Como Eu Faço o Manejo Ambulatorial de Neutropenia Febril em Adultos em Tratamento de Doença Neoplásica
10 de fevereiro de 2025
6 minutos de leitura
Os neutrófilos são células fundamentais na defesa do organismo contra infecções, especialmente causadas por bactérias e fungos. Pacientes que passam por tratamento quimioterápico frequentemente desenvolvem neutropenia. O risco de infecções aumenta proporcionalmente à intensidade e à duração da neutropenia.
A febre pode ser um importante indicador de infecções em pacientes neutropênicos e, muitas vezes, é o único sinal presente. Dentre os pacientes com neutropenia febril, a taxa de complicações varia de 25% a 30%, com a mortalidade atingindo até 11%. Em casos de sepse, a mortalidade hospitalar pode alcançar 50%. O objetivo do guideline é fornecer e atualizar recomendações sobre o manejo ambulatorial da neutropenia febril em pacientes oncológicos.
Esta diretriz baseia suas recomendações de acordo com o método GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) que categoriza a qualidade das evidências em quatro níveis: alta, moderada, baixa e muito baixa. Com base na qualidade das evidências, na relação risco-benefício e na disponibilidade de recursos, as recomendações são classificadas como fortes ou fracas.
Definições de neutropenia:
Neutropenia: Contagem absoluta de neutrófilos < 1000/μL
Neutropenia grave: Contagem absoluta de neutrófilos < 500/μL
Neutropenia profunda: Contagem absoluta de neutrófilos < 100/μL
O guideline define febre em pacientes neutropênicos como uma medida única de temperatura oral maior ou igual a 38,3 °C, ou como uma temperatura superior a 38,0 °C sustentada por pelo menos uma hora.
Deve-se assumir que a febre tem etiologia infecciosa na ausência de outras causas que a expliquem. Nesses casos, é necessário realizar uma avaliação sistemática, incluindo:
História clínica e exame físico completo;
Hemograma completo com contagem diferencial de leucócitos;
Pelo menos dois pares de hemoculturas provenientes de dois sítios diferentes. É imprescindível a coleta de hemocultura periférica e, caso o paciente possua um dispositivo invasivo, incluir a coleta de pelo menos uma via do cateter;
Cultura de outros sítios (ex.: urina, fezes, trato respiratório, feridas) conforme a suspeita clínica;
Imagem de tórax se sinais e sintomas respiratórios;
Em pacientes com sintomas gripais, deve ser coletado swab nasofaríngeo para pesquisa de influenza. Em casos especiais, como neoplasia hematológica ou em pacientes que receberam transplante de medula, deve ser considerada a realização de painel viral estendido.
Recomendação moderada, com qualidade de evidência baixa.
Nota do autor: o guideline foi publicado previamente à pandemia da COVID-19. A prática clínica atual é a coleta de swab nasofaríngeo para pesquisa de influenza e SARS-CoV-2.
A primeira dose de antibiótico empírico deve ser administrada em até 1 hora após a triagem do paciente - recomendação forte, com qualidade de evidência baixa.
Recomenda-se a prescrição antimicrobiana em monoterapia com antibiótico que inclua cobertura para Pseudomonas (cefepime, carbapenêmicos ou piperacilina-tazobactam) - recomendação forte, com qualidade de evidência baixa.
Não se recomenda o uso inicial de vancomicina ou de outros agentes contra gram-positivos aeróbios de rotina. Esses antibióticos devem ser considerados em situações específicas, como suspeita de infecção relacionada a cateter, pele, partes moles ou em casos de instabilidade hemodinâmica - recomendação forte, com qualidade de evidência baixa.
A modificação do regime de antimicrobiano empírico inicial deve ser considerada em casos de pacientes com risco de infecção por germes resistentes (por exemplo, MRSA, VRE, KPC e ESBL) - recomendação forte, com qualidade de evidência baixa.
Avaliação do risco de complicações e identificação dos pacientes que podem ser manejados ambulatorialmente
Recomenda-se utilizar o escore MASCC ou regras de Talcott como ferramentas para identificar pacientes com neutropenia febril candidatos a manejo ambulatorial - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
A pontuação máxima do escore MASCC é 26; pontuações maiores ou iguais a 21 indicam baixo risco de complicações médicas.
São considerados pacientes de baixo risco de complicações os pacientes do grupo 4 das regras de Talcott: atendidos em regime ambulatorial, sem comorbidades descompensadas e com neoplasia controlada.
Figura 1. Escore MASCC (Multinational Association for Supportive Care in Cancer) para identificar pacientes com câncer e neutropenia febril com baixo risco de complicações
O escore CISNE (Índice Clínico de Neutropenia Febril Estável), pode ser usado como ferramenta adicional para determinar o risco de complicações graves em pacientes com tumores sólidos que passaram por quimioterapia de intensidade leve a moderada e parecem estar clinicamente estáveis - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
Figura 2. Escore CISNE (Clinical Index of Stable Febrile Neutropenia)
As seis variáveis são integradas em uma pontuação que varia de 0 a 8, classificando os pacientes em três classes prognósticas: baixo risco (0 pontos), risco intermediário (1 a 2 pontos) e alto risco (≥ 3 pontos).
Considerações:
Pacientes infectados por germes gram-negativos resistentes a quinolonas e a β-lactâmicos e cefalosporinas devem ser tratados com carbapenêmicos em ambiente hospitalar.
Pacientes colonizados ou com suspeita de infecção por MRSA, VRE ou Stenotrophomonas maltophilia devem ser manejados em ambiente hospitalar.
Pacientes em transplante de células-tronco ou em terapia de indução para leucemia aguda provavelmente não são candidatos a tratamento ambulatorial.
Recomenda-se avaliar as seguintes condições psicossociais e logísticas ao considerar o tratamento ambulatorial de um paciente com neutropenia febril - recomendação moderada, com qualidade de evidência baixa:
O paciente deve residir a no máximo a 1h ou 48 km de distância de uma clínica, ou hospital.
O paciente deve ter a capacidade de cumprir os requisitos logísticos, que inclui visitas frequentes à clínica, ter acesso a telefone e a transporte 24 h por dia.
Deve haver um membro da família ou cuidador disponível em casa 24 h por dia.
Histórico de adesão completa a protocolos de tratamento.
Deve haver avaliação frequente por pelo menos 3 dias na clínica ou em domicílio.
Deve haver contato telefônico diário ou frequente para certificar se a febre foi resolvida.
Deve haver monitoramento da contagem absoluta de neutrófilos e plaquetas para avaliar a reconstituição da medula.
Deve–se considerar a internação se:
Com um regime empírico de antibiótico de largo espectro, não houver melhora da febre após 2 ou 3 dias.
Se houver recorrência da febre após um período de efervescência.
Se surgirem novos sinais e sintomas de infecção.
Se não houver tolerância ao antibiótico oral.
Se houver identificação de germe resistente ao regime inicial.
A primeira dose de antibiótico deve ser administrada no hospital ou clínica após a febre ser documentada e as amostras de sangue serem coletadas - recomendação moderada, com qualidade de evidência baixa
Os pacientes devem ser observados por pelo menos 4h antes da alta para o término do tratamento ambulatorial - recomendação moderada, com qualidade de evidência baixa
Recomenda-se a terapia empírica oral com fluoroquinolona associada a amoxicilina+clavulanato, ou clindamicina em caso de alergia à penicilina - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
Não se recomenda o uso isolado de fluoroquinolona - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
Em locais onde há alta prevalência de ESBL ou germes com resistência à fluoroquinolonas, deve-se considerar internação para tratamento inicial com carbapenêmico - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
Em locais com alta prevalência de MRSA e VRE, deve-se considerar internação hospitalar - recomendação moderada, com qualidade de evidência intermediária.
Pacientes ambulatoriais com neutropenia febril de baixo risco, em uso de antibiótico de amplo espectro e que não há defervescência da febre em 2 a 3 dias devem ser reavaliados para identificar e tratar um novo foco infeccioso possível, ou progressão da infecção, além de considerar internação hospitalar - recomendação moderada, com qualidade de evidência baixa.
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-manejo-ambulatorial-de-neutropenia-febril-em-adultos-em-tratamento-de-doenca-neoplasica
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