Como Eu Faço o Diagnóstico de Obesidade Pré-Clínica e Clínica
12 de fevereiro de 2025
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Racional
O diagnóstico de obesidade baseado no IMC pode tanto subestimar quanto superestimar o grau de adiposidade, levando a uma avaliação incorreta de saúde de pacientes a nível individual. Da mesma forma, o conceito de obesidade como uma doença é alvo de controvérsias na medicina moderna, e sua definição tem impactos importantes para as pessoas afetadas por essa condição e para a sociedade como um todo.
O objetivo do consenso foi definir critérios clínicos e biológicos objetivos para o diagnóstico de obesidade clínica, a fim de auxiliar na tomada de decisões clínicas e na priorização de intervenções terapêuticas, tanto a nível individual como em saúde pública.
Este texto aborda os critérios diagnósticos relacionados à obesidade.
Uma comissão formada por 58 especialistas, em parceria com a revista Lancet e o Instituto de Diabetes, Endocrinologia e Obesidade (Kings Health Partners), representando múltiplas especialidades médicas e países, além de pessoas convivendo com obesidade, discutiu as evidências científicas disponíveis e chegou a um consenso. O método utilizado foi semelhante ao método Delphi, sendo considerado consenso quando mais de 67% dos especialistas concordaram com algum dos enunciados. O grau de concordância foi classificado em quatro níveis: grau U (unânime, 100% de concordância); grau A (90-99% de concordância, quase unânime); grau B (78-89% de concordância, concordância forte com pouca variação); e grau C (67-77% de concordância, com maior divergência de opiniões).
Recomendações
Diagnóstico
Utilizar medidas tradicionais de obesidade baseadas exclusivamente no IMC (ex. IMC ≥ 30 kg/m2, ou outro ponto de corte específico para idade, sexo, país ou etnia) apenas como substituto para avaliação de saúde a nível populacional, em estudos epidemiológicos ou como ferramenta de rastreamento - Grau A (98% de concordância).
O IMC continua sendo uma ferramenta valiosa para triagem de indivíduos com potencial excesso ou acúmulo anormal de adiposidade, mas a confirmação clínica de obesidade é necessária por meio da medida direta de gordura corporal ou da presença de pelo menos um critério antropométrico - Grau A (97% de concordância).
Diagnóstico de Excesso ou Acúmulo Anormal de Tecido Adiposo
A avaliação clínica da obesidade requer a confirmação do excesso ou acúmulo anormal de tecido adiposo por um dos seguintes métodos:
Dosagem direta de gordura corporal (ex. por densitometria corporal com dupla emissão de raios X - DEXA, bioimpedância)
Pelo menos um critério antropométrico (circunferência abdominal, índice cintura-quadril ou índice cintura-altura) em adição ao IMC, ou
Pelo menos dois critérios antropométricos, independentemente do IMC.
Obs. Métodos validados e pontos de corte específicos para idade, sexo e etnia devem ser utilizados para todos os critérios antropométricos.
- Grau A (98% de concordância)
Pontos de Corte:
Percentual de gordura corporal: considera-se excesso de gordura corporal quando os valores são superiores 25% para homens e superiores a 30 a 38% para mulheres. Esses limites podem variar de acordo com o método utilizado e devem ser ajustados para diferentes populações.
Índice cintura-quadril: valores superiores a 0,9 para homens e 0,85 para mulheres indicam risco elevado. A circunferência abdominal aponta para um aumento substancial do risco metabólico quando é superior a 102 cm para homens e superior a 88 cm para mulheres. No entanto, há variações conforme a etnicidade. Por exemplo, em populações asiáticas, os pontos de corte para circunferência abdominal são menores, entre 80 e 88 cm para mulheres e 85 e 90 cm para homens.
Índice cintura-altura: valores superiores a 0,5 indicam maior risco metabólico. Entretanto, estudos adicionais são necessários para validar esse ponto de corte de forma definitiva.
Diagnóstico de Obesidade Clínica
Todas as pessoas com excesso de adiposidade devem ser avaliadas para obesidade clínica por meio da avaliação do histórico de saúde, exame físico, exames laboratoriais e testes diagnósticos adicionais conforme necessário - Grau U (100% de concordância).
Fazer o diagnóstico de Obesidade Clínica quando houver confirmação clínica de excesso ou acúmulo anormal de tecido adiposo por critérios antropométricos ou medida direta da gordura corporal, mais pelo menos um dos seguintes:
Evidência de disfunção tecidual ou orgânica devido à obesidade (ex. sinais, sintomas ou exames diagnósticos demonstrando anormalidade na função de um ou mais órgãos ou tecidos), ou
Limitações significativas nas atividades diárias, refletindo o impacto específico da obesidade na mobilidade e/ou em atividades básicas da vida diária (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, continência, alimentar-se) e ajustadas para a idade.
- Grau U (100% de concordância)
Figura 1. Fluxograma de Diagnóstico da Obesidade Clínica e da Obesidade Pré-Clínica
Limitações de Atividades Diárias Relacionadas à Obesidade em Adultos: limitações significativas ajustadas para a idade na mobilidade e/ou em outras atividades básicas da vida diária (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, continência, alimentar-se) - Grau U (100% de concordância).
Limitações de Atividades Diárias em Crianças: limitações significativas ajustadas para idade na mobilidade e/ou outras atividades básicas da vida diária (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, continência, alimentar-se) - Grau U (100% de concordância).
Disfunção Orgânica, Tecidual ou Sistêmica Devido à Obesidade em Adultos:
Sistema nervoso central: sinais de elevação da pressão intracraniana, como perda visual e/ou cefaleia recorrente - Grau A (93% de concordância).
Respiratório:
Apneia/hipopneia durante o sono por aumento da resistência das vias aéreas superiores - Grau U (100% de concordância).
Hipoventilação e/ou falta de ar e/ou chiado por redução da complacência pulmonar ou diafragmática - Grau U (100% de concordância).
Cardiovascular:
Redução da função ventricular sistólica esquerda (insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida - ICFEr) - Grau A (96% de concordância).
Fibrilação atrial crônica ou recorrente - Grau A (98% de concordância).
Hipertensão arterial pulmonar - Grau A (96% de concordância).
Fadiga crônica, edema de membros inferiores por disfunção diastólica (insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada - ICFEp) - Grau U (100% de concordância).
Trombose venosa profunda recorrente e/ou doença tromboembólica pulmonar - Grau A (90% de concordância).
Elevação da pressão arterial - Grau U (100% de concordância).
Metabolismo: conjunto de hiperglicemia, elevação de triglicérides e redução de HDL-c - Grau U (100% de concordância).
Fígado: doença hepática gordurosa relacionada à disfunção metabólica e fibrose hepática - Grau U (100% de concordância).
Renal:
Microalbuminúria com redução da taxa de filtração glomerular (TFG) - Grau A (96% de concordância).
Incontinência urinária crônica ou recorrente - Grau U (100% de concordância).
Reprodutivo (sexo feminino): anovulação, oligomenorreia e síndrome dos ovários policísticos - Grau U (100% de concordância).
Reprodutivo (sexo masculino): hipogonadismo masculino - Grau A (96% de concordância).
Músculo esquelético: dor crônica e severa no quadril ou joelhos associada a rigidez articular e redução da mobilidade - Grau U (100% de concordância).
Linfático: linfedema de membros inferiores causando dor crônica e/ou redução da mobilidade - Grau A (98% de concordância).
Nota da autora: apesar da Comissão reconhecer que a obesidade facilita o desenvolvimento de diversos distúrbios mentais, os mecanismos relacionados a essas associações são complexos e não totalmente compreendidos. Não houve consenso de que distúrbios mentais são diretamente causados pela obesidade, independentemente de outros fatores causais, o que impede seu enquadramento nos critérios diagnósticos de obesidade clínica. No entanto, doenças mentais devem ser consideradas como doenças relacionadas à obesidade. Além disso, é importante reconhecer a associação bidirecional da obesidade com distúrbios alimentares, que podem ser causas quanto como consequências da obesidade.
Disfunção Orgânica, Tecidual ou Sistêmica em Crianças:
Sistema nervoso central: sinais de elevação da pressão intracraniana, como perda visual e/ou cefaleia recorrente - Grau U (100% de concordância).
Respiratório:
Apneia/hipopneia durante o sono por aumento da resistência das vias aéreas superiores - Grau U (100% de concordância).
Hipoventilação e/ou falta de ar e/ou chiado por redução da complacência pulmonar ou diafragmática - Grau A (98% de concordância).
Cardiovascular: elevação da pressão arterial - Grau U (100% de concordância).
Metabolismo: hiperglicemia ou intolerância à glicose, além de alterações de perfil lipídico (elevação de triglicérides, elevação de LDL-c ou redução de HDL-c) - Grau U (100% de concordância).
Fígado: elevação de transaminases devido a doença hepática gordurosa relacionada à disfunção metabólica - Grau U (100% de concordância).
Renal: microalbuminúria - Grau U (100% de concordância).
Trato urinário: incontinência urinária crônica ou recorrente - Grau U (100% de concordância).
Reprodutivo (sexo feminino): síndrome dos ovários policísticos - Grau A (98% de concordância).
Musculoesquelético:
Dor crônica/recorrente ou quedas por pé plano ou desalinhamento das pernas - Grau A (96% de concordância).
Dor crônica/recorrente ou limitação da mobilidade por tíbia vara - Grau U (100% de concordância).
Dor aguda e/ou crônica/recorrente, limitação da mobilidade ou quedas por deslizamento epifisário da cabeça do fêmur. - Grau U (100% de concordância)
Investigações adicionais após o diagnóstico de Obesidade Clínica
Solicitar exames laboratoriais de rotina para pessoas com excesso de adiposidade confirmada, incluindo hemograma completo, glicemia, perfil lipídico, testes de função renal e hepática - Grau A (98% de concordância).
Avaliar a necessidade clínica de testes laboratoriais específicos para exclusão de causas secundárias de obesidade (como hipotireoidismo ou síndrome de Cushing) - Grau U (100% de concordância).
Outros exames diagnósticos devem ser realizados conforme o histórico médico do paciente, exame físico, ou caso os exames laboratoriais sugiram uma ou mais disfunções orgânicas ou teciduais induzidas pela obesidade, ou a presença de outras doenças relacionadas à obesidade - Grau U (100% de concordância).
Monitorar e realizar rastreamento para diabetes tipo 2 e outras doenças frequentemente associadas à obesidade em pacientes com obesidade clínica e pré-clínica - Grau U (100% de concordância).
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-diagnostico-de-obesidade-pre-clinica-e-clinica
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