Como Eu Faço a Monitorização da Vancomicina em Pacientes com Infecções Graves por Staphylococcus aureus Resistentes à Meticilina
21 de março de 2025
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A vancomicina é o antimicrobiano de escolha para o tratamento de infecções graves por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Apesar de usado com grande frequência, esse antibiótico apresenta risco de eventos adversos graves, especialmente disfunção renal aguda. Nas últimas décadas diversos estudos foram publicados avaliando a monitorização dos níveis séricos da vancomicina, visando otimizar as características farmacocinéticas e maximizar a eficácia terapêutica reduzindo a chance de efeitos adversos.
Em 2020, diversas sociedades americanas se reuniram para elaborar diretrizes orientando como deve ser monitorado o nível sérico da vancomicina durante o tratamento de infecções graves por MRSA. A elaboração dessas diretrizes envolveu a formação de um painel multidisciplinar de especialistas que formularam perguntas relevantes sobre o tema usando a metodologia PICO, seguida de uma revisão abrangente da literatura.
O sistema de classificação para recomendações, adaptado do Canadian Task Force on the Periodic Health Examination, é baseado na qualidade da evidência e divide-se em força de recomendação e qualidade da evidência. As recomendações podem ser fortes (A), moderadas (B) ou fracas (C), dependendo do suporte da evidência. A qualidade da evidência é classificada em nível I (ensaios clínicos randomizados), nível II (estudos clínicos bem conduzidos sem randomização, coorte, caso-controle ou séries temporais) e nível III (opiniões de especialistas e estudos descritivos).
Métodos de monitorização
Recomenda-se que, em pacientes com infecção por MRSA em uso de vancomicina, a relação AUC/MIC esteja entre 400 e 600 mg, visando equilibrar eficácia e segurança com o uso da vancomicina - Recomendação forte, com nível de evidência II.
A maioria dos estudos que avaliaram a relação entre a área sob a curva e a concentração inibitória mínima (AUC/MIC) são retrospectivos e com limitações metodológicas. Previamente, a medida da AUC sob a curva era um grande desafio. Recentemente, com o desenvolvimento de softwares bayesianos, a medida da AUC tem se tornado cada vez mais simples, podendo ser realizada através de duas dosagens (pico e vale) ou mesmo com a dosagem de vale isoladamente. Tendo as limitações em mente, diversos estudos observacionais demonstraram que a obtenção de AUC/MIC entre 400 e 600 é associada a menor chance de falha terapêutica.
Recomenda-se que a monitorização do nível sérico da vancomicina seja realizada através da estimativa da área sob a curva (AUC), podendo ser estimada a partir da dosagem no nível sérico em 2 ou mais pontos do tempo ou através de softwares com análise bayesiana - Recomendação forte, com nível de evidência II.
Um dos principais efeitos adversos do uso da vancomicina é a disfunção renal, a qual, pode ser identificada através de uma elevação de 0,3 mg/dL nos níveis de creatinina dentro de 48h após a exposição à vancomicina. Essa complicação geralmente ocorre entre 4 e 17 dias após o uso e é associada a elevada morbimortalidade. Existe uma associação forte entre o nível sérico da vancomicina e a ocorrência de disfunção renal, sendo que estudos mais recentes demonstram que a AUC tem uma associação mais forte e fidedigna do que a monitorização no nível sérico no vale. Alguns poucos estudos quase-randomizados sugerem que uma estratégia de monitorização baseada na AUC resulta em menor chance de disfunção renal em comparação a dosagem isolada do nível sérico no vale. Recentemente diversos softwares foram desenvolvidos usando análise bayesiana para estimar a área sob a curva através de várias dosagens (geralmente pico e vale), ou mesmo a partir da dosagem isolada do vale. Esses programas tornaram a avaliação da AUC bem mais simples e provavelmente facilitaram a integração das recomendações da diretriz no cuidado usual dos pacientes.
Não é recomendada a monitorização do nível sérico apenas no vale - Recomendação forte, com nível de evidência II.
Tradicionalmente os níveis séricos de vancomicina são medidos no vale (1h antes da próxima dose), tendo como objetivo níveis entre 15 e 20 mg/L. Apesar de prática, essa conduta vem sendo desafiada por estudos recentes que sugerem que os níveis séricos no vale não são substitutos adequados da AUC. Além disso, como citado previamente, há evidência de que a incidência de insuficiência renal é maior com o uso da monitorização baseada em valores isolados da vancocinemia no vale, motivo pelo qual a diretriz não recomenda mais o seu uso isolado.
Sugere-se que a administração contínua da vancomicina é uma alternativa razoável em pacientes com infecções graves por MRSA, em comparação à administração intermitente - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
A infusão contínua de vancomicina traz algumas vantagens potenciais como menor variabilidade nos níveis séricos, facilidade na monitorização (uma vez que não há picos na concentração sérica), e um risco potencialmente menor de lesão renal aguda. Alguns poucos estudos compararam esses dois métodos de administração em pacientes críticos, com resultados inconsistentes.
Sugere-se que a vancomicina seja administrada em uma via separada de outras medicações em caso de infusão contínua, devido a preocupações quanto à compatibilidade com outras drogas comumente usadas na UTI - Recomendação forte, com nível de evidência III.
A maioria dos estudos sobre infusão contínua de vancomicina utilizou doses de ataque de 15 a 20 mg/kg seguidas por doses de manutenção de 30 a 40 mg/kg em 24h, visando atingir uma concentração estável em torno de 20 a 25 mg/L. Nessas doses a vancomicina é incompatível com diversas outras medicações usadas na UTI e não deve ser administrada pela mesma via.
Recomenda-se que sejam utilizadas doses de ataque de 20 a 35 mg/kg em pacientes com suspeita de infecção por MRSA, visando preencher o volume de distribuição e atingir níveis séricos adequados rapidamente - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
Sugere-se que as doses de ataque sejam calculadas com base no peso atual e não ultrapassem 3 gramas - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
Diversos estudos já avaliaram o impacto de doses de ataque, demonstrando que com o seu uso são atingidos níveis séricos mais rapidamente, evitando concentrações subterapêuticas nos primeiros dias do tratamento. Na maioria dos estudos a dose de vancomicina foi ajustada baseando-se no peso real. O painel admite que pode haver uma variação razoável no volume de distribuição de acordo com a composição corporal, porém na ausência de melhores dados foi optado por manter essa recomendação, definindo um limite de segurança de 3 gramas. A administração não deve exceder a velocidade de 10 a 15 mg/min.
Sugere-se que uma dose de ataque entre 20 e 25 mg/kg de peso atual (não excedendo 3 gramas) pode ser utilizada em pacientes obesos - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
Sugere-se que as doses empíricas de vancomicina em pacientes obesos em geral não ultrapassem 4,5 gramas por dia e que seja realizada a monitorização frequente da AUC para o ajuste da dose e prevenção de nefrotoxicidade - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
A obesidade é caracterizada por um IMC acima de 30 kg/m2 e é uma condição cuja prevalência vem aumentando nas últimas décadas e que pode causar um impacto significativo na distribuição de fármacos nos tecidos. Em pacientes obesos o volume de distribuição da vancomicina aumenta com o peso, porém não de forma linear. Assim, tais pacientes são propensos a receber sobredosagem de vancomicina e tem risco aumentado de lesão renal aguda. Faltam estudos prospectivos dando suporte para a escolha da dose de vancomicina em pacientes obesos. Assim, na falta de dados robustos a diretriz sugere uma dose de ataque menor, seguida de uma dose de manutenção usual (calculada com base no peso real), sendo acompanhada da monitorização próxima da AUC para realização de ajustes na posologia.
Sugere-se monitorar os níveis séricos de vancomicina antes da diálise, considerando que níveis entre 15 a 20 mg/L provavelmente correspondam a uma área sob a curva entre 400 e 600 mg.h/L nas últimas 24 horas - Recomendação fraca, com nível de evidência III.
Pacientes utilizando métodos intermitentes de diálise devem receber doses iniciais entre 20 e 25 mg/kg, seguidas de dose de manutenção de 15 mg/kg. O nível sérico da vancomicina deve ser monitorado frequentemente, visando realizar ajustes para manter a AUC dentro da meta. Sempre que possível a dose da vancomicina deve ser realizada após a diálise - Recomendação moderada, com nível de evidência III.
Existem poucos estudos avaliando o ajuste da vancomicina em pacientes em diálise e a maioria focava no nível sérico antes da diálise. Estudos avaliando especificamente a monitorização da AUC da vancomicina não foram realizados em pacientes sob terapia dialítica. Alguns fatores podem influenciar a farmacocinética da vancomicina nesse grupo de pacientes, incluindo o tempo entre a dose e a próxima diálise, se a dose foi realizada durante ou após a diálise, a permeabilidade do filtro à vancomicina e o intervalo entre as sessões de diálise. Dada a falta de estudos sobre o tema, a diretriz deixa uma sugestão baseada na experiência dos autores, bem como a recomendação de ajustes conforme a monitorização do nível sérico.
Em pacientes recebendo terapia de substituição renal contínua, a diretriz sugere uma dose de ataque de 20-25 mg/kg de peso atual, seguida de doses de manutenção entre 7,5 e 10 mg/kg a cada 12h. O nível sérico deve ser monitorado, com ajustes na dose visando atingir os alvos de AUC - Recomendação moderada, com nível de evidência II.
Novamente, faltam estudos sobre o tema, contudo é conhecido que a maioria dos filtros de diálise contínua são capazes de remover vancomicina, sendo o clearance desta substância proporcional ao fluxo de dialisato/ultrafiltrado. Assim, na falta de dados mais robustos, o painel sugere manter uma dose habitual e monitorar a AUC com ajustes eventuais.
Faltam dados prospectivos e de estudos randomizados, sendo que a maioria das recomendações dessa diretriz são baseadas em estudos observacionais, retrospectivos e com baixa qualidade. É importante que essas recomendações sejam avaliadas futuramente em estudos randomizados, prospectivos e com alto rigor metodológico.
A aplicabilidade dessas recomendações deve ser avaliada ao longo do tempo e em diferentes cenários. Por exemplo, a dosagem de vancocinemia ainda não é universalmente disponível em nosso meio, bem como a estimativa da AUC ainda é implementada em pouquíssimos serviços. Assim, é provável que a implementação dessas recomendações seja limitada em muitos serviços ou que seja necessário uma implantação lenta e gradual ao longo do tempo.
Autor do conteúdo
Luis Júnior
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-faco-a-monitorizacao-da-vancomicina-em-pacientes-com-infeccoes-graves-por-staphylococcus-aureus-resistentes-a-meticilina
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