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    Como Eu Faço o Cuidado Inicial de Pacientes com Sepse

    10 de julho de 2024

    8 minutos de leitura

    Racional: 

    • A sepse é uma condição caracterizada por disfunções orgânicas ameaçadoras à vida secundárias a uma resposta imune desregulada à infecção. Trata-se de uma síndrome com elevada incidência em unidades de emergência e UTIs e responsável por milhares de mortes anualmente. A identificação rápida e manejo apropriado (especialmente nas primeiras horas) podem impactar positivamente os desfechos de pacientes com sepse. Existem diretrizes aceitas internacionalmente que sugerem recomendações para o manejo de pacientes com sepse, visando homogeneizar o cuidado de tais pacientes (reduzindo a disparidade entre centros e regiões diferentes) e aumentar a qualidade do cuidado oferecido. Dentre essas diretrizes, destaca-se a Campanha de Sobrevivência à Sepse, cuja última atualização ocorreu em 2021. Abaixo iremos resumir as principais recomendações sugeridas pela Campanha de Sobrevivência à Sepse, com foco no cuidado nas primeiras horas.  

    Recomendações

    1) Sugere-se que os hospitais desenvolvam programas para identificação, manejo e melhoria de cuidados de pacientes com sepse (protocolos de sepse).

    • Apesar de alguma inconsistência, uma meta-análise de 50 estudos observacionais sugere que o desenvolvimento de programas de melhoria de cuidados para pacientes com sepse resulta em melhores desfechos, incluindo menor mortalidade.

    • Além disso, tais programas aumentam a percepção da equipe quanto ao diagnóstico de sepse (facilitando a identificação precoce) e criam mecanismos para agilizar o cuidado inicial (ex.: caixa com antibióticos para dose inicial, fluxo diferenciado no laboratório para obtenção de exames laboratoriais).

    • Como todo protocolo, não se espera que o cuidado seja “engessado” pelo protocolo de sepse, sendo necessário que a equipe médica tenha liberdade para fazer uma avaliação clínica e tratamento individualizados para cada paciente. Assim, o protocolo de sepse deve dar sugestões gerais (que se aplicam para maioria dos casos) e criar facilitadores, e não tentar substituir o raciocínio clínico. 

    2) Sugere-se que pacientes com sepse/choque séptico sejam atendidos imediatamente e sejam admitidos em unidades de terapia intensiva dentro de 6 horas.

    • Dados de estudos observacionais sugerem que a admissão precoce de pacientes com sepse na UTI pode resultar em melhores desfechos, em relação a continuar no departamento de emergência ou enfermaria. 

    3) Em pacientes com suspeita de sepse/choque séptico, sugere-se coletar pelo menos um par de hemoculturas, bem como outras amostras a depender do foco suspeito (ex.: secreção traqueal na suspeita de pneumonia; líquor na suspeita de meningite).

    • Em pacientes com suspeita de sepse, a coleta de culturas é essencial, tanto para confirmar o diagnóstico de infecção, como também para ajustar o esquema antimicrobiano. Contudo, frequentemente os agentes isolados em culturas são contaminantes (especialmente em uroculturas colhidas de usuários de sonda vesical), o que pode atrapalhar o raciocínio diagnóstico e desviar a atenção do real foco infeccioso. Assim, devem ser colhidas culturas de acordo com a suspeita clínica.

    • A coleta de culturas após a administração de antimicrobianos reduz a sensibilidade do exame em cerca de 50%. Assim, sempre que possível as amostras devem ser colhidas antes da administração do antibiótico (desde que isso não atrase de forma significativa a administração dos antimicrobianos).

    4) Em pacientes com suspeita de sepse e com choque e/ou com elevada probabilidade de infecção sugere-se administrar antimicrobianos imediatamente, se possível dentro de 1 hora.

    • Os estudos avaliando o impacto do tempo de administração de antimicrobianos no desfecho de pacientes com sepse são limitados pelo seu desenho observacional, inclusão apenas de pacientes com infecção confirmada e ajuste inadequado de variáveis de confusão. Apesar disso, no subgrupo de pacientes com choque parece haver um sinal consistente na literatura de que o atraso para iniciar antimicrobianos resulta em piores desfechos. Assim, na presença de choque (cuja hipótese principal é séptico) se justifica iniciar antimicrobianos o mais breve possível.

    • Além disso, se há sinais óbvios de infecção (ex.: pus saindo do cateter, fezes na cavidade abdominal) não há por que não administrar antibióticos imediatamente. 

    5) Para pacientes com suspeita de sepse, porém sem choque e sem marcadores francos de um foco infeccioso sugere-se uma avaliação clínico-laboratorial rápida (3-6 horas) visando avaliar a probabilidade de condições infecciosas versus não infecciosas. Em caso de piora clínica, preocupação persistente com a possibilidade de infecção ou identificação de um foco infeccioso claro, sugere-se administrar antimicrobianos. Por outro lado, caso o paciente persista estável e não sejam identificados sinais claros de infecção é plausível não administrar antimicrobianos e manter uma vigilância clínica próxima.

    • Diferenciar sepse de outras condições inflamatórias frequentemente é um desafio, principalmente em pacientes que já estão internados por outras doenças (ex.: trauma, pós-operatório de grande cirurgia, lesão neurológica aguda, pancreatite). Além disso, eventualmente pacientes podem se apresentar com condições não infecciosas mimetizando infecção (ex.: TEP, isquemia mesentérica, aspiração de conteúdo gástrico). Ao assumir que tais pacientes têm infecção e iniciar antimicrobianos, estamos expondo os mesmos aos efeitos adversos da terapia antimicrobiana, aumentando a pressão seletiva para o surgimento de germes multirresistentes, aumentando o custo e desviando a atenção em relação ao real diagnóstico.

    • Em pacientes estáveis, a evidência observacional mostra uma relação inconsistente entre o tempo de administração de antimicrobianos e o desfecho. Assim, é razoável utilizar uma janela de tempo sem antimicrobianos para ter um período de observação bem como realizar uma avaliação complementar que permita refinar a probabilidade pré-teste de infecção. 

    • Após esse período de observação pode-se definir por iniciar antibióticos (caso ocorra piora clínica ou a probabilidade pré-teste aumente) ou por manter apenas observação, sem o uso de antimicrobianos.

    6) Em pacientes com sepse/choque séptico, sugere-se NÃO utilizar a procalcitonina para iniciar antimicrobianos. Eventualmente esse marcador pode ser utilizado para definir o término de antimicrobianos

    • Existem 3 estudos randomizados comparando cuidado usual versus início de antimicrobianos guiado pela procalcitonina. Uma meta-análise desses 3 estudos não demonstrou nenhuma diferença na mortalidade, tempo na UTI ou tempo no hospital com o uso da procalcitonina.

    • Em pacientes que já estão em uso de antimicrobianos, esse marcador pode ser utilizado para definir o momento de interrupção do tratamento. Existe evidência sugerindo que a dosagem da procalcitonina reduz o tempo de tratamento antimicrobiano e pode resultar em melhores desfechos.

    7) Sugere-se adaptar o esquema antimicrobiano inicial de acordo com o risco de agentes multirresistentes.

    • Existem poucos estudos avaliando o esquema antimicrobiano inicial em pacientes com sepse, sendo esta recomendação baseada principalmente na opinião de especialistas.

    • De forma geral deve-se levar em consideração fatores de risco para agentes multirresistentes (tempo de internação, uso prévio de antimicrobianos, fatores de risco individuais), bem como dados de microbiologia local de cada hospital. Idealmente cada serviço deve relatar regularmente seus resultados microbiológicos, permitindo assim definir em protocolos locais quais serão as escolhas preferenciais de terapia empírica.

    8) Sugere-se avaliar pacientes com sepse/choque séptico quanto a possibilidade de focos infecciosos fechados (incluindo cateteres infectados). Caso seja identificado um foco fechado, o mesmo deve ser removido o mais breve possível.

    • O controle de focos fechados é essencial para o sucesso no tratamento de pacientes com sepse/choque séptico. Alguns estudos inclusive sugerem que o controle adequado do foco tem maior impacto no desfecho do que acertar a terapia antimicrobiana empírica. Assim, é interessante sempre cogitar a presença de abscessos, coleções ou dispositivos com biofilme. Caso estejam presentes, tais focos devem ser controlados o mais brevemente possível, levando em consideração questões logísticas específicas de cada instituição. 

    9) Sugere-se que em pacientes com sepse e sinais de hipoperfusão sejam administrados pelo menos 30 ml/kg de cristaloides nas primeiras 3 horas de reanimação. 

    • Trata-se de uma recomendação baseada principalmente em estudos observacionais. Alguns RCTs avaliaram diferentes estratégias de manejo inicial guiado por metas, bem como estratégias liberais versus restritivas de volume. Contudo, em todos esses estudos era comum a administração inicial de 30 ml/kg de cristaloides nas primeiras horas após o diagnóstico. 

    • Contudo, é importante exercer o bom senso. Pacientes que vem de casa ou que tiveram perdas hídricas óbvias (ex.: vômitos), provavelmente iram necessitar de expansão volêmica. Por outro lado, alguns pacientes apresentaram sepse em um contexto já de sobrecarga de volume (ex.: paciente internado por insuficiência cardíaca; paciente em pós-operatório tardio de cirurgia abdominal em uso de nutrição parenteral). Assim, é necessário individualizar o tratamento.

    10) Sugere-se que após a expansão volêmica inicial o uso adicional de volume seja guiado por provas dinâmicas de fluidorresponsividade

    • Alguns pacientes continuaram com hipotensão ou sinais de má perfusão mesmo após a expansão volêmica inicial. Nesses pacientes, o uso adicional de fluidos pode ser tanto benéfico (caso eleve o débito cardíaco e a perfusão periférica) como também deletério (caso resulte em sobrecarga hídrica, com edema pulmonar, edema de alças, edema renal...). 

    • O uso de provas dinâmicas de fluido responsividade (elevação passiva das pernas, variação da pressão de pulso, variação da veia cava inferior) pode ajudar a selecionar candidatos com maior probabilidade de se beneficiar de fluídos e seu uso tem sido associado a melhores desfechos em alguns estudos. 

    11) Sugere-se acompanhar os níveis séricos de lactato e o tempo de enchimento capilar durante a reanimação de pacientes com sepse/choque séptico.

    • Tanto o lactato, quanto o tempo de enchimento capilar (TEC) são excelentes marcadores prognósticos. O não clareamento do lactato ou a persistência de um TEC prolongado marcam um quadro mais grave, tendo implicações tanto na conduta como na definição de objetivos de cuidado.

    • Diversos estudos multicêntricos falharam em demonstrar melhores desfechos com suporte hemodinâmico direcionado a reduzir os níveis de lactato. Além disso, o estudo ANDROMEDA-SHOCK sugere que o TEC pode ser um alvo terapêutico melhor. Ainda assim, trata-se de um marcador importante para avaliar a tendência do paciente (desde que se tenha o bom senso de cuidar do paciente e não de um número...)

    12) Em pacientes com sepse/choque séptico com hipotensão (PAM < 65 mmHg) a despeito da reposição volêmica, sugere-se iniciar vasopressores, sendo a noradrenalina a medicação de primeira escolha.

    • A noradrenalina é uma medicação barata, amplamente disponível, em uso há mais de 60 anos e associada a menos efeitos adversos em relação à outras catecolaminas. Assim, é considerado o vasopressor de escolha para pacientes com choque séptico.

    • Hipotensão persistente (PAM < 65 mmHg) pode limitar a perfusão de vários órgãos (especialmente em leitos vasculares pobres em autorregulação como fígado e intestino). Não há evidência suficiente para recomendar alvos menores ou maiores de PAM, porém o alvo de PAM pode ser individualizado em situações especiais (ex.: menor em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, maior em pacientes cronicamente hipertensos).

    • A associação de vasopressina é sugerida caso sejam necessárias doses de noradrenalina acima de 0,3 a 0,5 mcg/kg/min. Há evidência de que a associação de vasopressina pode reduzir a dose de catecolamina (limitando efeitos colaterais).

    13) Em pacientes com choque séptico e necessidade de vasopressores, sugere-se iniciar tais medicações por acesso periférico até que seja obtido um acesso venoso central.

    • Existem meta-análises demonstrando que o uso de vasopressores em acesso periférico é seguro, especialmente se o acesso for calibroso (18G ou maior), proximal nos membros superiores e com uso por menos de 24h. Diante disso, não se justifica atrasar o início dos vasopressores até a obtenção de acesso central.

    14) Em pacientes com sepse e necessidade de vasopressores, sugere-se iniciar corticosteroides endovenosos.

    • O uso de corticoides em pacientes com choque séptico reduz o tempo até a resolução do choque e possivelmente resulta em menor mortalidade. A dose usual seria de 200 a 300 mg por dia, em infusão contínua ou dividido em 3-4 doses diárias (ex.: 50 mg 6/6h).

    15) Para pacientes com sepse/choque séptico sugere-se discutir objetivos de cuidado e prognóstico com o paciente e familiares dentro das primeiras 72h.

    • A sepse é uma condição com elevada morbimortalidade. No Brasil a mortalidade de pacientes com sepse está em torno de 30% e no choque séptico pode chegar a mais de 60%. Além disso, entre os sobreviventes é comum a ocorrência de sequelas físicas, cognitivas e psicológicas, as quais podem perdurar por meses a anos e resultar em uma piora significativa da qualidade de vida. Somado a isso, frequentemente a sepse é o evento final na história natural de uma doença crônica (ex.: paciente com DPOC terminal que evolui com pneumonia).

    • Diante disso, a avaliação dos valores do paciente e da família e definição de objetivos de cuidado faz parte do cuidado integral do paciente. Em vários casos o escalonamento de medidas invasivas diante de piora clínica pode resultar em prejuízo importante na funcionalidade do paciente, se tornando desproporcional aos seus valores e potencialmente inadequado (gerando sobrevida em detrimento da qualidade de vida).

    • Conhecer os valores do paciente e da família e alinhar expectativas em relação ao prognóstico a curto e longo prazo é um passo essencial para traçar um plano de cuidado integral e individualizado.


    Autor do conteúdo

    Luis Júnior


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-o-cuidado-inicial-de-pacientes-com-sepse


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