Como Eu Faço Intubação Orotraqueal em Paciente Acordado Com Base na Diretriz da Difficult Airway Society de 2019
06 de dezembro de 2024
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A intubação orotraqueal é um dos procedimentos mais realizados em hospitais, incluindo setores como centro cirúrgico, UTI e unidades de emergência. Apesar de na maioria das vezes este procedimento transcorrer sem intercorrências, em cerca de 2 a 6% dos casos pode haver dificuldades, incluindo incapacidade de visualizar a traqueia, ventilação não eficaz com dispositivo bolsa-valva-máscara e dificuldade em ventilar com dispositivo supraglótico. Em tais situações, as consequências podem ser graves, incluindo morte e sequelas neurológicas graves.
Um ponto importante é que existem várias ferramentas que podem predizer uma via aérea difícil. Em um cenário em que se antecipa dificuldade na intubação, uma alternativa razoável seria realizar o procedimento com o paciente acordado, mantendo ventilação espontânea, sendo realizada anestesia geral apenas depois que a via aérea está garantida. Tal procedimento é seguro e altamente eficaz, contudo, raramente é utilizado, em grande parte por falta de experiência e segurança dos operadores.
Visando aumentar a segurança e estimular a realização de intubação orotraqueal com paciente acordado, a Difficult Airway Society elaborou estas diretrizes com um conjunto de recomendações sobre o tema. Para a elaboração das diretrizes foram realizadas algumas reuniões com os membros responsáveis, envolvendo revisões sistemáticas da literatura para a elaboração de recomendações específicas. A força das recomendações foi graduada de A à D (sendo A o maior nível de evidência: baseado em estudos randomizados e D o menor nível de evidência: baseado em opinião de especialistas).
A diretriz sugere a intubação com paciente acordado seja considerada em pacientes com risco elevado de via aérea difícil, incluindo patologias cervicais e orais, redução da abertura oral, limitação da extensão cervical, obesidade mórbida e apneia do sono (Grau D).
A diretriz sugere que todo o material necessário para abordagem da via aérea, incluindo dispositivos para ventilação e intubação de resgate estejam disponíveis e próximos do operador (Grau D).
A diretriz recomenda que durante todo o procedimento os pacientes sejam monitorizados com cardioscopia, medida não invasiva de pressão arterial, oximetria de pulso e, se possível, com capnografia com forma de onda (Grau D).
A diretriz sugere que a utilização de um checklist com os componentes essenciais do procedimento (oxigenação, sedação e topicalização) seja utilizado para auxílio cognitivo durante a intubação com o paciente acordado (Grau D).
A diretriz sugere administrar oxigênio suplementar durante todo o procedimento, visando reduzir a incidência de dessaturação (Grau B).
Se disponível, o uso do cateter nasal de alto fluxo para oxigenação durante toda a intubação acordado é o método de escolha (Grau C).
Sugere-se o uso do CNAF com fluxos altos (30-70L/min e com FiO2 de 100%
A topicalização diz respeito à realização de anestesia tópica nas vias aéreas, essencial para a realização da laringoscopia com mínimo desconforto pelo paciente.
Para tal o agente de escolha é a lidocaína, a qual pode ser utilizada até a dose máxima de 9 mg/kg (Grau C).
Esta medicação pode ser administrada de várias formas, incluindo:
Atomização (uso de um dispositivo que espalha partículas muito pequenas em uma grande área)
Spray-as-you-go (são administrados jatos de lidocaína 10-20%, inicialmente na cavidade oral e posteriormente na faringe e laringe, à medida que os tecidos forem perdendo a sensibilidade e se torne possível realizar a laringoscopia). Devemos lembrar que 1 spray de lidocaína 10% equivale a 10mg de lidocaína (dose máxima de 9 mg/kg)
Nebulização e injeção transtraqueal.
Existem outros métodos adjuvantes, tais como gel de lidocaína e outros
Não há um método superior aos demais, porém a diretriz sugere que métodos invasivos são associados a mais desconforto e devem ser realizados somente por profissionais com experiência.
A diretriz sugere que a adequação da topicalização seja testada de forma não traumática, através de estímulo com uma sonda de aspiração fina (Grau D).
Não é obrigatório o uso de medicações xerostômicas (como atropina e escopolamina), sendo tais medicações usadas em casos selecionados (Grau D). Quando indicado, administrar cerca de 30-40 min antes da realização do procedimento
A diretriz reforça que a intubação pode ser realizada com o paciente totalmente acordado, sem nenhuma sedação. Em alguns casos, contudo, um grau leve de sedação (mantendo capacidade de responder comandos simples) pode ajudar a reduzir a ansiedade do paciente e facilitar a colaboração com o procedimento.
Considerando que o risco de sedação excessiva (com depressão respiratória ou cardiovascular) é considerável, a diretriz sugere que um outro profissional, não diretamente responsável pela via aérea, fique a cargo do manejo de sedativos (Grau D).
A diretriz sugere que medicações como o remifentanil e a dexmedetomidina são as mais apropriadas para sedação com o paciente acordado, visto que tais medicações tem um potencial baixo de depressão respiratória e obstrução de vias aéreas (Grau A). Por outro lado, o propofol é a medicação associada ao maior risco de eventos adversos, devendo ser evitada nesse contexto (Grau A).
Doses sugeridas (se necessário, mas não obrigatório): Dexmedetomidina na dose de 0,2 a 1,4 mcg/kg/h; Midazolam na dose de 0,5 a 1,0mg
Por fim, a diretriz reforça que a sedação, se realizada, deve ser uma medida adjuvante e não um substituto para uma topicalização adequada (Grau D).
A diretriz recomenda realizar a confirmação do posicionamento do tubo com dois testes: 1) a visualização da passagem do tubo pelas cordas vocais; 2) uma capnografia com forma de onda adequada após a ventilação (Grau C).
A diretriz sugere que só seja realizada anestesia geral após as duas etapas acima confirmarem que o tubo orotraqueal está na traqueia (Grau D).
A diretriz sugere que sejam realizadas no máximo 4 tentativas de intubação no paciente acordado, sendo a última realizada pelo operador mais experiente (Grau D). Em caso de falha em uma tentativa, deve-se reavaliar cada passo do procedimento, incluindo a oxigenação, topicalização adequada e necessidade de sedação leve.
Em caso de falha após 4 tentativas, algumas alternativas são possíveis, incluindo suspender o procedimento (se possível), tentar uma via aérea cirúrgica ou (em situações emergenciais), optar por uma intubação em sequência rápida (se preparando para uma via aérea difícil).
Considerando que o uso de videolaringoscópio pode aumentar a chance de sucesso de intubação em pacientes com preditores de via aérea difícil, a diretriz sugere que nesse cenário seja utilizado preferencialmente este dispositivo (Grau A).
A figura abaixo resume os principais passos do procedimento
Legenda: The Difficult Airway Society awake tracheal intubation (ATI) technique. HFNO: high-flow nasal oxygen; LA: local anaesthetic; FB: flexible bronchoscopy; MAD: mucosal atomising device; TCI: target-controlled infusion; Ce: effect-site concentration; VL: videolaryngoscopy
Referência da figura: Anaesthesia. 2020 Apr;75(4):509-528
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-intubacao-orotraqueal-em-paciente-acordado-com-base-na-diretriz-da-difficult-airway-society-de-2019
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