taxa de reversão da disfunção renal, embora a sobrevida em 3 meses tenha sido similar


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-de-pacientes-com-falencia-hepatica-aguda-alf-e-falencia-hepatica-cronica-agudizada-aclf-parte-i


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