Como Eu Faço Manejo de Pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Com Base na Diretriz da ATS/ESICM/SCCM de 2017 Atualizada em 2024
22 de novembro de 2024
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A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é uma condição caracterizada por edema pulmonar inflamatório, com infiltrado pulmonar bilateral e hipoxemia grave. Trata-se de uma condição comum em unidades de terapia intensiva e que é associada a elevada morbidade e mortalidade.
O tratamento dessa síndrome é baseado em medidas de suporte, sendo especialmente relevante o manejo adequado da ventilação mecânica. Com o entendimento de que a ventilação invasiva pode agravar a lesão pulmonar através da ocorrência de VILLI (ventilator-induced lung injury), boa parte das intervenções direcionadas a pacientes com SDRA é direcionada a mitigar esse tipo de lesão. Nas últimas décadas diversos estudos randomizados foram publicados testando intervenções específicas no manejo de pacientes com SDRA, porém muitos tratamentos benéficos para tais pacientes são subutilizados por falta de conhecimento da população médica.
Assim, visando sintetizar a evidência disponível e fornecer recomendações adequadas para o manejo de pacientes com SDRA foram elaboradas diretrizes pela American Thoracic Society (ATS), pela European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) e pela Society of Critical Care Medicine (SCCM). Essas diretrizes foram elaboradas a partir de diversas questões (usando a metodologia PICO), seguidas de revisão extensa da literatura e discussão em grupos para a elaboração de recomendações baseadas na metodologia GRADE. Recomendações são classificadas como fortes (o painel “recomenda”; situações em que a maioria dos médicos e pacientes preferiria a intervenção) ou condicionais (o painel “sugere”; situações em que a intervenção pode ser apropriada, porém cabe uma avaliação caso a caso). Neste texto abordaremos as principais recomendações incluídas nesta diretriz.
O painel recomenda que pacientes com SDRA sejam manejados com volumes correntes baixos (4-8 ml/kg de peso predito pela altura) e limitando as pressões de platô para valores abaixo de 30 cmH2O.
Tal recomendação é baseada em um conjunto moderado de evidência sugerindo que o uso de baixos volumes correntes resulta em menor mortalidade em comparação ao uso de volumes correntes maiores (10-15 ml/kg).
O objetivo com essa intervenção é reduzir a ocorrência de volutrauma e barotrauma relacionada à ventilação mecânica, uma vez que em pacientes com SDRA o volume corrente é distribuído de forma heterogênea, ocupando especialmente as regiões não dependentes do pulmão em que não há colapso (o chamado baby lung).
O painel recomenda que pacientes com SDRA moderada a grave (relação PaO2/FiO2 < 150) recebam sessões de prona com pelo menos 12h de duração.
O resumo da evidência demonstra que a realização de sessões prolongadas de prona (acima de 12h) associada a ventilação com baixos volumes correntes resulta em menor mortalidade. Além disso, os pacientes mais graves são os que mais se beneficiam dessa intervenção.
É necessária atenção quanto a ocorrência de lesões por pressão e obstrução do tubo orotraqueal, complicações cujo risco aumenta na posição prona.
O painel sugere que seja utilizada PEEP elevada sem manobras de recrutamento alveolar em pacientes com SDRA moderada a grave. Por outro lado, o painel recomenda que não sejam utilizadas manobras de recrutamento prolongadas (PEEP acima de 35 cmH2O por mais de 60 segundos) de forma rotineira em pacientes com SDRA moderado a grave.
Tal recomendação é baseada duas meta-análises: a primeira foi uma meta-análise em rede com 18 estudos e 4646 pacientes que usando análise bayesiana sugere uma alta probabilidade de redução da mortalidade com o uso de PEEP elevada em pacientes com SDRA moderada a grave, além de possível redução do tempo de ventilação e melhora da oxigenação; A segunda incluiu estudos avaliando manobras de recrutamento alveolar prolongadas, aos moldes do estudo ART e que demonstrou aumento na mortalidade no grupo que recebeu tais manobras (possivelmente devido a efeitos hemodinâmicos deletérios e ocorrência de barotrauma).
O suporte com oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) é uma terapia que envolve a retirada do sangue do paciente por uma cânula de drenagem, oxigenação e remoção de CO2 em uma membrana extracorpórea e devolução do sangue oxigenado por uma cânula de devolução. Trata-se de uma terapia complexa que pode fornecer suporte respiratório e cardiovascular. Em pacientes com SDRA, a forma mais comum de suporte extracorpóreo é a instituição de ECMO veno-venosa (suporte apenas respiratório).
O painel da ATS/ESICM/SCCM sugere que a ECMO-VV seja utilizada em casos selecionados de pacientes com SDRA grave. Essa recomendação se baseia em dois estudos principais (CESAR e EOLIA), que somados sugerem que a terapia com ECMO-VV em casos com hipoxemia muito grave (PaO2/FiO2 < 80) ou acidose respiratória severa e refratária pode resultar em menor mortalidade.
Contudo, a recomendação leva em consideração diversos aspectos como disponibilidade da terapia, experiência do centro com pacientes com ECMO, critérios de seleção (visando maximizar a canulação de pacientes com doenças reversíveis e com possibilidade de reabilitação a longo prazo), o tempo entre o início da SDRA e a instituição de ECMO (idealmente menor que 7 dias), a utilização de outras terapias menos invasivas (como prona ou bloqueio neuromuscular), bem como aspectos logísticos e de custo efetividade. Todos esses aspectos devem ser levados em conta antes de cogitar a instalação de ECMO.
O painel sugere que pacientes com SDRA recebam corticosteroides. Tal recomendação é baseado em um corpo moderado de evidências sugerindo que o uso de corticoides nessa população resulta em melhores desfechos, incluindo mortalidade e tempo de ventilação mecânica.
A escolha do corticoide específico (prednisona, dexametasona ou hidrocortisona), bem como a dose e duração do tratamento ainda são motivo de debate, uma vez que a maioria dos estudos utilizou esquemas posológicos diferentes.
O painel sugere considerar o uso de bloqueadores neuromusculares (BNM) em pacientes com SDRA moderado a grave na fase precoce da doença.
Diversos estudos avaliaram o uso de bloqueadores neuromusculares na fase precoce da SDRA. Uma revisão da totalidade da literatura sugere que essa intervenção pode resultar em melhores desfechos, incluindo menor mortalidade e menor tempo de ventilação mecânica. Contudo, a maioria dos estudos comparou o uso BNMs versus sedação profunda. O estudo mais recente sobre esse tema (estudo ROSE) comparou sedação profunda e BNM versus sedação leve com bloqueio neuromuscular apenas em caso de desconforto, incapacidade de ventilação protetora ou assincronia persistente e teve resultado neutro.
Além disso, existe grande preocupação com os efeitos colaterais do bloqueio neuromuscular, especialmente imobilismo e paresia do doente crítico. Diante disso, o painel optou por uma recomendação condicional e focada na fase inicial da doença.
O uso de ventilação espontânea na fase inicial da SDRA pode ter consequências positivas e negativas e faltam estudos avaliando o impacto da ventilação espontânea parcialmente assistida em comparação a ventilação estritamente controlada nesse grupo de pacientes.
Estudos observacionais sugerem que a driving presure é um preditor melhor de desfechos em pacientes com SDRA do que o volume corrente ou pressão de platô. Contudo são necessários estudos randomizados para avaliar se uma estratégia ventilatória baseada em driving pressure seria superior à ventilação protetora habitual (baseada em baixos volumes e limitando a pressão de platô).
A maneira ideal para o ajuste da PEEP ainda é incerta, sendo que diversas estratégias diferentes já foram testadas (PEEP-table, ajuste conforme complacência, ajuste conforme pressão transpulmonar), sem que nenhuma delas tenha se mostrado superior.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-manejo-de-pacientes-com-sindrome-do-desconforto-respiratorio-agudo-com-base-na-diretriz-da-atsesicmsccm-de-2017-atualizada-em-2024
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