Como Eu Faço o Diagnóstico e o Tratamento das Encefalites Autoimunes
14 de fevereiro de 2025
4 minutos de leitura
As encefalites autoimunes (EAI) são doenças inflamatórias caracterizadas pela presença de anticorpos antineuronais ou antigliais, com manifestações compreendendo quadros cognitivos e comportamentais, crises epilépticas, distúrbios do movimento e manifestações autonômicas.
Cada anticorpo associa-se a características clínicas particulares, como os anticorpos anti-receptor de N-metil-D-aspartato (anti-NMDAR), a forma mais comum de EAI, classicamente descrita em mulheres jovens manifestando quadros psicóticos acompanhados de discinesias orofaciais e associada a presença de teratomas ovarianos.
A lista de anticorpos associados à EAI é extensa e em contínua expansão. Alguns anticorpos frequentemente citados incluem: anti-LGI1, anti-CASPR2, anti-AMPAR, anti-GABAAR, anti-GABABR, anti-IgLON5 e anti-GAD.
Em 2024, foi publicado o Consenso Brasileiro sobre Encefalites Autoimunes, elaborado por 25 especialistas utilizando a metodologia Delphi. Após revisão sistemática, foram formuladas 56 declarações sobre diagnóstico, tratamento e acompanhamento. Essas declarações foram avaliadas por votação em uma escala Likert de 5 pontos, variando de "discordo totalmente" a "concordo totalmente". O consenso foi alcançado quando 75% ou mais dos votos ficaram entre os pontos 4 e 5 da escala.
Deve-se suspeitar de encefalite autoimune em pacientes apresentando sintomas psiquiátricos, queixas de memória, crises epilépticas e/ou distúrbios do movimento com instalação aguda ou subaguda (<3 meses).
Recomenda-se a testagem laboratorial de anticorpos antineuronais nos adultos que preencham os seguintes critérios (critérios de Graus):
Início subagudo (<3 semanas) de déficits na memória de trabalho (perda da memória de curto prazo), alteração do estado mental ou sintomas psiquiátricos;
Ao menos um dentre: novo achado focal do sistema nervoso central, crises epilépticas novas não explicadas por condição prévia, líquor com aumento de celularidade ou ressonância magnética sugestiva de encefalite;
Exclusão de causas alternativas.
Recomenda-se a testagem laboratorial de anticorpos antineuronais nas crianças que preencham os seguintes critérios (critérios de Cellucci):
Instalação de sintomas neurológicos e/ou psiquiátricos em <3 meses em uma criança previamente saudável;
Ao menos dois dentre: alteração do estado mental ou do nível de consciência ou eletroencefalograma com alentecimento ou com atividade epileptiforme; déficits neurológicos focais; dificuldades cognitivas; regressão aguda do desenvolvimento; distúrbios do movimento; sintomas psiquiátricos ou crises epilépticas não explicadas por condição prévia;
Exclusão de causas alternativas.
A pesquisa de anticorpos antineuronais deverá ser realizada de forma pareada no soro e líquor, usando duas metodologias distintas: tissue-based assay (TBA) e cell-based assay (CBA), com amostras coletadas preferencialmente antes do início do tratamento.
Na população pediátrica, recomenda-se a testagem adicional para anticorpos anti-mielina oligodendrócito glicoproteína (anti-MOG) para todos os pacientes, sendo este o segundo anticorpo mais associado à EAI nesta população.
A testagem para anticorpos anti-voltage-gated potassium channel (VGKC) não deve ser realizada, uma vez que são os subtipos anti-LGI1 e anti-CASPR2 os que se associam a EAI.
Todos os pacientes devem ser investigados adicionalmente com ressonância magnética do crânio, eletroencefalograma e análise do líquor (incluindo índice de imunoglobulina G e pesquisa de bandas oligoclonais).
Todos os pacientes preenchendo critérios diagnósticos para EAI possível devem receber tratamento em até 4 semanas do início dos sintomas e este não deve ser atrasado pela espera dos resultados sorológicos.
Os tratamentos recomendados agrupam-se em:
Primeira linha: metilprednisolona em dose de pulsoterapia (1g/dia durante 3 a 5 dias) associada a imunoglobulina endovenosa humana (2g/kg por 2 a 5 dias); ou metilprednisolona nas mesmas doses associada a plasmaferese (5 a 7 sessões em 7 a 14 dias).
Segunda linha: rituximabe (1g para >40 kg em duas doses separadas por duas semanas) e/ou ciclofosfamida (500 a 1000 mg/m² em pulsos mensais).
Terceira linha: tocilizumabe ou bortezomibe.
Nota do autor: As doses indicadas referem-se à população adulta.
Nota do autor: Imunossupressão oral, como por exemplo azatioprina ou micofenolato, não é recomendada baseando-se nas evidências atuais.
A resposta terapêutica caracteriza-se pela melhora clínica e/ou funcional em 10 a 14 dias após o início do tratamento, através da redução da frequência de crises epilépticas, melhora dos sintomas cognitivos ou psiquiátricos, melhora do nível de consciência ou dos distúrbios do movimento.
Na ausência de resposta terapêutica após 14 dias está indicada a introdução do tratamento de segunda linha com rituximabe e/ou ciclofosfamida. O uso do rituximabe é preferível pois está associado a melhor prognóstico e menor recorrência.
Medicações antiepilépticas devem ser prescritas apenas na presença de crises epiléticas, podendo-se considerar o desmame destas nos meses seguintes à fase aguda caso haja estabilidade clínica.
Figura 1. Fluxograma do tratamento das encefalopatias autoimunes
IVIG: Imunoglobulina humana endovenosa; PLX: Plasmaférese terapêutica
Na apresentação da doença deve ser realizado o rastreio de neoplasias, inicialmente com tomografias de tórax, abdome e pelve, e caso negativas, com FDG-PET de corpo inteiro caso.
Em mulheres recomenda-se a adição de ultrassonografia transvaginal e mamografia.
Em homens recomenda-se a adição de ultrassonografia testicular.
O rastreio de neoplasias deve ser realizado anualmente durante 4 anos nos pacientes com anticorpos comumente associados a neoplasias.
Recomenda-se o acompanhamento dos desfechos cognitivos utilizando ferramentas como: a escala de Rankin modificada (mRS), a Montreal Cognitive Assessment (MoCA), o mini-exame do estado mental (MEEM).
O acompanhamento laboratorial dos títulos de anticorpos antineuronais não é recomendado, exceto nos casos de encefalite anti-MOG.
Autor do conteúdo
Equipe DocToDoc
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-diagnostico-e-o-tratamento-das-encefalites-autoimunes
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