Como Eu Faço Manejo Cardiovascular Perioperatório em Cirurgia Não Cardíaca: Pré Operatório Com Base na Diretriz da AHA/ACC/ACS/ASNC/HRS/SCA/SCCT/SCMR/SVM de 2024
11 de dezembro de 2024
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Estima-se que sejam realizadas mais de 300 milhões de cirurgias anualmente no mundo todo.
Comorbidades cardiovasculares são comuns em adultos submetidos a cirurgias não cardíacas e a ocorrência de complicações cardiovasculares perioperatórias é uma importante causa de morbidade e mortalidade.
Assim, visando sintetizar a evidência disponível e fornecer recomendações adequadas para o manejo cardiovascular perioperatório de pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas, a American Heart Association (AHA), em conjunto com diversas outras instituições de atuação relevante nesse cenário elaboraram diretrizes abordando os principais tópicos referentes à tal manejo, incluindo desde a avaliação de risco perioperatório, cuidados antes da cirurgia, cuidados no intra e no pós-operatório.
Essas diretrizes foram elaboradas a partir de diversas questões (usando a metodologia PICO), seguidas de revisão extensa da literatura e discussão em grupos de especialistas para a elaboração de recomendações.
Para cada recomendação é fornecido uma classe de recomendação (força da evidência, podendo ir de classe 1 à classe 3, na qual 1 é uma recomendação para que a conduta seja feita; 2 é uma sugestão para que a conduta seja feita e 3 é uma sugestão ou recomendação para que a conduta não seja feita pelo risco de causar mal) e uma avaliação da qualidade da evidência (de nível A à nível C, na qual o nível A representa evidência de alta qualidade proveniente de ensaios randomizados bem feitos; B representa evidência compilada de ensaios randomizados de qualidade inferior ou estudos observacionais e C representa estudos com qualidade técnica inferior).
Abaixo apresentamos um resumo dos principais pontos discutidos nessa diretriz referentes à avaliação cardíaca pré-operatória.
O painel sugere que, em pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca que tenham doença cardiovascular previamente conhecida, o uso de ferramentas de predição de risco validadas pode ser útil para estimar o risco de eventos cardiovasculares maiores no pós-operatório (Classe 2a, nível B).
A diretriz sugere algumas ferramentas validadas, como o RCRI, o MICA risk calculator (derivado do programa de melhoria de qualidade perioperatória do American College of Surgeons), o calculador de risco cirúrgico universal do American College of Surgeons e o Surgical Outcome Risk Tool.
A diretriz ressalta que nenhuma ferramenta é perfeita, sendo necessário integrar na avaliação de risco cardiovascular fatores específicos da cirurgia (ex.: tipo de cirurgia, tipo de anestesia) e do paciente (atividade física, exame físico). Além disso, há poucos estudos avaliando como o impacto de conhecer o risco perioperatório pode modificar o manejo clínico.
A diretriz sugere que, em pacientes com alto risco cardiovascular submetidos à cirurgia não cardíaca, uma avaliação estruturada da capacidade funcional pode ser interessante para estratificar ainda mais o risco de complicações cardiovasculares (classe 2a, nível B).
Para a avaliação de capacidade funcional (mensurada em equivalentes metabólicos ou METs), podem ser utilizados testes simples como a capacidade de andar 4 quadras ou subir 2 lances de escada, ou ferramentas como o Duke Activity Status Index (DASI).
A avaliação da capacidade funcional pode ser utilizada para selecionar pacientes que necessitam de estratificação de risco cardiovascular adicional antes da cirurgia. Pacientes assintomáticos e com boa capacidade funcional em geral podem ser encaminhados para cirurgia.
A diretriz sugere que em pacientes com mais de 65 anos (ou pacientes mais jovens, porém com percepção de fragilidade), seja realizada uma triagem para fragilidade usando escalas validadas (classe 2a, nível B).
Fragilidade é uma síndrome caracterizada por um declínio em vários domínios fisiológicos, que reduz a capacidade de adaptação a estressores e aumenta o risco de complicações como infecção, sangramento, quedas, permanência longa e morte após cirurgia não cardíaca.
Diversas escalas podem ser utilizadas para esta avaliação, sendo a Clinical Frailty Scale uma das mais conhecidas.
A identificação de fragilidade pode desencadear medidas no pré-operatório como condicionamento físico e suporte nutricional, visando reduzir o risco de complicações. Por outro lado, em pacientes muito idoso, frágeis e comórbidos, é possível que a cirurgia traga pouco benefício, sendo a avaliação de fragilidade importante para embasar discussões sobre objetivos de cuidado.
A diretriz sugere que em pacientes com alto risco cardiovascular com mais de 65 anos ou com mais de 45 anos e sintomas de doença cardiovascular, a dosagem de BNP (ou NT-proBNP) e de troponina ultrassensível pode complementar a avaliação perioperatória (classe 2a e 2b respectivamente, nível B).
O painel destaca que não há evidência consistente de que a dosagem desses marcadores possa alterar o manejo perioperatório e que existe o risco potencial de que esses testes levem à solicitação de exames adicionais desnecessários.
Eletrocardiograma: a diretriz sugere que seja realizado ECG de 12 derivações em pacientes com doença cardiovascular conhecida ou sintomas de doença cardiovascular (classe 2a, nível B). Em pacientes assintomáticos submetidos à cirurgia de baixo risco a recomendação é não realizar tal exame (classe 3, nível B).
Ecocardiograma: em pacientes com dispneia nova, sinais clínicos de insuficiência cardíaca ou IC conhecida com piora recente dos sintomas a diretriz sugere a avaliação da função ventricular antes da realização da cirurgia não cardíaca (classe 1 e 2a, nível B e C, respectivamente). Em pacientes assintomáticos e clinicamente estáveis a diretriz recomenda não avaliar a função ventricular devido a falta de benefício nos estudos (classe 3, nível B).
Teste de estresse: em pacientes com alto risco cardiovascular, com capacidade funcional reduzida, submetidos a cirurgia de alto risco, a realização de testes de estresse (ex.: ergométrico, ecocardiograma com dobutamina, cintilografia com estresse farmacológico) pode ser considerada no pré-operatório de cirurgia não cardíaca (classe 2b, nível B). Em pacientes assintomáticos, com capacidade funcional adequada ou submetidos a procedimentos de baixo risco, a diretriz sugere não realizar testes de estresse para isquemia miocárdica. A diretriz ressalta que os testes de estresse têm valor preditivo positivo modesto, são caros, podem atrasar a realização da cirurgia e que a revascularização pré-operatória não conseguiu demonstrar redução na ocorrência de eventos cardiovasculares ou morte.
AngioTC de coronárias: em pacientes com alto risco cardiovascular, com capacidade funcional reduzida, submetidos a cirurgia de alto risco, a realização de angioTC de coronárias pode ser considerada (classe 2b, nível C). Em pacientes assintomáticos, com capacidade funcional adequada ou submetidos a procedimentos de baixo risco, a diretriz sugere não realizar angioTC de coronárias (classe 3, nível B).
Cateterismo cardíaco: em pacientes em programação de cirurgia não cardíaca a diretriz recomenda não realizar angiografia coronariana pré-operatória, visto que não há evidência de que esta prática melhore desfechos clínicos (classe 3, nível C).
O painel sugere um fluxograma para avaliação cardiovascular antes da realização de cirurgia não cardíaca.
De forma resumida, na ausência de fatores de risco cardiovasculares, doença cardiovascular conhecida ou sintomas de doença cardíaca o paciente é encaminhado à cirurgia sem testes adicionais. Isso também vale para procedimentos de emergência.
Na presença de doenças cardiovasculares instáveis (síndrome coronariana aguda, arritmias instáveis, insuficiência cardíaca descompensada) a cirurgia deve ser adiada até a compensação clínica.
Na presença de fatores de risco cardiovascular ou doença cardíaca conhecida deve ser realizada avaliação do risco cardiovascular com escalas validadas, bem como avaliação de capacidade funcional e de fragilidade. Na presença de baixo risco e boa capacidade funcional o paciente é liberado para cirurgia. Na presença de alto risco a realização de testes adicionais como ECG, ecocardiograma ou biomarcadores pode auxiliar na decisão quanto ao procedimento cirúrgico e no manejo perioperatório.
Em pacientes com alto risco cardiovascular, com baixa reserva funcional e com testes adicionais alterados deve ser realizada uma avaliação multidisciplinar levando em consideração os riscos e benefícios do procedimento cirúrgico. As condutas possíveis irão variar caso a caso, podendo-se proceder a cirurgia, adiar o procedimento até melhora clínica, adiar a cirurgia de forma definitiva, buscar alternativas menos invasivas e eventualmente até focar em cuidados paliativos.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-manejo-cardiovascular-perioperatorio-em-cirurgia-nao-cardiaca-pre-operatorio-com-base-na-diretriz-da-ahaaccacsasnchrsscascctscmrsvm-de-2024
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