Como Eu Faço o Manejo de Infecções por Clostridioides difficile em Adultos
14 de março de 2025
7 minutos de leitura
A infecção por Clostridioides difficile (ICD) é uma condição comum que afeta cerca de 500 mil pessoas anualmente, levando a uma estimativa de 15 a 30 mil mortes por ano nos EUA e com um aumento de custo de cerca de 4,8 bilhões de dólares em pacientes internados. Considerando o impacto negativo desta condição, tem ocorrido um grande incentivo para controle e prevenção desta infecção, sendo acompanhado de avanços na pesquisa sobre o seu manejo na última década.
Desde 1995 a IDSA em conjunto com a SHEA tem publicado diretrizes sobre o manejo da infecção por Clostridioides difficile, com recomendações sobre a vigilância, prevenção e tratamento desta doença. Em 2017 foi realizada uma revisão mais elaborada dessas diretrizes, seguida por uma revisão breve em 2021. O objetivo de tais diretrizes é sintetizar a melhor evidência disponível sobre o tema e fornecer ferramentas para que os médicos ofereçam o melhor tratamento possível aos pacientes considerando os riscos e benefícios de cada opção terapêutica.
A elaboração dessas diretrizes envolveu a formação de um painel de especialistas que formularam perguntas relevantes sobre o tema usando a metodologia PICO, seguida de uma revisão abrangente da literatura. A partir desta revisão foram definidas as recomendações, cuja força da evidência foi classificada seguindo a metodologia GRADE. As recomendações podem ser classificadas como forte (“recomendamos”) ou condicional (“sugerimos”).
A seguir são apresentados os principais tópicos dessa diretriz:
Diagnóstico
Sugere-se que pacientes internados que desenvolvem diarreia (> 3 evacuações em 24h) de início recente e sem outra causa mais provável possível sejam testados para ICD - Recomendação fraca, com qualidade da evidência muito baixa.
A base da evidência para indicar os candidatos ideais para testagem para ICD é muito escassa. De forma geral, o painel considerou que sejam consideradas causas alternativas para a diarreia: uso de laxativos; efeitos colaterais de outras medicações; colites inflamatórias; quimioterapia; ou uso de dieta enteral. Na ausência de um diagnóstico alternativo ou, então, na persistência da diarreia mesmo com a remoção de outras causas, indica-se a testagem para ICD.
Sugere-se que os pacientes sejam testados dentro de um algoritmo que inclua a pesquisa de glutamato desidrogenase (GDH) associado à pesquisa de toxinas nas fezes, a qual pode ser complementada por testes de amplificação de ácido nucleico - Recomendação fraca, com baixa qualidade de evidência.
O GDH é uma enzima presente em todas as cepas de Clostridium difficile, com alta sensibilidade para o diagnóstico. Por outro lado, tanto cepas toxigênicas quanto as não produtoras de toxinas podem ser identificadas pelo GDH. Assim, é necessário demonstrar a expressão de toxina A ou B, que confirma se tratar de cepa patogênica. A pesquisa de toxinas, por sua vez, apresenta sensibilidade baixa a moderada, o que pode resultar em falso negativos. Testes moleculares (que se baseiam em PCRs para segmentos do DNA relacionados à produção de toxinas) apresentam sensibilidade mais alta e podem ser alternativas à pesquisa tradicional de toxina (contudo são testes mais caros e menos disponíveis). Diante da ausência de um método diagnóstico perfeito, a diretriz sugere que diversos testes sejam integrados dentro de um algoritmo (ex.: pesquisa de GDH, seguida de confirmação com pesquisa de toxinas e /ou testes de amplificação de ácido nucleico).
Recomenda-se não repetir a pesquisa de GDH / toxinas dentro de 7 dias do mesmo episódio diarreico - Recomendação forte, com moderada qualidade de evidência.
Alguns estudos sugerem que a chance de positividade em uma repetição do teste diagnóstico realizada em menos de sete dias após um negativo é de aproximadamente 2% (em um contexto clínico inalterado) . Além disso, a especificidade da pesquisa de toxinas não é de 100%, podendo haver resultados falso-positivos. A diretriz sugere considerar uma nova testagem apenas em casos de elevada suspeita ou persistência de fatores de risco. Além disso, não é indicada a testagem como controle de cura, uma vez que mais de 60% dos pacientes permanecem com testes positivos mesmo após um curso de tratamento eficaz.
Recomenda-se que pacientes com ICD fiquem em quartos isolados e se possível com banheiro privativo - Recomendação forte, com moderada qualidade da evidência.
Alguns estudos observacionais sugerem que pacotes de prevenção de transmissão cruzada de ICD foram eficazes em reduzir a transmissão desta condição. Dentre as medidas empregadas nesses pacotes estava a alocação de pacientes com ICD em quartos isolados e preferencialmente com um ambiente dedicado para a higiene das mãos.
Os profissionais cuidando de pacientes com ICD devem utilizar luvas (recomendação forte, com qualidade de evidência alta) e aventais (recomendação forte, com qualidade da evidência moderada).
Os esporos do Clostridium são altamente resistentes e podem ser disseminados facilmente através do contato das mãos dos profissionais de saúde com pacientes contaminados. Um estudo prospectivo demonstrou que o uso de luvas no contato de pacientes com ICD reduziu a transmissão da doença de 7,7 para 1,5 casos por 1000 altas. Assim, precauções gerais de isolamento de contato como uso de luvas e aventais são medidas essenciais no manejo de pacientes com ICD.
O isolamento deve iniciar no momento da suspeita de ICD (recomendação forte, com qualidade da evidência moderada) e ser mantido até pelo menos 48h após a resolução do quadro diarreico (recomendação fraca, com qualidade de evidência baixa).
Frequentemente há um atraso entre a suspeita de ICD e a confirmação diagnóstica. Um estudo pequeno com 100 pacientes com suspeita de ICD monitorou a positividade nas culturas das luvas usadas pelos profissionais de saúde. Dentre os 100 pacientes, 20% tiveram ICD confirmada após uma média de 2,07 dias. Nesse período, a positividade nas culturas das luvas foi de 69%. Assim, o isolamento preemptivo pode ser uma medida essencial para limitar a disseminação do Clostridium para outros pacientes.
Em cenários de rotina, a higiene das mãos antes e após o contato com pacientes com ICD pode ser realizada com água e sabão ou com soluções alcoólicas - Recomendação forte, com qualidade da evidência moderada.
Em cenários hiperendêmicos ou de surtos, a higiene das mãos deve ser realizada preferencialmente com água e sabão - Recomendação fraca, com qualidade da evidência baixa.
A higiene das mãos é uma das intervenções mais importantes para prevenir a disseminação de infecções no ambiente hospitalar, incluindo ICD. In vitro, os esporos do Clostridium difficile são altamente resistentes à ação do álcool a 70%, motivo pelo qual tradicionalmente se recomenda o uso de água e sabão para a higiene das mãos após o contato de pacientes com ICD. Contudo, diversos estudos observacionais falharam em demonstrar diferenças na transmissão da ICD com diferentes técnicas para higiene das mãos. Assim, apesar do risco teórico, não há evidência suficiente embasando o uso obrigatório de água e sabão. Em cenários de surtos ou hiperendêmicos, a diretriz sugere a higiene preferencial com água e sabão.
A implementação de programas de uso racional de antimicrobianos, visando minimizar o número de prescrições de antibióticos de amplo espectro, bem como a duração de cada ciclo é recomendada pela diretriz para prevenir a ocorrência de ICD - Recomendação forte, com qualidade da evidência moderada.
Não existem estudos randomizados, porém há grande número de estudos observacionais quase-randomizados sugerindo que a implementação de programas para uso racional de antimicrobianos (envolvendo tanto a restrição do uso quanto a realização de auditorias com feedback) é eficaz em reduzir a incidência de ICD.
Recomenda-se que o uso de antibióticos de amplo espectro deve ser encerrado assim que possível, uma vez que sua manutenção afeta o risco de recorrência da ICD - Recomendação forte, com qualidade da evidência moderada.
Se disponível, a fidaxomicina é o agente preferido para o tratamento de ICD. Na sua indisponibilidade, a vancomicina por via oral ou enteral é uma alternativa razoável - Recomendação condicional, com qualidade da evidência moderada.
A fidaxomicina é uma antibiótico não absorvível aprovado em 2011 pelo FDA exclusivamente para o tratamento de ICD. A ocorrência de resistência do Clostridium a este agente é muito rara e, diferente da vancomicina, não há outras indicações desse antimicrobiano, tornando seu espectro de ação o mais estreito possível. Ensaios clínicos demonstram taxas similares de resposta inicial com o tratamento com fidaxomicina ou vancomicina, porém com menor taxa de recorrência com o primeiro agente. A dose da fidaxomicina é de 200 mg a cada 12h por 10 dias, enquanto a dose inicial recomendada de vancomicina por via oral é de 125 mg 6/6h por 10 dias.
Em cenários em que tanto a fidaxomicina quanto a vancomicina estão indisponíveis e a ICD é não grave, a diretriz recomenda que o metronidazol seja utilizado como tratamento - Recomendação fraca, com qualidade da evidência alta.
Ensaios randomizados e alguns estudos observacionais demonstraram taxas de cura clínica inferiores com o metronidazol em comparação à vancomicina. Contudo, em alguns cenários pode haver indisponibilidade de agentes mais efetivos. Nesse caso, é razoável a utilização de metronidazol (500 mg 8/8h por via oral).
Nota do autor: vale ressaltar que no caso da vancomicina, na indisponibilidade de formulações enterais, a ampola endovenosa por ser diluída e administrada por via oral/enteral. Além disso, em casos de gastroparesia ou vômitos, a administração por enema também é efetiva.
Em pacientes com episódio recorrente de ICD, a diretriz sugere que a fidaxomicina seja o tratamento preferencial - Recomendação condicional, com qualidade da evidência baixa.
Subanálises de 3 estudos randomizados sugerem que em casos de doença recorrente a fidaxomicina resulta em uma taxa de resposta superior ao tratamento com a vancomicina enteral. Uma alternativa seria o uso de doses mais altas de vancomicina (500 mg 6/6h), seguida de um desmame lento e gradual conforme a resposta clínica.
Em pacientes com quadros recorrentes, sugere-se a associação do bezlotoxumabe ao tratamento usual - Recomendação condicional, com qualidade da evidência muito baixa.
O bezlotoxumabe é um anticorpo monoclonal contra a toxina do Clostridium diffcile que foi aprovado para o tratamento de infecções recorrentes pelo FDA em 2016. O uso desta medicação em conjunto com o tratamento antimicrobiano reduziu a taxa de recorrência da ICD e de readmissão hospitalar. Pacientes idosos, imunossuprimidos ou ICD grave na apresentação têm o maior potencial de benefício. Contudo, questões como custo e disponibilidade são bastante relevantes no nosso meio.
Para pacientes com ICD fulminante, a diretriz recomenda o uso da vancomicina associada ao metronidazol - Recomendação forte, com qualidade da evidência moderada.
Há uma lacuna considerável na literatura quanto ao manejo da ICD fulminante (hipotensão ou choque, íleo paralítico ou megacólon). Tradicionalmente o tratamento é realizado com vancomicina em dose alta (500 mg 6/6h por via oral, enteral ou enema) associado ao metronidazol por via endovenosa. Poucos estudos sobre a fidaxomicina avaliaram este agente na ICD fulminante.
Em caso de doença recorrente refratária a outros tratamentos, a diretriz recomenda a realização de transplante de fezes - Recomendação forte, com qualidade da evidência moderada.
Um número grande de séries de casos, bem como alguns estudos randomizados pequenos sugerem que a transferência de microbiota fecal diretamente para o cólon pode ser uma terapia efetiva em casos refratários aos outros tratamentos, com taxas de resposta entre 50% e 90%. Novamente, questões organizacionais podem ser um limitante importante para a realização deste tratamento.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-de-infeccoes-por-clostridioides-difficile-em-adultos
Compartilhe
Copyright © 2024 Portal de Conteúdos MEDCode. Todos os direitos reservados.