Como Eu Faço o Diagnóstico da Síndrome da Quilomicronemia Familiar
10 de março de 2025
4 minutos de leitura
Racional
A síndrome da quilomicronemia familiar (SQF) é uma causa genética rara de hipertrigliceridemia, causada pela deficiência de enzimas essenciais para o metabolismo dos triglicérides. A principal etiologia é a deficiência da enzima lipoproteína lipase (LPL) ou de algum cofator necessário para sua função adequada. Trata-se de uma doença com padrão de herança autossômica recessiva, cujo quadro clínico inclui aumento do risco de pancreatite, dor abdominal, hepatoesplenomegalia e manifestações cutâneas e oculares decorrentes do acúmulo de lípides, como xantomas e lipemia retinalis. O principal diagnóstico diferencial é com a síndrome da quilomicronemia multifatorial, uma condição muito mais comum e de etiologia multifatorial, envolvendo fatores poligênicos e influências ambientais.
O posicionamento foi elaborado pelo Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), com o objetivo de conscientizar profissionais da saúde e reunir as principais orientações sobre o diagnóstico e o tratamento da condição. Neste texto, abordaremos as principais recomendações para o diagnóstico da síndrome da quilomicronemia familiar.
O método adotado utilizou cinco classes (graus) de recomendação: Classe I (evidências conclusivas, ou, na ausência delas, consenso geral de que o procedimento é seguro e eficaz), Classe II (evidências conflitantes e/ou divergências de opinião sobre a segurança e a eficácia do procedimento), Classe IIa (maior peso de evidências ou opiniões favoráveis ao procedimento, com aprovação da maioria), Classe IIb (segurança e eficácia menos bem estabelecidas, sem predomínio de opiniões favoráveis) e Classe III (evidências e/ou consenso de que o procedimento não é eficaz, e, em alguns casos, pode ser prejudicial). Além disso, a qualidade das evidências encontradas na literatura foi estratificada em três níveis: Nível A (múltiplos estudos randomizados de alta qualidade e/ou metanálises robustas), Nível B (metanálises menos robustas, um único estudo randomizado ou estudos observacionais) e Nível C (dados baseados em opiniões consensuais de especialistas).
Diagnóstico
As diretrizes brasileiras de dislipidemia e diabetes não exigem jejum para a coleta do perfil lipídico e dos triglicérides (Tg). No entanto, caso os níveis de Tg sejam superiores a 400 mg/dL, recomenda-se repetir a dosagem com jejum para uma avaliação mais precisa da hipertrigliceridemia, que pode ser classificada da seguinte forma:
Hipertrigliceridemia discreta: Tg > 150 mg/dL;
Hipertrigliceridemia moderada: Tg entre 151 e 499 mg/dL;
Hipertrigliceridemia grave: Tg entre 500 e 1.000 mg/dL;
Hipertrigliceridemia muito grave: Tg > 1.000 mg/dL.
Orientar jejum de 12h, alimentação habitual e evitar álcool por 72h e exercício físico por 24h para coleta de sangue para dosagem de triglicérides. Para crianças, orientar o tempo de jejum de acordo com a faixa etária:
Para lactentes, até 1 ano, orientar jejum de 3h;
Para não lactentes, de 2 a 5 anos, orientar jejum de 6h;
Para crianças > 5 anos, orientar jejum de 12h.
- Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Considerar o diagnóstico de Síndrome da Quilomicronemia Familiar, após descartadas as causas secundárias de hipertrigliceridemia, em pacientes:
Adultos com jejum de 12h e dosagem de triglicérides > 1.000 mg/dL, em três coletas diferentes;
Crianças e adolescentes, com valores de triglicérides > 880 mg/dL, independente do tempo de jejum, em três coletas diferentes;
Em crianças e adultos, a presença de uma dosagem de triglicérides < 170 mg/dL exclui a investigação de hiperquilomicronemia.
- Grau de Recomendação I, Nível de Evidência C
Nota da autora: Considerar os seguintes fatores como causas secundárias de hipertrigliceridemia: diabetes não controlado, hipotireoidismo, obesidade, síndrome metabólica, uso abusivo de álcool, medicamentos (como glicocorticoides, diuréticos tiazídicos, betabloqueadores não cardiosseletivos, antipsicóticos de segunda geração, inibidores de protease, ciclofosfamida, sequestrantes de ácidos biliares, amiodarona, ácido retinoico, isotretinoína, sirolimus e imunossupressores, como interferon e ciclosporina).
Considerar que os valores de LDL-colesterol na SQF são imprecisos por qualquer método de dosagem. Caso sejam calculados, utilizar a fórmula de Martin (Colesterol Total - HDL-c - TG/fator ajustável, sendo que o fator ajustável varia de acordo com a razão TG/VLDL-c) ou dar preferência às dosagens pelo método direto. - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C
Não realizar a dosagem da atividade de lipoproteína lipase com heparina, pois esse teste não é capaz de discriminar adequadamente portadores de variantes comuns nos genes LPL. - Grau de Recomendação III, Nível de Evidência C
Teste Genético
Utilizar o Escore Diagnóstico como ferramenta para triagem de casos suspeitos de Síndrome da Quilomicronemia Familial para realização do teste genético. O teste é composto pelos seguintes tópicos:
Tg em jejum ≥ 1.000 mg/dL em 3 dosagens (não necessariamente consecutivas): + 5 pontos.
Tg em jejum em alguma medida ≥ 1.760 mg/dL*: + 2 pontos (*apenas se o critério anterior for sim).
Tg prévio < 200 mg/dL: - 5 pontos.
Sem fatores secundários, exceto gestação e etinilestradiol: + 2 pontos.
História de pancreatite: +1 ponto.
Dor abdominal recorrente sem outra causa: + 1 ponto.
Sem história de hiperlipidemia familiar combinada: + 1 ponto.
Sem resposta ao tratamento hipolipemiante (redução de TG < 20%): + 1 ponto.
Idade de início dos sintomas: < 40 anos + 1 ponto; < 20 anos + 2 pontos; < 10 anos + 3 pontos.
Escore SQF: pontuação ≥ 10 muito provável; pontuação 9 improvável; pontuação ≤ 8 muito improvável.
- Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Confirma-se o diagnóstico de Síndrome da Quilomicronemia Familial quando o sequenciamento genético dos genes LPL, APOC2, APOA5, GPIHBP1 e LMF1 apresentar variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas em homozigose, heterozigose dupla ou heterozigose composta - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Encaminhar pacientes com diagnóstico confirmado de Síndrome da Quilomicronemia Familial para aconselhamento genético, a fim de avaliar o risco de recorrência da doença, informação relevante para a tomada de decisões no planejamento familiar e escolha do método contraceptivo, principalmente em casos de uniões consanguíneas - Grau de Recomendação I, com Nível de Evidência C.
Autor do conteúdo
Bibiana Boger
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-diagnostico-da-sindrome-da-quilomicronemia-familiar
Compartilhe
Copyright © 2024 Portal de Conteúdos MEDCode. Todos os direitos reservados.